Thursday, September 16, 2010

Das leveduras ao Ser Humano - egoísmo vs altruísmo

"As leveduras desfazem mito" é assim que abre a notícia de dia 16 de Setembro do Diário de Notícias sobre "Egoísmo e Cooperação". E segue assim: "a ideia de que a cooperação é essencial para o conjunto da população ficou algo abalada com um estudo anglo-germânico..."

Claro que, como sucede várias vezes nestas coisas da comunicação social de massas, a notícia não tarda em desmentir as primeiras constatações que faz. Mas ficam aquelas primeiras linhas na cabeça de muito leitor, principalmente nas daquele que - talvez sendo maioria - se fica pela leitura das gordas e das primeiras frases, em jeito de apanhado.

Adiante, veja-se bem como a ciência e a investigação científica é orientada também de acordo com as linhas mestras da doutrina da classe dominante. A cultura e os comportamentos dominantes são estimulados pela classe ou classes que deles retiram proveito, daí incutir também no espaço da Ciência, Tecnologia e Inovação o seu cunho político e de orientar a Ciência em função dos objectivos. Vejamos:

Lê-se então: "..um estudo que se debruçou sobre levedura, concluindo que a mistura de organismos preguiçosos e cooperantes cresce com maior facilidade do que populações só com cooperantes."; e ainda "Na experiência, as células cooperantes produziam uma proteína que quebrava o açucar em glucose, alimento disponível para todos. Mas alguns organismos em poupança energética faziam alguma batota, não produzindo a invertase, mas beneficiando da disponibilidade de alimento."; mais adiante "concluiu-se que o uso de açucar era mais eficaz quando este era escasso, portanto, a existência de organismos "egoístas" impedia o consumo de todo o alimento." e finalmente "também se apurou que os cooperantes estavam junto de outros cooperantes, obtendo mais glucose. Sem essa condição, os preguiçosos não traziam benefícios."

E quase não valerá a pena dizer mais nada, claro está. Porém, tirei aqui um bocadinho para ler o panfleto de abstract (resumo) do artigo do Instituto Max Planck para a Biologia Evolutiva - usando a fonte citada no Diário de Notícias.

E afinal de contas, o exercício de transpor a realidade da levedura (um dos seres vivos mais simples e pertencente ao reino dos fungos para a realidade dos seres vivos complexos, como os animais é da estrita responsabilidade do jornal em causa, sendo que o artigo começa por dizer que o Ser Humano se distingue praticamente de todos os animais por se verificar entre os humanos uma necessidade de cooperação mais acentuada para a sobrevivência. Mas vai ainda mais longe, pois afinal as conclusões deste estudo poderiam ser bem diferentes e ao invés de se ler na primeira linha que a "ideia de que a cooperação é essencial para o conjunto da população ficou algo abalada com um estudo anglo-germânico" poder-se-ia perfeitamente ler:
"a ideia de que o egoísmo pode subsistir e perseverar sem dependência da cooperação caiu por terra" e essa redacção seria bastante mais fiel e mais verdadeira.

Mas quis quem decidiu que esta notícia merecesse destaque na imprensa de massas que ela passasse outra mensagem. Que passasse a mensagem que assenta no estímulo ao individualismo e ao egoísmo.

Porém, esquece quem escreve o artigo que, além das assinaláveis diferenças evolutivas entre o Homem, restantes animais e as leveduras – tão inteligentes para o efeito, quanto um cogumelo – que mesmo a análise às conclusões do estudo não é totalmente sólida. Ou seja, o facto de a população de leveduras florescer na presença de indivíduos que não produzem a enzima por insuficiente abundância energética não significa necessariamente preguiça ou egoísmo como se anuncia no Diário de Notícias, mas sim cooperação ao mais alto nível. Ou seja, uma outra perspectiva sobre este estudo e as suas conclusões, traria um raciocínio diametralmente oposto. O facto de existirem leveduras na comunidade que não produzem a enzima e se alimentam da molécula de glucose pode ser visto como preguiça, ou como opção. Pois se consomem por um lado a molécula de glucose, por outro lado, não consomem a energia necessária ao processo. Isso demonstra uma capacidade cooperativa absolutamente brilhante por parte até dos seres mais elementares dos reinos biológicos. É, aliás, uma aplicação primária de princípios de economia. Egoísmo seria consumir a energia e a glucose. Poupar a energia é apenas um exercício de gestão de recurso escasso. Melhor gestão do recurso escasso, maior crescimento da população, faz sentido.

Mesmo que esse comportamento, de não consumir energia para maximizar o alimento disponível, fosse objectivamente egoísta, o facto de isso provocar um crescimento da população jamais poderia significar que o egoísmo era o factor central para a florescência, até porque ele resulta exclusivamente do facto de existir cooperação. Mas acima de tudo: a questão que devemos colocar é muito distinta da que este estudo coloca. A questão não é se o egoísmo promove o crescimento das populações, mas se promove a justa distribuição da energia e do alimento entre a população e se prolonga o tempo da sua vida num quadro de recursos finitos.

E sobre isso, apesar das virtudes do estudo, nada se diz no jornal nem no abstract do artigo divulgado pelo instituto Max Planck.

2 comments:

Dalaiama said...

Excelente desmontagem ideológica a tua! Sabes como é, a imprensa do sistema está sempre a vomitar-nos poluição, distorções e infecções ideológicas. A verdade é que a maioria dos jornalistas não tem a espinha muito direita, é muito subserviente e pouco crítica. Eles metem nojo até, pela facilidade com que despejam disparates e influenciam perigosamente as massas. Por eles, fica tudo como está, ricos cada vez mais ricos, pobres a aumentar, o capitalismo cínico no seu máximo. Precisamos de outra imprensa JÀ!

Formiga said...

Pois é... é mais do mesmo...
A comunicação social, predominante, não existe para informar, mas sim, para formatar o pensamento das massas, a fim destes poderem contribuir, com a sua baralhação intelectual, no incremento social da politica do inevitavel, em prejuizo dos seus proprios direitos, e interesses, para beneficiar o sistema imposto em beneficio daqueles que os exploraram...
E estes pseudo intelectuais andam felizes e contentes, pois são uns infelizes informados, pensam eles é claro...
Enquanto isso os grupos económicos, propretários destes meios, andam felizes pois têm grandes amigos, e para os manterem basta que não belisquem os seus interesse...
Enquanto isso os seus vassalos que se encontram nas redacções, sendo a maioria precários, aguardam que venham as indicações dos lápis azuis... na prespectiva de manterem os seus locais de escravidão.
Sim, que tal como eles dizem, temos que dar graçasa deus de termos trabalho...
Eles é que nunca se deram ao trabalho de estudar a história, senão já tinham chegado à conclusão que sempre houve trabalho, direitos é que não...