Friday, March 31, 2006

palavras para quê?

"a sua situação só se complicará se procurarem salário, não emprego"
Belmiro de Azevedo - Escola Superior de Educação de Coimbra - referindo-se à dificuldade de um jovem encontrar o primeiro emprego.

O papel do acaso e o Ocaso das ideologias – parte II

É pois, desde os primeiros anúncios do materialismo histórico, que o capitalismo mais se empenha no aperfeiçoamento das suas armas de extinção ideológica. O capitalismo entende agora que o avanço prático da sua concepção ideológica depende do ocaso da ideologia nas massas, particularmente junto dos trabalhadores. A elitização da ideologia é o objectivo fulcral desta estratégia.

Os intelectuais do capital e a vanguarda económica da sociedade aprofundam e estudam a ideologia do capital, avança novas formas de exploração e sustentação do sistema capitalista. A concentração do estudo ideológico nas elites do capital, simultaneamente eliminando as bases filosóficas necessárias à compreensão das ideologias é a nova táctica do capitalismo. Ao eliminar a concepção de ideologia, o sistema acaba por conseguir um melhor controlo de massas, uma espécie de ilusão colectiva de que o acaso, a sorte e a competência de gestão de cada líder determinam o curso da história. A eliminação do conceito de ideologia, acaba com uma dualidade essencial: a do antagonismo de classe, a do antagonismo ideológico. De algum modo, pode dizer-se que o capital tem duas ideologias: a ideologia capitalista neo-liberal concentrada nas suas elites e a ideologia da ignorância que postula o ocaso de todas as ideologias que dirige às massas.

A ideia de que não mais existem ideologias é a mãe da doutrina da conciliação de interesses entre classes antagónicas, típica forma da mística impossibilidade histórica. O papel do acaso é, pois, evidenciado pela doutrina burguesa, desvalorizando o papel das leis e dos mecanismos naturais da sociedade humana.

O acaso, embora existente e com expressão importante numa abordagem micro-histórica[1] não determina a história da Humanidade. Esta é desenvolvida com base em leis básicas, em leis eminentemente materiais em oposição ao papel das leis do espírito.
A luta de classes é regida por leis e não pelo acaso. E a luta de classes rege a história do Homem.

É a negação do parágrafo anterior que serve de pilar à ideologia burguesa irradiada junto das massas. Julgo, no entanto, que as elites do capital baseiam a sua análise no mais puro do materialismo dialéctico e que é exactamente a abordagem materialista e científica que lhes permite aperfeiçoar de tal forma os mecanismos de exploração e opressão. É partindo da concepção marxista da divisão da sociedade em classes, bem como da perfeita consciência de que é a luta e o antagonismo permanente entre as classes que move a história que o capitalismo dinamiza as diversas ofensivas.

Um pequeno modelo do que foi escrito acima seria a hipotética situação:
“duas facções em guerra – uma poderosa e rica e outra pobre e apenas mais numerosa, sendo que a primeira explora ou escraviza a segunda – mas só a mais poderosa sabe que está em guerra porque mata no escuro”. É esta a jogada mais desenvolvida do capital no plano ideológico: garantir que só a burguesia sabe que existe uma luta de classes, garantindo que o proletariado acredita na conciliação de interesses.


[1] Pedimos desculpa pela invenção de termos, mas é que não há aqui entendidos nesta coisa das ciências sociais como dadas nas escolas– micro-história: história de um episódio numa vida, cingida a pequenos acontecimentos; contra macro-história: história da humanidade ou de uma sociedade, contendo a relação entre seres humanos, entre classes, entre homem e natureza, etc..

Thursday, March 30, 2006

O papel do acaso e o Ocaso das ideologias - parte I

O sistema capitalista, com quase 250 anos de construção não tem conseguido ultrapassar os problemas que desde logo se lhe colocaram. Sempre os marxistas acusaram o capitalismo de conter em si o gene da desumanidade, por centrar a organização da sociedade humana, não no Homem, mas na acumulação de capital.

A produção mundial conheceu avanços magníficos no quadro inegável da evolução do capitalismo, avanços esses fortemente relacionados com o funcionamento do próprio mercado capitalista e com as dinâmicas criadas pela concorrência entre empresas que acabou por favorecer a evolução tecnológica nos sistemas de produção.

Hoje, a produção é maior do que a necessária para que todos os seres humanos pudessem viver em condições de dignidade e a mão-de-obra envolvida na produção poderia empregar todos desde que diminuída a carga sobre cada indivíduo. A tecnologia dos sistemas de produção e os custos de produção também já permitem que os salários dos trabalhadores vão ganhando aproximação ao valor da produção.

No entanto, nenhuma destas potencialidades da humanidade e da sua sociedade mundial se verifica. Pelo contrário, a concentração de capital é cada vez mais acentuada, a produção e a riqueza são cada vez mais mal distribuídas entre as classes e entre os diferentes povos do mundo.

As ideologias, os sistemas de modelos conceptuais e bases teóricas para a acção, fazem hoje, cada vez mais sentido. Numa altura em que os povos se encontram numa encruzilhada histórica, urge construir um rumo alternativo para a história colectiva da humanidade. Tal não acontecerá por acaso.

Ao longo da história, as classes dominantes foram sempre utilizando diversas metodologias de ofensiva ideológica e de controlo, para a manutenção das relações inter-classistas. A repressão, a ignorância de massas, o controlo religioso, a fome, o desemprego e outras formas de opressão física, psicológica ou ideológica sempre foram os recursos mais utilizados pelas classes dominantes.

O capitalismo, no entanto, tem vindo a aperfeiçoar todos esses mecanismos, não abandonando nenhum deles, refinando cada um, aperfeiçoando-os enquanto metodologias. O capitalismo e os sistemas que representam os pólos opressores e exploradores têm levado a tortura, a guerra e outras formas de repressão a novos patamares de desumanidade, mas também encobertos pela arma de ponta do imperialismo e do capitalismo – a ideologia. E é aqui que o sistema capitalista tem desenvolvido as mais brilhantes testes (não menos erradas) ideológicas que lhe possibilitam de certa forma o controlo de massas.

Uma das questões centrais que se coloca é a que se relaciona com as novas formas de misticismos e idealismos baseados na ignorância que o capitalismo tem conseguido criar e espalhar, utilizando mesmo os recursos dos Estados como os sistemas educativos de massas. O ocaso das ideologias tão anunciado pelos professores da política neo-liberal e destacados quadros intelectuais do capitalismo é a mais refinada das evoluções da ofensiva dirigida contra os povos e contra os trabalhadores de todo o mundo. A ausência da perspectiva materialista que é infundida nas massas conduz à aceitação passiva de conceitos paralelos à realidade, um dos principais e cada vez mais sustentado pela rede ideológica do capitalismo é o do acaso, aliás já promovido desde que o marxismo sistematiza as leis da história.

Monday, March 20, 2006

Invasão continuada, ocupação por consolidar

A ocupação continua, ainda que na TV não abra telejornais, nem se ouça nas rádios nem leia nos jornais. O exército mais poderoso do mundo, com a ajuda dos lacaios do imperialismo e com a cobertura da comunicação lá vai asfixiando um país, um povo e uma milenar cultura.

Nos jornais, no televisor, o Iraque é apenas um deserto, árido e vazio, sem sangue, sem vida. Nos jornais, o Iraque foi o país das armas de destruição maciça, das armas biológicas, da tirania, sempre um país de bárbaros terroristas que ali emergiam contra o mundo civilizado. Nos jornais e na tv, o Iraque sempre foi aquilo que o imperialismo quis que fosse. E mesmo agora, provadas que estão as mentiras alvitradas pela demência prepotente do capitalismo, o Iraque continua a ser um deserto por onde marcham, qual cruzados, os civilizados soldados do império.

O Iraque, a sua vida, as suas vidas, a sua resistência e o seu sangue derramado nas suas próprias ruas, não existe para as câmeras da Tv, nem para as objectivas dos jornais. Quanto muito pode existir um amputado de guerra em estado aflitivo para ganhar um prémio foto-jornalístico, mas a dor, essa, não existe nem nunca existiu porque, aliás, os terroristas não sentem dor.

O Iraque, afinal de contas, não tinha armas de destruição maciçaa. Nem tampouco se provaram quaisquer ligações a organizações terroristas internacionais. O Iraque, afinal, não dominava a arte das armas biológicas, nem tinha planos de promover uma Jihad contra o ocidente cristão. Afinal, o Iraque tinha era petróleo. Afinal o Iraque tinha rios de petróleo.

Afinal o Iraque tinha gente, gente sofrida de décadas de repressão. Afinal o Iraque tinha casas, prédios, afinal o Iraque não era apenas um deserto com terroristas, lá viviam crianças, mulheres e homens, trabalhadores e trabalhadoras. Afinal no Iraque também existiam árvores, jardins, escolas e hospitais.

Afinal os satélites da guerra dos senhores do petróleo, com a sua magnífica resolução xpto não apanharam o panorama iraquiano completo pior, só detectaram o que lá não estava. E hoje? quem lhes pede contas? Os mesmos de sempre: os povos e os trabalhadores. Anunciar o reconhecimento da mentira não é tarefa para as TV's, jornais ou rádios. Denunciar o genocídio não é desígnio dos que promoveram a guerra. Julgar os criminosos de mãos sangrentas não é típico da justiça capitalista. E hoje, promovem-se os assassinos. Barroso é senhor presidente (vómito), Bush é lorde da guerra e do petróleo, Blair é dama-de-ferro reciclada e não consta que Aznar apodreça numa prisão longe de sua casa.

Mas são os mesmos que, em todo o mundo souberam a mentira, que hoje lutam como antes. É o povo iraquiano em armas na defesa da sua pátria, soberania e independência que já deu milhares de filhos à sua terra, é o povo iraquiano sofrido e empobrecido que mastiga urânio na sua comida e o engole na sua água por mais milhões e milhões de anos no futuro. Mas são também muitos pelo mundo, os explorados que nasceram fora do Iraque. E podia ter tudo acontecido com eles. Não com a burguesia pseudo-socialista a quem o Iraque pouco importa. A esses não acontecem desgraças, porque a solidariedade burguesa passa fronteiras com aviões, enquanto a proletária voa o mundo apenas com a forçaa da razão e, por vezes, um pedaço de pão. Para esses o Iraque é história do passado, que lhes colocou fronhas no jornal quando era moda, para esses já só interessa o pós-Iraque. E o povo do Iraque que é hoje vanguarda do heroísmo anti-imperialista e que resiste com as armas que não tem contra a máquina esmagadora dos tanques de guerra e contra binóculos de infra-vermelhos, satélites de precisão, espingardas metralhadoras e canhões, contra o urânio cancerígeno e as armas dos patrões, ali continua de pé. E um dia ele escreverá a história do seu país, com novos jornais, rádios e Tv's.

Wednesday, March 08, 2006

Paridade concertada

O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda entendem que a defesa dos direitos das mulheres tem expressão máxima naquilo a que chamam a paridade, por sua vez inserido no tema por si próprios fabricado igualdade de género.

A paridade em si não é um estado necessariamente negativo nem positivo. A participação da mulher e do homem em igualdade não significa directamente a igualdade numérica. A paridade, enquanto estado de participação em determinada etapa da vida política, social ou económica, deve ser atingida com naturalidade e não com obrigatoriedade. A própria concepção de atribuir à construção da paridade o carácter limitativo e obrigatório encerra a indisfarçável tendência patriarcal da sociedade em que vivemos, ou, num outro extremo pode transportar a visão individualista do feminismo frígido e tão abominável quanto o machismo.

A grande questão que se coloca quando falamos de participação da mulher na sociedade é exactamente a mesma que deve ser ponto de partida para tantas outras análises. O que define o papel de cada ser humano na sociedade? O seu sexo? A sua cor? O seu credo? A sua orientação sexual? Julgo que não. O que determina o papel de cada um de nós na sociedade é a nossa intervenção no processo produtivo, a detenção ou não dos meios de produção, a acumulação e apropriação ou não das mais-valias e a existência ou não de um compromisso de classe prático.

Não entendo como podem ser considerados garantidos quaisquer direitos das mulheres pela simples obrigatoriedade de participarem em igual número nas diversas esferas da vida. A grande questão consiste na garantia das condições que possibilitem um relação entre a sociedade e a mulher nas mesmas condições com que esta se relaciona com o homem, condições essas que devem ser, paralela e simultaneamente mais abrangentes e mais dignas.

A libertação da mulher é a libertação do homem e do Homem.
A obrigatoriedade de medidas que garantam a paridade, a imposição de quotas por género, acarretam falácias, enganos e retrocessos no entendimento colectivo necessário à verdadeira emancipação da mulher.

1. A imposição, por ser isso mesmo, implica que existirá uma ingerência na vida das organizações, obrigando cada partido, associação ou estrutura democrática a limitar-se na construção das suas próprias opções.

2. A existência de igualdade numérica entre homens e mulheres não garante de forma alguma a igualdade de tratamento político entre géneros, isto porque a definição da génese política de cada pessoa depende exclusivamente da sua origem de classe e do seu compromisso ou integração de classe.

3. Partir do princípio que a paridade numérica é sinónimo de garantia de igualdade política e social entre géneros é assumir que todas as mulheres defendem os direitos das mulheres, o que me escuso a rebater.

4. Aceitar a paridade numérica, bem como defendê-la é fazer divergir das questões centrais, ludibriando homens e mulheres a resolução de um problema que tem principal raiz nas discriminações de base que sofrem homens e mulheres, principalmente nos locais de trabalho, com principal expressão como sabemos para o sexo feminino.