Thursday, December 15, 2005

Valha-nos a razão que não temos

Não encontrei texto épico que pudesse ser base de sustento para o episódio que vivemos actualmente. Não há lusíadas, ilíada, odisseia, eneída nem outra qualquer composição heróica que ilustre as peripécias com que se cruza o colectivo português nesta sua fase, que de histórica só tem a tristeza, a desilusão e a vergonha.

Refiro-me, claro, à vergonha a que estamos sujeitos, como joguetes nas mãos das entidades do Olimpo, dos céus ou dos infernos. Claro, que, inevitavelmente (esperamos nós), o circo tem de se repetir em torno da escolha do presidente da república, pelo menos de 5 em 5 anos.

Mas o que já não era tão necessário, era a forma crescentemente decadente com que se tratam estas eleições nacionais. A desvalorização permanente em torno da figura do Presidente da República, a ascensão mítica da necessidade de reforçar o papel do presidente e da criação de um regime presidencialista à boa maneira norte-americana, são dois dos argumentos bafientos que, gradualmente e entre outros, nos impingem.

Cinco candidatos. Caso curioso. Em que diferem? O que está em jogo?
Para variar, a imprensa, a rádio e a Televisão fazem tudo para circunscrever a batalha eleitoral a este ou aquele candidato que melhor serve os interesses que manipulam esses mesmos órgãos de comunicação social. Ora, se os donos dos jornais, das rádios e das televisões apoiam determinado candidato, seríamos todos ingénuos, senão otários, em crer que os seus tentáculos comunicativos pudessem ser, efectivamente e como se afirmam, isentos. Na forma como se encara a realidade, particularmente na forma como se a interpreta, não há lugar a isenções. Eu não posso, não consigo, nem quero, ser imparcial… mas assumo-o. Quem ler isto, está desde o cabeçalho da página, avisado de que está sujeito a levar com uma opinião parcial, sinistra.
No entanto, abundam os jornais nacionais, regionais e locais, pejados de imparcialidade falsa, como abundam noticiários por rádio e televisão que se afirmam responsáveis e isentos, sem que na verdade o sejam.

Podemos ser acusados de tudo, mas não nos acusem de falsidade. Está assumida a nossa parcialidade. Parcialidade essa que é, simultaneamente, um apelo à inteligência. Não vendemos nada. Não apoiamos Jerónimo de Sousa só porque é quem fala melhor, mas porque é aquele único candidato que está do mesmo lado que nós. Assumimo-lo, sem qualquer espécie de prurido. O mesmo não são capazes de fazer os senhores que apoiam Cavaco. Escondem-se por detrás da capa da isenção, da seriedade…

Ainda há dois ou três dias atrás, num debate transmitido pela TV, confrontaram ideias Jerónimo de Sousa, candidato que se compromete com os trabalhadores, e Cavaco, candidato comprometido com o dinheiro dos seus patrões. E, pasme-se, vi o debate de fio a pavio e achei que o Cavaco foi muito pobre… Já o sabia miserável, mas nunca ao ponto de chamar a sua própria Maria para o debate, para justificar o quanto gosta de mulheres – “Lá em casa a minha mulher ri-se muito” – só visto. Cavaco insistiu nas concepções vagas de desenvolvimento económico, competitividade, inovação… mas não disse uma palavra sobre o desmantelamento do aparelho produtivo. Justificou novamente os seus actos de prepotência quando investiu contra manifestantes recorrendo às forças de segurança nacionais. Fingiu uma preocupação social que nunca soube sequer o que significa. Falou a custo sobre racismo e imigração, engolindo as palavras que proferia como se fossem pedras insolúveis na saliva do seu pensamento. “Eu rejeito o racismo” dizia, com o ar de quem engole fel e sorri para não ser mal-educado. Hoje lia-se no Diário de Notícias, pela pena do mais ordinário dos ordinários que teria sido genial a tirada: “Olhe que não… olhe que não”… Genial!? O Cavaco vinha com a piada preparada de casa, provavelmente enfiada na sua parca cabecinha por um dos seus bem pagos assessores de campanha, ou managers, ou que raio são. Além disso, reconhecê-la como genial é, no mínimo, depreciativo do sujeito e da sua fasquia para o “genial”.

Jerónimo de Sousa, por seu lado, não foi excepcional, não foi genial, não é diferente de si próprio. Coloca-se, verdadeiramente, num discurso que ele moldou, mas que também o moldou a ele. Defende o que diz e diz o que defende, ao contrário de Cavaco Silva que, manifestamente, adapta o discurso à circunstância, não preenchendo nunca as lacunas. No discurso do Cavaco estão todas as palavras sonoras, mas não assume verbalmente, nem por uma vez, o carácter ideológico da sua candidatura. Salvo quando lhe foge o pobre raciocínio para a boca.

Naquele debate, independentemente da nossa parcialidade inevitável, Jerónimo foi mais sincero, mais frontal, menos esguio, menos falso. Naquele debate ou tempo de antena partilhado – porque de debate tem muito pouco este novo modelo americanóide, feito á imagem do que convém ao Cavaco – Naquele debate, Jerónimo mostrou que, independentemente do que não diga agora o candidato da direita, ele está incontornavelmente apostado na escalada reaccionária contra a essência da Constituição da República Portuguesa. Mostrou que, na sua simplicidade, é Homem para assumir a defesa dos trabalhadores, porque defendê-los é defender exactamente a constituição. É uma simplicidade determinada, de quem está inteiramente ao lado dos que trabalham e dos que são explorados. Um Jerónimo que se mostrou como o único, juntando outros elementos ao debate, capaz de promover uma ruptura democrática com a entrega do nosso país ao capital e ao capital transnacional.

Mas para o génio miserável do Diário de Notícias, triste traste da direita portuguesa, comprometido com a isenção. Ali escarrou um texto vergonhoso, provavelmente escrito à última da hora, só para fazer o frete para que foi pago.

Para ele, pouco importa que Cavaco tenha vendido Portugal ao desbarato, garantido um défice das contas públicas historicamente alto, para ele pouco importa que Cavaco tenha voltado a justificar todas as medidas que tomou no passado. Para ele pouco importa que Cavaco tenha sido um pobre exemplo da pose de Estado, desde o seu aspecto físico ao seu timbre bolorento de voz, passando essencialmente pela sua pobreza ideológica e argumentativa.

Acesa contenda (O império toma partido)

Após acesa contenda argumentativa, a Assembleia do Império Bárbaro decidiu, por unanimidade, o apoio a um candidato à Presidência da República.
Como blog que pugna, irremediavelmente, pela transformação do mundo e da ordem das coisas, esta era apenas mais uma fase que nos exigia tomar uma decisão. Ora, analisando as opções, a Assembleia, reunida numa viela de Lisboa onde cheirava a ginja e cidra, teceu a seguinte resolução.

1. Os candidatos à Presidência da República não surgiram agora, já existiam antes da marcação da data das eleições. Todos, sem excepção, também já existiam antes do anúncio das suas candidaturas a este órgão de soberania.

2. O Mário Soares é um traidor da classe operária, reciclada velharia do baú do desespero, contribuindo com a sua candidatura para a desacreditação do sistema democrático e da sua capacidade de auto-regeneração. Ao assumir-se como candidato, retira a confiança à própria população portuguesa, achando que é o único homem do país capaz de ser Presidente. O PS apoia este, porque se está borrifando para quem ganha as eleições, desde que seja o Cavaco, tolerando ainda o Soares e o Manuel. Aliás, para o actual governo do PS, o candidato que melhor garante a estabilidade dos trabalhos de desmantelamento nacional e atentados contra a pátria é o Cavaco. O Soares é um mito. Custa-me crer que ainda posso ter de vir a votar nele. Anima-me a ideia de que, caso isso tenha de acontecer, esta será provavelmente, a última vez.

3. O Manuel Alegre é um poeta fingidor no verdadeiro sentido da palavra. Ainda que fosse um poeta real e sincero, não faria dele automaticamente um humanista e um bom Presidente. No entanto, ele é mesmo falso. É resquício da aristocracia arrogante, do nariz empinado típico dos olhem-para-mim-que-sei-escrever-coisas-bonitas-mesmo-que-sejam-sobre-o-25-de-abril-revolução-que-em-vez-de-esperança-me-dá-comichão. É pois, este, um senhor que utilizou sempre a esquerda como o garante de poleiro. Um homem acima dos partidos mas a quem só faltou rastejar no esterco dos porcos do Montijo para implorar mais do que implorou ao PS o seu apoio partidário. Um caçador nato, não só de patos, mas de ingenuidades.

4. O Francisco Louçã é um candidato de ressabianço. O berloque não podia deixar passar esta oportunidade para relembrar todos que ainda existe. Principalmente depois da talhada que levaram nas autárquicas, impunha-se dizer ao povo que continuam cá. Com esta candidatura até garantem mais umas colocações acima do PCP nas sondagens. Mesmo que depois isso não se reflicta sequer num amendoim. O que importa são os jornais e os comentadores. Uma mentira repetida muitas vezes torna-se verdade… pelo menos na cabecinha mimada do senhor Francisco Louçã (passe a citação de Goebbels).

5. O Cavaco é o candidato dos interesses do capital. É o candidato que preferia matar a Constituição à facada que jurar ter de a cumprir e fazer cumprir. Mas… ele está disposto a fazer esse esforço: jurar defendê-la e depois assassiná-la com desdém. Cavaco tem um brilho horrível na testa que insiste em não limpar… nós achamos que é suor. Cavaco é de direita. Cavaco fingiu que já não gosta do PSD só porque ninguém gosta do PSD. Cavaco não quer o apoio público da mula da cooperativa, mas a mula é a sombra do Cavaco. O Cavaco diz que lá em casa, a sua mulher se farta de rir e que gosta muito dela. O Cavaco não sabe falar como deve de ser. O Cavaco gosta do Sócrates e o Sócrates gosta do Cavaco. Nós não gostamos do Sócrates. O Cavaco acha bem vender o país ao capital nacional e finge não saber que o capital nacional vende o país ao capital estrangeiro, que depois compra o Cavaco. O Cavaco é um ser do passado, um cogumelo das caves escuras da história do país, um ser que ainda cheira aos bolores do fascimo, do corporativismo e do chauvinismo. Cavaco é contra a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, defendendo que as mulheres portuguesas devem continuar a ser presas, julgadas e humilhadas por terem tomado a decisão mais difícil das suas vidas, confrontadas com a ausência de meios para sustentar o seu filho. Cavaco está-se nas tintas para a IVG porque as mulheres dos seus patrocinadores vão abortar ao estrangeiro. O Cavaco é o candidato anti-Portugal.

6. O Jerónimo é o único que assume a sua parcialidade. É o único que fala contra as últimas revisões constitucionais descaracterizadoras. É o único que fala de desenvolvimento, justificando simultaneamente, com a defesa e fortalecimento do aparelho de produção nacional. É o único que não fala por palavras fáceis, preferindo explicar o que diz, mesmo que isso não mereça capas de jornal, nem soe tão bem aos ouvidos dos mais distraídos. É o único que não molda o discurso conforme a plateia. É o único capaz de defender a Constituição e os seus princípios, não por palavras, mas por ideais. Além disso, o Jerónimo é sincero, afável e simpático. Não é doutor, não é poeta, mas é construtor. Construtor empenhado do mundo do futuro.

7. Não descansamos à sombra das barbaridades que nos dizem que o Cavaco é o imaculado salvador da pátria, o messias esperado. Relembramos o passado e o papel histórico de cada um dos candidatos, fazendo jus ao ponto 1. O Império bárbaro apoia a candidatura de Jerónimo de Sousa à Presidência da República Portuguesa.

Wednesday, November 30, 2005

Barbarian Enough

The Boy with Nails in his Eyes
put up his aluminium tree.
It looked pretty strange
because he couldn't really see.
Tim Burton - obrigado Lux, e outra vez... obrigado Lux

Thursday, November 17, 2005

Custas judiciais, Thatcher, Sócrates e sindicatos

Pois é. Um relação bárbara esta. E só mesmo um sistema tão aprimorado como o capital para se ir lembrar de uma destas.

Já nos anos oitenta uma daquelas digníssimas figuras de estado se havia lembrado de estratégia tão apurada e eficiente. Uma daquelas figuras que não merecerá mais no futuro que não o desdém do mundo. Ainda que no presente seja uma daquelas que, como alguns da nossa pátria, ressuscita tal Fénix em todo o seu esplendor. Desses salvadores messiânicos, contará o futuro apenas a verdade. Ficarão apenas as bocas famintas que deixaram em nome de chorudas contas bancárias e o rasto de destruição em nome de autoridade e moral.

E que nome de alta figura de Estado é aqui invocado? Thatcher. A “Dama de Ferro”. Responsável por utilizar uma política que tanto tem de maquiavélica como de predatória da classe trabalhadora. Os métodos do capital começam a perder a criatividade. Recorreu tão ilustre senhora ao aumento escabroso das custas judiciais e à diminuição da ajuda estatal. Com isto, apaziguou, tal como em Portugal agora se faz, muitos pilares da burguesia. Para isto, desculpou-se com a justiça social. Aumentou as custas. Diminuiu o apoio do Estado. Quem ficou a perder?

Não precisarás de mais que uma linha para adivinhar, certamente.
Ficaram a perder aqueles que, só com muita dificuldade as poderiam pagar, os trabalhadores. Com isto, com a incapacidade de recorrer ao apoio judicial, os trabalhadores deixaram também de ter o acesso à justiça. O acesso à justiça passou a ser também ele, reservado a uma elite. Por diversos motivos.

Um: o facto de um trabalhador não ter suficiente dinheiro para suportar as custas judiciais, afasta-o do recurso à justiça. Mesmo que tenha razão, por exemplo…. Num processo de despedimento sem justa causa.

Dois: ao acabar com os processos dos trabalhadores pobres a “entupirem” os tribunais, fica a costa livre para as grandes empresas e seus já habituais processos de dívidas e outros semelhantes banditismos. Aceleram-se os processos que beneficiam o grande capital.

As consequências imediatas de tão vil estratégia estão já à vista. As de médio-prazo? Sócrates acaba de as mostrar em Portugal. Com as dificuldades dos trabalhadores surgem as das suas estruturas sindicais. Com isso perde a capacidade reivindicativa das classes exploradas, favorecendo obviamente os do costume. Com sindicatos incapazes de sustentar as custas judiciais dos seus membros, cresce um descontentamento difícil de contrariar junto dos trabalhadores. Cresce a incapacidade de organizar a defesa. Diminui a capacidade financeira do sindicato. Fim.

NÃO! Também sobre isto o futuro reservará apenas uma negra página, lembrando as artimanhas do capitalismo, para que não venhamos a sofrer do mesmo num amanhã qualquer.

Thursday, November 10, 2005

Marxismo e Ambiente

Há alguns anos atrás li um livro, cujo autor e editora não recordo os nomes, com o título “Marxismo e Ambiente”. Aquele livro despertou-me, na altura, para uma temática deveras importante. Tão importante quanto nova para o meu raciocínio, na altura, o de um marxista incipiente.

O ambiente, em senso lato, é toda o meio envolvente ao Ser Humano. No tratamento que aqui lhe vamos dar, o ambiente é apenas toda a Natureza que nos rodeia, por nós influenciada e que sobre nós influi, mas que existe sem ter sido concebida pelo Ser Humano. Num entendimento mais estrito, trataremos o Ambiente essencialmente enquanto o conjunto dos recursos naturais que servem de sustento ao desenvolvimento das espécies vivas que habitam em regimes ecológicos interdependentes o planeta.

O marxismo e a prática económica que lhe subjaz são caracterizados, entre outros, por dois vectores paralelos:
1. o da utilização da economia ao serviço do conjunto dos Seres Humanos que intervêm na produção;
2. o da justa distribuição da riqueza ao invés da concentração e cumulação do lucro.

Quando nos defrontamos com a grande maioria dos casos de delapidação ou destruição ambiental actual, encontramos em larga escala uma relação directa entre eles e a exploração dos recursos naturais. Os grandes responsáveis pela degradação ambiental não são as populações, mas sim as grandes indústrias, quer sejam as extractivas, quer sejam as transformadoras e mesmo à agricultura intensiva. As grandes questões ambientais, desde o aquecimento global, à destruição das florestas tropicais sul-americanas, africanas e asiáticas estão intimamente ligadas à actividade do capital, na sua senda de auto-reprodução capitalista por via da exploração do Homem e da Natureza.

Muitas vezes, não relacionamos directamente o marxismo com a defesa do ambiente. Tendências políticas ditas ecologistas vieram fazer crer que existe uma política ecologista que não é necessariamente marxista. No entanto, esperamos que, com este post sejam dados passos para que o leitor passe a relacionar política e economia com ecologia e defesa do ambiente.

O objectivo essencial do marxismo não é, claro, a defesa do meio ambiente. Todavia, um breve raciocínio que leve em conta os dados que podemos tirar das observações do dia-a-dia capitalista, levar-nos-á à conclusão irremediável de que não existe protecção dos recursos naturais sem o socialismo, tal como não existirá humanismo no regime capitalista.

O humanismo está, ainda que muitas vezes o não vejamos, intimamente ligado com a defesa dos recursos naturais. O Homem não pode viver independentemente da abundância de recursos naturais. Principalmente, não pode viver em sociedade rumo ao progresso, nem tampouco manter as actuais condições sociais dos povos sem que existam recursos naturais que o sustentem. A abundância dos recursos naturais influencia, não só a economia capitalista, como também determina a continuidade da espécie e, em última análise, das espécies.
A visão dialéctica dos marxistas é a única abordagem humanista em torno das matérias do ambiente.

Para melhor ilustrar, destacarei dois tipos de políticas ditas ecologistas de diferentes matrizes e aquela a que se chama ecossocialismo:

a social-democrata, que encara o ambientalismo como um tema necessário mas incómodo. A protecção da natureza serve aqui o principal propósito de ser agente cosmético. O capitalismo e a exploração desenfreada dos recursos naturais não são postos em causa. Os Verdes da Alemanha são o típico paradigma de um partido de direita, sustentáculo do capitalismo e do reaccionarismo que afirma defender o ambiente. Na verdade, sob as políticas de direita, o ambiente é dogma exclusivo para limitar a actividade popular dele dependente. O grande capital continua a gerir e a explorar o ambiente em função da maximização do lucro. Para os interesses capitalistas, se for mais lucrativo produzir poluindo, eles assim o farão. Pensar o contrário é pura ingenuidade.
a radicalista, que encara o ambiente como algo superior à própria existência e subsistência da Humanidade, sem que aplique uma visão integrada. O fundamentalismo caracteriza esta corrente política, que mais não é senão uma forma enviesada de esquerdismo ou radicalismo pequeno-burguês. A defesa da natureza por si só, sem uma visão de desenvolvimento da sociedade não serve outros interesses senão os do capital. Estes movimentos não põem em causa os processos de produção capitalistas e fazem crer que toda a delapidação ambiental é fruto da má-vontade das grandes corporações. A defesa da natureza é o fim da ideologia destes grupelhos políticos.
o ecossocialismo é o socialismo, na medida em que o socialismo, para o ser, aplica a economia para o desenvolvimento horizontal da população, dos trabalhadores e do povo. Para o socialismo, a preservação da espécie humana, num rumo de constante diminuição do fosso entre ricos e pobres é o objectivo de médio-prazo. A eliminação das classes, a existência solidária e pacífica dos povos e a distribuição justa da riqueza é o objectivo final. Ambos estão inevitavelmente dependentes da preservação e boa gestão dos recursos naturais.

Assim, é idílico julgar que existe a possibilidade de que o sistema capitalista se venha a auto-controlar na exploração de recursos e na produção de poluentes. Actualmente, existe já tecnologia que permite o avanço das energias alternativas. E, tivesse o esforço de investigação e desenvolvimento sido iniciado antes, já essas energias teriam hoje utilização democrática. Caso a utilização dos combustíveis fósseis não fosse lucrativa, já o capital teria optado há muito por outras fontes de energia e teria investido os milhares de milhões necessários para a sua colocação no mercado. A grande questão é que não convém, obviamente, ao capital, possibilitar a independência energética dos cidadãos. A energia fotovoltaica, por exemplo, possibilita essa independência. A fusão nuclear, poderia também proporcionar energia limpa e barata para toda a população. No entanto, estas tecnologias não estão suficientemente desenvolvidas porque… não dão lucro e porque ainda há muito petróleo por vender.

Para melhor ilustrar: relembro o tamanho médio de uma bateria de telemóvel há dez anos atrás. Desafio-vos a lembrar quanto tempo durou até que diminuíssem para tamanhos centimétricos. Porquê? Se repararmos, foi uma questão de meses. De um momento para o outro as baterias de celulares passaram de autênticos tijolos para pequenos e leves paralelipípedos, curiosamente, com maiores períodos de autonomia e mais amperagem. Daí às baterias de lítio foi um pequeno salto. Porquê? simples… é que começou a dar lucro desmesurado a venda de telemóveis e serviços de telecomunicações através deles. Os motores dos automóveis têm sofrido grandes avanços tecnológicos, mas mantém-se a dependência dos derivados do petróleo. Porquê? porque ainda se obtém significativo lucro através da sua venda. A poluição daí resultante é apenas um dano colateral que o capitalismo desdenha. A poluição não tem reflexos negativos no lucro, por mais campanhas que a greenpeace faça para deixarmos de comprar em determinada petrolífera.

A superação do sistema de produção capitalista e a construção do socialismo é a única via política que preconiza indirectamente a preservação do ambiente. Fazer prevalecer a justa distribuição da riqueza e a própria existência da espécie e civilização humanas é indissociável da boa gestão dos recursos naturais, permitindo a racionalização do consumo dos recursos não vivos e permitindo o desenvolvimento do ciclo reprodutivo dos seres vivos. O exemplo já dado noutro post sobre o vegetarianismo e veganismo ilustram bem o quão incapazes de resolver os problemas ambientais são essas correntes inócuas.



O socialismo e a subversão dos métodos de produção capitalistas, a produção sustentada pelas necessidades do Homem em vez da obtenção de lucro, levam gradualmente a um maior respeito pela Natureza enquanto fonte, não do lucro, mas do nosso sustento. O socialismo, além de ser a única forma de organização das sociedades que pode garantir a sustentabilidade do Ser Humano, mostra-se também a única que coloca o bem-estar antes do lucro. Ora, como para o bem-estar se configura como requisito a abundância de recursos naturais e de elementos naturais sem degradação antrópica, o socialismo mostra-se também como a doutrina que coloca o ambiente frente ao lucro.

Lutar pelo Homem e pela sua emancipação é lutar pela sustentabilidade do ambiente.
Lutar pela consciência plena de cada um é lutar contra o poder do capital sobre a ignorância. Organizar a luta pela libertação dos trabalhadores é defender a natureza. Constituir o poder dos trabalhadores é eliminar a relação Capital – Natureza (predatória) e substitui-la pela relação Homem-natureza (simbiótica).

Monday, November 07, 2005

Parlamentarismo, vanguarda legislativa do patronato – Vol II

No volume I desta pequena tese sobre o papel actual do parlamentarismo tentou, de alguma forma, recolocar na mesa e no meu raciocínio uma questão que não é suficientemente abordada, talvez desde o abrandamento da produção teórica do movimento operário e do movimento comunista internacional. Os grandes debates em torno desta matéria tomaram lugar nas Assembleias da Internacional Comunista, promovendo uma fértil troca de ideias entre os diversos representantes dos Partidos que a compunham.

A participação de comunistas no parlamentarismo encerra demasiados riscos e, portanto, a sua ponderação nunca será demasiada. O papel do parlamentarismo sustentado na chamada democracia representativa não é senão o de conciliação entre os interesses das classes. Claro que, do ponto de vista do keynesianismo, isso é o garante da sustentabilidade humanista do sistema capitalista. Não podemos, porém, esquecer que a representatividade partidária, logo de cada classe, pode não reflectir a verdadeira proporção social, económica e demográfica da dimensão de cada classe. O que, aliás, acontece na esmagadora maioria da vezes, já que este sistema é baseado na apresentação de candidaturas partidárias, cada uma movida pela força económica de que dispõe. Claro que essa força pode não ser exclusivamente sua. Por exemplo, um partido operário dispõe exclusivamente do trabalho militante e do contributo financeiro dos seus membros, enquanto que um partido burguês conta com o apoio dos grandes grupos económicos, com as pressões ideológicas do patronato e com o apoio da comunicação social dominante.

A negação do carácter de classe dos partidos burgueses foi apenas mais um ardil do capitalismo, inserido na campanha de camuflagem ideológica que tem sustentado o próprio sistema. A adaptação constante do capitalismo às condições de uma sociedade em evolução acelerada é admirável e o parlamentarismo, bem como as suas ramificações são uma expressão importante dessa adaptação. Facilmente constatamos que o capital apoia diferentes regimes em diferentes partes do globo. Essa é uma questão central.

Porque será o parlamentarismo burguês a vanguarda legislativa do patronato, se em muitos outros países não se verifica esse tipo de organização, não deixando, no entanto, de serem capitalistas ou base de apoio do capitalismo?

O capitalismo caracteriza-se, desde o cálculo do valor salarial até à forma de organização da sociedade, por uma economia de direitos populares notável, por uma absurda mas genial capacidade e vontade de obter lucro a partir do lucro, minimizando o custo do trabalho.

O nível de capacidade organizativa de um povo, principalmente das classes trabalhadoras está ligado às possibilidades de liberdade política desse povo. A tomada de consciência social e política estará ligada ao nível cultural e científico que esse povo adquiriu. O nível de reivindicação e de luta está ligado a ambas as premissas anteriores.

Em países capitalistas ou dominados por esse sistema económico que não se verifica a existência de um regime parlamentar, podem encontrar-se ditaduras militares, ditaduras religiosas, sultanatos, monarquias, oligarquias, regimes presidenciais e outras formas de exercício do poder político que não consistem na suposta conciliação de interesses. Claro que esse tipo de organização se observa essencialmente em países depauperados, com reduzida história revolucionária, com fracos movimentos comunistas ou sindicais de classe, com baixos níveis de escolaridade, cultura e ciência. Existem ainda os países em guerra, motivada essencialmente pela disputa do poder, muitas vezes entre diferentes facções do capitalismo.
Nesses países, o capitalismo com a sua testa de ferro imperial pode efectivamente ir quase tão longe quanto gostaria.

No entanto, o capital necessita também de diferenciar positivamente porções da população, para que exista escoamento do produto que produz a baixo-custo nos países chamados “em vias de desenvolvimento” ou “terceiro mundo”. Esses países, ainda que mantendo uma economia baseada na obtenção do lucro, podem garantir a parte da sua população, um nível de vida bastante superior e satisfatório. Aí entra o papel do parlamentarismo. Um povo mais consciente, mais capaz de se organizar, mais culto, com mais história revolucionária não pode viver muito tempo sob uma ditadura. Cabe então ao capitalismo fazer face a essa exigência popular, quase sempre motivada pela evolução dos movimentos populares e operários progressistas. A resposta é simples: ditadura política e corporativismo disfarçados – parlamentarismo.

Importa aqui clarificar o conceito de ditadura política. Quando ouvimos ou lemos esta palavra somos recorrentemente assaltados pelo conceito de violência humana, física até, repressão e ausência de liberdade de expressão. No entanto, o conceito de ditadura política é mais lato. Claro que um regime em que se verifiquem tais características pode ser apelidado de ditadura, mas o conceito é mais simples: a ditadura política é o exercício de poder de uma porção da humanidade sobre outra. A ditadura pode ser imposta por uma minoria ou por uma maioria. O parlamentarismo disfarça uma ditadura minoritária sobre a maioria. O poder é exercido em função dos interesses de uma minoria que detém o poder económico sobre aqueles que não o detêm. Portanto, exercido pelo capital sobre o trabalho. A pirâmide está invertida. O capital deve servir o desenvolvimento do trabalho, das condições de vida dos trabalhadores e não a concentração e acumulação de riqueza num punhado de entidades invisíveis.

O parlamentarismo garante esta ilusão. A representatividade aparenta ser escolhida livremente. A discussão parlamentar tem lugar e o resultado é democrático. Tudo isto é aceite como verdade indesmentível. A comunicação social não questiona nunca a legitimidade destes sistemas porque serve exactamente os mesmo interesses que eles.

O parlamentarismo é, portanto, uma vitória burguesa. Ainda que constitua um avanço popular face a outras formas de organização que sustentam o capitalismo. É um passo que tem de ser dado, como aliás o prova a própria história. É uma fase da emancipação dos povos e do Homem. É uma cedência do capitalismo. No entanto, o capitalismo aprendeu rapidamente a gerir muito bem essa sua cedência. Aprendeu a adaptá-la aos seus interesses e a servir-se dos satélites oportunistas que orbitam em torno do parlamentarismo. O capital não o combate salvo se os resultados eleitorais construírem, em determinado momento, uma maioria inesperada.

O papel dos comunistas, em cada etapa da História da Humanidade, é o da organização e criação de condições para a luta, promovendo a capacidade de obter vitórias em todas as frentes para o proletariado e derrotas para o capital e a burguesia. É por isso que se coloca, não indiferentemente, a questão da participação no regime parlamentar.

Se, por um lado, o parlamentarismo é um dos pilares de sustento do capitalismo, acabando por decidir sempre em consonância com as orientações do imperialismo; por outro, o parlamentarismo é mais um campo de batalha para alcançar vitórias para o proletariado e seus aliados. Virar as costas a essa batalha seria virá-las, em muitos casos, aos próprios trabalhadores. Assumir esta batalha acarreta o risco de aumentar a confiança popular no falso equilíbrio parlamentar.

Levanta-se ainda um conjunto muito vasto de outros problemas e riscos em torno da participação dos comunistas nos parlamentos.
Para o próximo volume: risco de contribuição para a correcção do capitalismo, risco de desagregação da unidade na acção dos comunistas, risco de promoção do oportunismo, risco de diminuição do alcance revolucionário das propostas comunistas – reformismo.

Sunday, November 06, 2005

Se um dia ouvires dizer...


Se um dia ouvires alguém dizer que ainda morre gente, que ainda vagueam moscas pelas bocas de crianças que transportam nos olhos a sua própria morte por serem tão vivos;

Se um dia ouvires alguém dizer que ainda há homens espancados, amordaçados e torturados e que ainda se apedrejam mulheres enterradas no chão;

Se um qualquer dia ouvires dizer que há quem morra por levantar a face da lama, quem seja acorrentado por fazer o futuro com suas próprias mãos;

Se, por acaso, um dia ouvires que ainda há bombas que esventram países e expõem a carne dos homens, das mulheres e das crianças;

Se ouvires um dia falar-se da fome, das árvores caídas, das águas poluídas, se ouvires falar de morte;

Se ouvires os rugidos dos vulcões como o choro da tua terra, e olhares os oceanos como as lágrimas dos que lutaram;

Se um dia ouvires... desliga a televisão, abre as páginas do teu pensamento.
se ouvires... junta-te a alguém que te tenha falado de quem trabalha e não tem pão.

Friday, October 28, 2005

Modo Pausa II - Preferia não estar

Pois, há boas e más razões para entrar em modo pausa.
Ir para fora em trabalho não é nem boa nem má.
Ir para fora de férias é uma excelente razão para parar um bocadinho.
Mas, Orçamento do Estado!!!!???? Oh, meus amigos!!!
Orçamento do Estado... por todas as razões, uma má razão para entrar e pausa na magnífica produção bárbara deste blog.

Já sei que o Orçamento do Estado para 2006 é mau para toda a gente e certamente dará ainda um post neste blog... a curto prazo esperemos, mas neste exacto momento, é particularmente negativo para os bloggers desta nobre casa por motivos relacionados com o seu grau de envolvimento na política.

Ficam alguns dados:

OE2006 Ensino Superior: aumento do significado das propinas no orçamento total. Serviços de Acção Social Escolar vêem diminuídas as suas verbas, com cortes no investimento que atingem os 62%. Empréstimos à banca para poder estudar passam a ser a nova forma de o Estado entender a Acção Social Escolar, em vez de garantir mais bolsas, mais cantinas e mais residências. Lei de Autonomia consagrada no relatório do OE.

OE2006 Ensino Secundário: não haverá construções de pavilhões gimno-desportivos, nada aponta para investimento em novas escolas durante o próximo ano, escolas provisórias há mais de 20 anos continuam a existir.

OE2006 Desporto: cortes de cerca de 30% para o funcionamento do Instituto do Desporto. Contratos-programa assumidos anteriormente podem estar em risco. Formação de atletas de alta competição e preparação de atletas para muitas das competições internacionais ameaçadas pela falta de verbas. O governo assume que desporto escolar não será uma prioridade. Pior que isso é que, aparentemente, nenhum desporto será prioridade. 4 Planos nacionais na área do Desporto previstos no relatório do OE, nem um previsto no corpo do orçamento.

OE2006 Combate à toxicodependência: as multas continuam a ser aplicadas. considera-se a toxicodependência uma doença, mas os toxicodependentes serão porventura os únicos doentes que, por o serem, pagam multas. Os fundos são praticamente congelados em todas as rubricas. O IDT mantém-se sem autonomia financeira. Não existe reforço da investigação nem formação médica nesta área. Mantêm-se os instrumentos legais que permitem a fuga ao fisco, nomeadamente off-shores, facilitando o branqueamento de capitais.

Depois de terminado o modo pausa II, mais, muito mais para saber do OE2006! fiquem atentos aos próximos episódios.

Wednesday, October 19, 2005

Modo pausa

por motivos alheios à minha vontade, é natural que não apareçam posts novos até sábado...
E logo nesta altura tão fértil em objectos de maledicência... (Orçamento de Estado)

Vemo-nos no fim de semana, até parece que há uma festa gira no Clube Lua.

Wednesday, October 12, 2005

Parlamentarismo, vanguarda legislativa do patronato, vol I


O Parlamentarismo, tal como é hoje verificado em Portugal, é apontado por muitos como o resultado final da construção de uma democracia. Ainda hoje, em plena Assembleia da República, um deputado do PS disse que Portugal era uma Democracia consolidada.

O Parlamento, para os senhores representantes do neo-liberalismo, deputados do PS e do PSD, é isso mesmo, a forma final da democracia, a mais conveniente, a da ditadura do mercado e do capital sobre o trabalho. Isto não significa que não careça de pequenos ajustes legais e que as forças da direita não tentem ainda democratizar ainda mais a democracia portuguesa. A proposta de eleição por círculos uninominais é só mais uma dessas intenções. Mas elas estão por todo o lado, não só nas leis. A própria forma de fazer política, o papel da comunicação social e o fomento da bipolarização. É de vital importância para o Capital que exista a ilusão de que existe alternativa e disputa democrática, mas é também vital que essa falsa alternativa esteja sob controlo directo dos interesses do lucro.

Exemplos vários de ditas democracias salpicam o Velho Continente e atingem o expoente máximo na democracia norte-americana, típica ditadura capitalista e potência imperialista. Vejamos:

1. A manutenção do regime capitalista e seu desenvolvimento imperialista depende, cada vez mais, da sua capacidade de manter as populações arredadas do exercício do poder. As populações são afastadas do poder por via do afastamento da cultura, da educação, da saúde, do trabalho estável, etc. Tudo o que é passível de aproximar a população do poder político é concentrado nas mãos de quem já detém poder político, os mesmos que detêm o poder económico.
2. O afastamento das populações da esfera do poder passa pela representatividade e pelo seu desenfreado culto, como se fosse etapa última da democracia. A garantia de que existirá sempre quem exerça por nós o poder político, aparenta acalmar os ânimos de milhões de eleitores por todo o mundo. Para o capital, resta agora controlar as candidaturas, as eleições e os Partidos. Tarefa fácil. Criar dois grandes partidos que têm exactamente a mesma prática política, mas que esgrimem ardentemente argumentos contrários é o apanágio da monumental inteligência do capital e do seu regime.
3. Existem, actualmente, duas grandes doutrinas políticas, duas ideologias. Capitalismo e Socialismo. São estas, inevitavelmente as duas vias para a organização social e política das sociedades e dos seus mercados. A existência em diversos países de dois grandes partidos que partilham alternadamente o poder aplicando exactamente a mesma visão ideológica que o anterior é prova de que acima destes partidos existe uma orientação económica que condiciona a sua acção política.

As democracias parlamentares são a vanguarda dos interesses económicos. Ou melhor, os parlamentos e câmaras semelhantes são a vanguarda dos interesses económicos e são a sua mais visível face política. Essencialmente, os governos submissos ao capital vêem as suas posições e medidas ratificadas nos parlamentos, sob a capa de pluralistas câmaras representativas.

As forças maioritárias, que o são por serem aquelas em que existe forte aposta das forças capitalistas, são representadas nos parlamentos por deputados ao serviço de si próprios, servindo assim, da melhor maneira possível o capitalismo e os interesses económicos. O individualismo, egocentrismo, o carreirismo, a ambição são os melhores parceiros das orientações capitalistas e abundam nas câmaras nobres dos parlamentos por todo o mundo.

Desde a Campanha eleitoral ao próprio acto legislativo, o parlamentarismo representativo é a casa da demagogia. Manter o descontentamento popular controlado é a sua essencial missão, o seu desígnio sagrado e intocável. Para garantir essa missão, rapidamente uma democracia desta génese se torna na mais feroz e autoritária das ditaduras, e não vacila ao recorrer aos métodos fascistas de dissuasão.

O grande risco da participação dos socialistas[1] no parlamentarismo burguês é exactamente o de poder contribuir para a consolidação do seu papel reaccionário. As massas trabalhadoras não podem ganhar confiança no papel deste tipo de parlamentarismo e para tal é fundamental o comportamento do seu partido. Jamais poderá ser dado a entender que o Parlamentarismo burguês pode resolver os problemas essenciais dos trabalhadores e dos povos, ou seja, os problemas essenciais das sociedades contemporâneas. O parlamentarismo como o conhecemos, a democracia representativa por candidaturas promovidas com intervenção directa do capital é apenas a via organizacional que serve, no presente momento, os interesses do capital, conjugando-os com a satisfação mínima dos anseios dos segmentos influentes das sociedades.

O parlamentarismo burguês é a expressão política dos interesses económicos na conjuntura actual em determinados países. Onde a ditadura ainda é possível, sem recurso a candidaturas ou todas essas fantochadas das pseudo-democracias, o capital apoia-as. Veja-se o vasto conjunto de ditaduras ou regimes ditatoriais que ainda hoje povoam o mundo e que merecem dos Estados Unidos, da NATO e das outras potências militares os maiores dos apoios. O que deixa imediatamente de ser uma democracia é a aproximação do povo ao poder. Isso não é tolerável perante as modernas concepções de democracia, advogadas pelo neo-liberalismo. Tudo o que não garanta a submissão total às vontades imperialistas dos senhores do mundo é considerado imediatamente um inimigo a abater, ainda que baseado no parlamentarismo.

As Assembleias legislativas burguesas legislam na senda do interesse a que estão submissas. As proporções são controladas pelas TVs, pelos jornais, pela ignorância e pela sua ampla disseminação. A submissão do poder político ao poder económico é condição essencial para o funcionamento de uma Assembleia com estas características. Se existirem razões para pensar que determinado parlamento passa a representar, em dado momento, os interesses populares, rapidamente uma intervenção militar ou diplomática estrangeira pode desestabilizar ou mesmo fazer ruir tão digna construção.

Sempre que o capital precisa de uma lei, pode contar com a sua Assembleia da República.

Os Exemplos são vários, não perca “Parlamentarismo, vanguarda legislativa do patronato, vol II”


[1] Socialistas – Marxistas. Não confundir com Partido Socialista, neo-liberal, anti-socialista.

Monday, October 10, 2005

O circo chegou à cidade!

Por todos os jornais e TV´s o PSD é o grande vencedor destas eleições autárquicas. O PS descarta os seus maus resultados, sacudindo a água do capote, com um discurso claramente orientado a nível nacional. Todos os seus candidatos derrotados assumem pessoalmente as derrotas e as responsabilidades pelos resultados negativos. Com a excepção do mítico Catarino Costa de Setúbal que obteve a pior votação no Partido Socialista e que culpa o governo pelos suas míseras duas dezenas de pontos percentuais. O PS escapa assim à fulminante derrota eleitoral que obteve por todo o país. Catarino Costa mantém a sua aura de egocêntrico ignorante.

Não deixa de ser curioso observar o comportamento do PS neste episódio eleitoral e, principalmente, compará-lo com o comportamento do PS quando Guterres era Primeiro-Ministro.

1. Na altura, o PS demite-se do poder executivo por considerar os resultados autárquicos demasiadamente punitivos, numa transposição política que não pode ser linear. O PS entregou o país de mão beijada aos seus amigos do PSD, a Durão Barroso, ao outro ordinário da Figueira da Foz e àquele pequenote hitleriano/salazarento/bolorento que se eclipsou depois das últimas legislativas. Ou seja, em 2001, o Partido Socialista entende que não estão reunidas as condições de confiança popular, por via dos resultados autárquicos e demite-se.

2. Nas autárquicas de 2005, o Partido Socialista sofre derrotas ainda de maior envergadura, vê desgastado o seu eleitorado e perde Câmaras para a CDU e para o PSD por todo o país, bem como vê algumas das suas maiorias a serem fragilizadas por perdas significativas de posições.
Mas, espantemo-nos nós e outros desprevenidos! Desta feita o PS não só não retira conclusões nacionais dos resultados autárquicos, como considera um disparate fazê-lo e afirma com todas as letras que o governo está capaz de manter a coesão e a capacidade governativas... Vá-se lá perceber estes xuxas.


Uma outra importante conclusão se retira destas autárquicas: só uma força é verdadeiramente surpresa pela positiva, só uma força apresentou uma inversão positiva de resultados. Vejamos, o PS continua a sua curva descendente, perdendo eleitorado e Câmaras Municipais. O PSD mantém-se numa curva ascendente, fruto da repetição de uma conjuntura que lhe é favorável e, essencialmente, capitalizando o descrédito que o PS angariou. A mentira do PS, a falta de ética e espinha dorsal, beneficiou o PSD, sem dúvida. O CDS desapareceu do mapa. O Bloco de Esquerda engoliu a sua presunção e reduziu-se à sua verdadeira dimensão, a da insignificância.
Resta ponderar os resultados da coligação dos comunistas e Verdes, a CDU. Esta coligação conquista 7 Câmaras ao PS, incluindo Peniche onde nunca havia sido poder. Salda-se num crescimento positivo de 4 Câmaras, por ter perdido três (Alcácer do Sal, Redondo e Estremoz).
No entanto, a CDU reconquista o Barreiro, Sesimbra, Alcochete, Marinha Grande, Barrancos e Vidigueira, mostrando que as populações que já experimentaram a gestão CDU não suportam a gestão desastrosa, enganosa e leviana do PS.

A CDU foi a única força que inverteu o rumo negativo que vinha sentindo desde 1989. Mas isto para os senhores jornalistas não é nada. Claro que bastaria ter tido um saldo negativo de uma Câmara para que páginas de jornais se enchessem vaticinando de novo a morte dos comunistas.

Assim se vê...

Os comunistas aí estão. A crescer, como papoilas num deserto de ideias. Os comunistas reforçam-se nas lutas do povo. Veja-se Sesimbra, Marinha Grande, claros exemplos de lutas populares recentes. Os comunistas lá estiveram lado a lado com as populações. E elas souberam reconhecer isso, souberam reconhecer aqueles que não traem.

post scriptum: os partidos que albergaram e promoveram as candidauras dos agora "independentes" tentam afastar-se desses candidatos, mas a história não esquece quem os criou, quem lhes deu as vitórias. O povo sem esgotos, sem saneamento, sem água e sem luz, sem livros, sem bibliotecas e sem alimento para o espírito está condenado a ser manipulado por essas figuras maiores da deplorável demagogia, enquanto não decidir questionar. Um dia o fará. Nesse dia, tanto os senhores criminosos terão de abandonar a política, como PS e PSD chamarão a Portugal uma ditadura. Será realmente uma nova ditadura, ditadura da liberdade sobre a ignorância, da cultura sobre a brutalidade, da criação sobre a massificação. Portugal novo, ressuscitado, no cumprimento de Abril e de quantas revoluções forem necessárias ainda fazer.

Saturday, October 08, 2005

alguém tem de inventar um prémio para isto...


Opá, um gajo distribui pelas caixas do correio do pessoal a sua bela venta acompanhada de um bonito chouriço. Camapanha eleitoral autárquica 2005, obrigado.

Opá, o gajo distribuiu chouriços!!! Bárbaro quanto baste! E proibido... a lei não permite a distribuição de géneros alimentares em campanhas eleitorais. Começa bem este.

Thursday, September 29, 2005

Quem humilha quem?

Prestes a ir almoçar, decido vir dar de comer ao meu blog.
Pena que a minha capacidade de análise sobre o mundo real esteja neste momento tão reduzida, que pouco fica além da raiva, de alguma ira até.

É vê-los no plenário da Assembleia da República a fazerem de tudo para nos enganar... Novamente a Interrupção Voluntária da Gravidez. Desta feita, o PS até alterou as regras de funcionamento da Assembleia da República para voltar à carga com o disparatado projecto de referendo.

1. Será que o aborto é matéria referendável? Exactamente por ser uma questão eminentemente ética, julgo que não. Claro que essencialmente é um assunto que se prende com a saúde pública e, como tal, deve ser resolvido com toda a seriedade pelos políticos que foram eleitos para dar resposta aos diversos problemas, dos políticos e económicos aos sociais.
O aborto não é um tema referendável. Imaginameos um país em que 99% da população é contra o aborto. Isso não retira ainda assim a legitimidade aos outros 1% para serem a favor. E sendo que se trata de uma questão que também se coloca no plano ético, não se aplica linearmente a vontade da maioria. Trata-se de garantir que, não importa quantas, as mulheres possam ser tratadas com dignidade na sua própria terra, sem necessitarem ser ricas, quando tomam uma das decisões mais difíceis das suas vidas. A ética não pode sobrepor-se às reais e diversas condições e necessidades da população. Além disso, ninguém tem a liberdade de impor os seus valores morais a outra pessoa.

2. A despenalização do aborto devia ter sido há muito levada a cabo na Assembleia da República. Mas desde sempre, o PS tem feito o jogo da direita. O PS é um partido extremamente comprometido, impregnado de lobbys e extremamente contaminado por ideais religiosos. O PS, no entanto, não pode escamotear um problema com a dimensão social como o aborto clandestino. Está na corda bamba. O PS não quer assumir, falta-lhe a coragem política, a responsabilidade pela despenalização da IVG. Convocando um referendo, liberta-se dessa responsabilidade.

3. O bloco de esquerda, novato partido velho, entra agora também em cena pelo referendo. Na verdade, este partido está-se borrifando para o resultado do referendo. No entanto, ninguém negará que um referendo ao aborto será terreno fértil para os protagonismos do Bloco de Esquerda. Eles que, há tão pouco tempo que entraram na Assembleia da República e são vistos como os grandes defensores das mulheres pela comunicação social dominante. Claro, o PCP, que desde sempre tem defendido a despenalização da IVG não tem páginas nos jornais.
Mas vejamos: para o bloco, pouco importando o resultado do referendo, a própria convocação de um, e particularmente o período de campanha que será dinamizado em torno do referendo são tudo quanto o bloco precisa para aparecer como o paladino da despenalização. Aliás, assim tem sido ao longo do tempo. Tempo de antena vale milhões na política. Resolver esta matéria na Assembleia da República seria alinhar pelo diapasão decrépito dos marxistas-leninistas e não traria protagonismos a ninguém... ora com isso não se compadece o grandioso e juvenil berloque.

4. Para quando resolver este problema? O partido socialista tem um discurso progressista. Afirma-se pela alteração da lei, mas diz que assumiu um compromisso com a população portuguesa no seu programa eleitoral. Temos pena que seja este o único compromisso que esteja tão empenhado em cumprir. O não-aumento de impostos, a criação de 150 000 postos de trabalho, o investimento na educação e acção social escolar, o investimento em desenvolvimento e investigação, enfim, todos esses compromissos que, juntos acabariam por definir o nível de vida da população portuguesa foram para o lixo em 6 meses. Logo este famigerado compromisso que mais é falta de coragem para assumir um compromisso é o único que este governo continua a assumir, quando poderia resolver o problema sem malabarismos.

5. Brademos aos céus! o berloque diz que se não for desta que há referendo, a Assembleia da República deve legislar!!! Então? em que ficamos? pena que tenham demorado 6 meses, dois referendos falhados, quatro intervenções de cada partido por duas vezes, centenas de mulheres humilhadas pelo aborto clandestino e 2 mulheres julgadas para perceberem isso.

Monday, September 12, 2005

Lixo, falsidade, americanização

Com um forte contributo de um partido que se diz de esquerda, e uma ajudinha de um grupelho social-democrata, a forma de fazer política vai-se degradando a ritmo acelerado nesta nossa terrinha.

Já as últimas eleições legislativas foram levadas a cabo num ambiente de total desprezo pelos eleitores. Encenações de mau gosto, debates com semáforos à boa maneira americana, cartazes de mensagens vãs e caras com sorrisos amarelos.

O semáforo, não sei o que terá trazido de novo, àparte claro uma luz vermelha para Portugal, agora parado à espera que passe o comboio do desenvolvimento, para depois seguir o seu triste caminho de degradação, rumo ao monte de esterco deixado pela política espectáculo.

Os slogans já não dizem nada, a cara mais bonita vence eleições. Já que a política é igual, distinguem-se as duas maiores forças partidárias pelas caras que melhor ficam em cartaz do tamanho do mundo. A televisão lá vai garantindo que só duas candidaturas existem para tudo. Duas para primeiro-ministro, duas para as autárquicas, duas para as Presidenciais. À partida, não existe qualquer igualdade de tratamento das candidaturas. Há os dois que podem ganhar eleições e os outros...

Realmente não sei como papamos tudo isto sem questionar. Ou talvez questionemos... Talvez seja por isso que quase metade da população se abstém. Muitos são já os que se negam a participar em tal palhaçada montada pela tv e pelos dois mais votados partidos. Depois há ainda os outros, os da política espectáculo de esquerda. Os que não tendo com quem contar, contam com a sua própria ridicularidade para irem angariando uns votos ali na linha de Sintra.

Serve o presente post, essencialmente, para alertar para o facto de que a bipolarização pártidária se acentua com particular responsabilidade da Comunicação Social. Esquecemos o que foram os tempos do Cavaco? A porrada sobre as manifestações, o défice orçamental de oito por cento, a prepotência total, a diminuição absurda do nível de vida, a destruição do aparelho produtivo, os atentados contra os direitos dos trabalhadores? Esquecemos isso?

A Comunicação Social faz por esquecer e mostra-nos agora esse esqueleto fossilizado do Aníbal como um salvador da pátria, um douto e reconhecido entendido em matéria financeira e económica. Esquecemos que o próprio povo português optou por o mandar embora, rejeitando democraticamente a sua infeliz linhagem política. Esse fóssil da política foi derrotado. Por mais que tentem branquear o passado.

Não há forma de apagar os dias difíceis dos portugueses que foram passados, mercê das políticas desse senhor enquanto foi primeiro-ministro.

Estamos perante uma magnífica operação de propaganda. A comunicação social dominante, tudo faz para engrandecer a figura do Aníbal. Recorrentemente coloca à esquerda a pergunta "quando desistirá o seu candidato para apoiar Mário Soares?". Esta pergunta contém em si uma sobrevalorização do Aníbal. Parece que existe um titã de direita que os pequenitos da esquerda têm de derrotar, desistindo das suas candidaturas.
Um titã? Um dos homens mais odiados pelo povo na área política...

Porque não perguntam a Mário Soares se está disponível para desistir da sua candidatura em favor de Jerónimo de Sousa? Tudo está decidido nas cabecinhas da Comunicação Social. Aposta: fazer vencer a direita, atentar contra o regime democrático.

Friday, September 09, 2005

Presidencial Vergonha

Eis que nós, portugueses voltamos a dar provas de que merecemos os epítetos de povo sofredor.
A nossa sina, antes que alguma manhã de nevoeiro nos traga uma surpresa esperada há muito, será fustigada por vendavais de toda a ordem.

Eis que somos novamente postos à prova pelo Concílio dos Deuses. Marte não descansa o seu insaciável ódio ao nosso mártir povo. Pena que não venham hoje sereias, nem alcancemos ilhas de amor, para mitigar tão triste fado.

Mas tal castigo persegue-nos há muito. Por Júpiter!
Que nos reservará ainda o destino? Que fadigas e tormentas teremos ainda de dobrar antes do nascimento do nosso longínquo quinto império?

Nos entretantos, muitos vão reclamando a armadura sebastiânica. São figuras que já deviam viver nos antigos livros, remetidos aos negros capítulos da História sofrida a que, na verdade, pertencem.

Ah... trágicas estórias as da nossa Ocidental Praia Lusitana! Valha-nos um qualquer Deus menos fatídico, nem que seja um daqueles pequenos, menos famosos... ou mesmo um semi-deus que nos acuda. Se não há Neptuno, nem Júpiter, se nem Marte nos acode e se Vénus anda ocupada a tentar lembrar o amor a quem o esqueceu, contantavamo-nos agora com a ajuda de Baco, ou mesmo Dionísio mais arcaico, caso Baco esteja ocupado. (À falta deles, enviem-nos ao menos umas bacantes que nos dilacerem a carne e o sofrimento.)

Mas porquê, esta trágica invocação do Concílio há muito extinto, como todos sabemos, para ser substituído, curiosamente, num Concílio?

É simples. Não bastava sermos o país que orgulhosamente ocupa os primeiros lugares de tudo quanto é negativo e o último de tudo quanto é positivo no seio da União Europeia? Não, não bastava... Não basta também sermos um país corroído pela corrupção em larga escala, um país de cruzamentos promíscuos de interesses, um país de muitos pobres e poucos ricos. Nada disso basta. Não basta já vivermos a empobrecer enquanto trabalhamos, não basta ainda viver à míngua para comprar o pão e pôr a comida na mesa para os miúdos. Não, nada disso é ainda suficiente para que paguemos o pecado de sermos Portugueses. Há-que fazer jus à nossa sina.

Enquanto esperamos a manhã submersa em nevoeiro, outros há que vão fazendo fumo.
Capas de revista, de jornais, doutores da sapiência divina e paladinos da razão que já mais ninguém tem. São eles quem agora, a juntar a tudo, nos vem lembrar que estamos podres por dentro. Que não há decência contemporânea e outro remédio não nos resta senão o de remexer nos baús bolorentos do sótão político empoeirado.

Venham eles, que não estão cansados de governar o nosso país. Venham eles que já ninguém lembra. Aqueles que, à espreita, nunca deixaram de querer ser a nossa consciência. E nós, perdoai-nos Júpiter, Marte, Baco, Vénus, Neptuno... Devolvei-nos a memória e o discernimento que em má-hora no-los levastes. Não digo que não os tenhamos, mas tão apagados que estão, oh Deuses!

Venham eles de novo, em armaduras plásticas brilhantes e nevoeiros fingidos. Guerreiros contra a senescência e a idade, que talvez não mereçamos mais nem melhor.

Venham que o povo saberá, a seu tempo, pedir-vos as contas que lhe devem.
As soluções estão à vista. Contrariar os Deuses e seu concílio nunca foi fácil, e certamente, pagaremos caro por o fazer novamente. Mas a História do nosso país tem ainda muito que escrever. Em boa hora saberemos virar o rumo da nossa barca, contra soares, cavacos e outros parasitas arcaico-modernos, rumo a um futuro de vitórias. Um futuro a que não tenhamos vontade de chamar império, porque nele não subjugaremos ninguém.

Razão suba ao concílio extinto do Olympo, ou aos céus do Senhor pois o destino a que nos sujeitam em breve será ruína. Sobre a ruína, edificaremos um Portugal independente de vossos estigmas e ditames. Independente de vossos famigerados querubins, musas ou semi-deuses.

Não há deus que nos amarre para sempre, há vida para além de Soares e Cavaco. Há povo para além das ilustres casas e palácios. Há economia para além das grandes corporações. Há política para além do PS e PSD. Há política nas nossas mãos. Há Partido Comunista!


Deixo o post histórico-científico para o mamutemorto para ele dar uso ao que anda a estudar.

Wednesday, September 07, 2005

Tempo mau para lirismos

Eu bem sei: só o feliz
É que agrada.
Gosta-se de ouvir
A sua voz.
A sua face é bela.
A árvore aleijada no pátio
Mostra que o terreno é mau, mas
Os que passam chamam-lhe aleijada
Com razão
Os barcos verdes e as velas alegres do Sund
Não as vejo.
De tudo
Só vejo a rede rasgada dos pescadores
Porque é que eu só falo da lavradeira
De quarenta anos que anda toda torcida?
Os peitos das moças
São quentes como dantes
Na minha mão uma rima
Parecer-me-ia insolência
Dentro de mim lutam
O entusiasmo pela macieira em flor
E o horror dos discursos do pintor de tabuletas
Mas só o segundo
Me força a sentar-me à mesa.


Bertolt Brecht

Thursday, September 01, 2005

A caverna invertida do idealismo

Ontem fui ao teatro aqui em Setúbal, no INATEL.
Assistir a uma peça levada a cena no âmbito do Festival de Setúbal, pelo Fonte-Nova Teatro Estúdio.

Gostei da peça, gostei do texto, gostei dos dois actores que, impecavelmente, deram vida a duas personagens de loucura.

No entanto, aquela peça deixou-me a pensar. Não conheço o dramaturgo, nem tenho certeza quanto à ideia central do texto. De qualquer das formas... Um intelectual profundamente desenraizado da realidade, marcadamente idealista, teimava em comprovar a tese de que o Homem que é escravo da vida, não poderá nunca deixar de o ser. O seu companheiro de quarto, um operário da construção civil, operador de martelo pneumático há três anos consecutivos, é aquilo a que comummente chamamos um idiota.

A ideia do intelectual era provar que o operário era um escravo da sua própria vontade, da vontade de arrecadar mais dinheiro. Para o intelectual, o sistema não desempenhava um papel. O capitalismo teria escravos por vontade própria de cada um, não podendo escravizar aqueles que não se seduzem pelo incremento da sua riqueza. O operário, por seu lado, nem sequer entendia muito bem o conceito de liberdade. Não compreendia como podia ele ser escravo da sua própria vontade.

O intelectual queria escrever um livro em que publicaria a mais absurda tese do mundo: os escravos sê-lo-ão para sempre, por sua própria vontade. O operário queria ganhar mais dinheiro e por isso trabalhava 12 horas por dia agarrado a um martelo pneumático, como um animal de carga, sem pensar, sem questionar. Ambos assumiam que viviam numa democracia. O intelectual era livre porque estava acima, como que num pódio, donde podia avistar os operários escravos lá em baixo, em carreiros como formigas.

A determinada altura, o operário, numa crise de fúria, rasga todo o seu dinheiro. O intelectual despedaça a sua tese. Para ele, o operário não podia ter feito aquilo. Para ele, o operário libertou-se da escravidão naquele exacto momento. Isso destruiu-lhe todo o raciocínio que edificara ao longo daqueles tempos.

O idealismo abundava em ambas as personagens, mas a tese foi rasgada. Ambos não eram mais que um delírio, as suas próprias sombras na parede da caverna. A vida, lá fora, continuava. O operário não deixou, obviamente de o ser. O intelectual chorou noite fora.

post scriptum: operário - ser humano que intervém directamente no processo de transformação da matéria prima, é o proletário que opera maquinaria, produzindo directamente mais-valia para um patrão.
proletário: o ser humano que não detém qualquer outra fonte de rendimento para além da venda da sua força de trabalho, a troco da exploração da mais-valia que, directa ou indirectamente, produz.
escravo: ser humano que é propriedade de um senhor de terras, a sua subsistência é-lhe garantida, pois disso depende a qualidade do seu trabalho. O escravo não é livre, não recebe salário.

post post scriptum: como é fácil perceber, existe uma diferença abissal entre escravo e operário, eliminá-la é entrar na esfera da pura metafísica. O escravo tem garantida a sua existência, enquanto que o proletário e o operário têm-na dependente da oferta de trabalho. Regra geral, tanto a um quanto a outros é atribuído o mínimo necessário para a subsistência biológica, um sobre a forma de géneros, outros em salário. O escravo não é dono de si, constitui propriedade de outrém. O operário não é propriedade de ninguém. Não queremos, com isto, dizer que a vida do escravo é melhor que a de um operário. Mas, socialmente vendo, a classe dos escravos teria uma garantia de vida, enquanto o operariado não a tem. O operariado pode ser vagueante e alternante, enquanto que os escravos não. O patronato pode bem dispensar um operário, pode contratar outro imediatamente de seguida por menor salário. O senhor de terras não tinha qualquer interesse em mandar embora um escravo, seria dinheiro perdido, pois teria de comprar outro. Enquanto que os senhores de terras teriam conveniência no bem-estar dos escravos, na sua saúde e na manutenção do seu valor, o patronato actual, utiliza o operariado e o proletariado, no geral, como um "escravo" de aluguer.

Tuesday, August 30, 2005

Homenagem ao mamute morto

O mamute, mais que não seja porque está morto, merece uma homenagem. O seu compromisso com a causa da Humanidade e com a transformação da Sociedade, de forma tão séria, tão enraizada no mais profundo sentimento e convicção, leva-o a assumir uma prioridade total.
A prioridade total da transformação social, esquecendo-se muitas vezes a si mesmo, como tantos outros milhares de comunistas apaixonados pela luta, pelos seus saltos e retrocessos, pelas suas conquistas, pelas suas dificuldades.

A prioridade que o mamute, embora morto, dedica com todas as suas forças a esse compromisso, faz com que o mamute tenha uma interpretação muito lúcida e racional, característica aliás, própria do mamute e outros paquidermes ancestrais. Claro que não quero com este post vir contrariar as teses do mamute, com as quais, no essencial, estou de acordo.

Concordo com o mamute na sua tese sobre o vegetarianismo, veganismo e outros ismos que, em nome da salvação do planeta, o ajudam a destruir. Como já foi referido, a produção desenfreada de soja, geneticamente manipulada ou não, é o principal responsável pela desmatação da Amazónia e, consequentemente, pela vida de sofrimento de milhares de pessoas das comunidades indígenas. Hoje, é comum o suicídio colectivo adolescente entre as tribos da amazónia afectadas pela desmatação. As empresas, visando exclusivamente lucrar, indemnizam as tribos e as comunidades desalojadas por quantias próxima da dezena de cêntimos por mês. Centenas de adolescentes indígenas suicidam-se. Centenas de adultos indígenas, de tribos em extinção, estão submetidos ao alcoolismo e ao trabalho explorado para essas empresas. O álcool foi um instrumento dessas próprias empresas para controlar as populações. E a soja, continua, em pacotes de leite, em granulado, em seitã ou tofu, a ser amiga dos amigos do ambiente, dos animais.

Não será demais dizer que a principal causa de extinção de espécies endémicas da amazónia é a destruição do habitat, ou seja, a desmatação.

Produzimos duas vezes mais do que precisamos, à escala mundial, para comer. Mesmo assim, mais de metade da população do nosso planeta não tem acesso a alimentação saudável. O que os países ditos desenvolvidos jogam fora num mês, chegaria para anos de vida num país da África sub-sahariana, ou do Corno de África.

Há realmente muita coisa por explicar... o capitalismo mostra a cada dia que, além de não resolver os problemas essenciais da Humanidade, tem vindo a agravá-los. Hoje morrem milhares de crianças, diariamente... vítimas da fome!!! A água canalizada é um bem de luxo em muitos locais do nosso globo. O acesso aos avanços da saúde e da tecnologia esstá limitado a quem os possa pagar.

De qualquer das formas, queria escrever a tal homenagem ao mamute.

Quando ouço um puto mimado dizer-me que é vegan porque é contra a forma como matam os animais, contra a forma como os criam, contra o tratamento hormonal que lhes dão, contra a dominância do ser humano sobre outros animais, etc. isso não me faz assim muita confusão. Agora... quando me vêem azucrinar com o veganismo como forma revolucionária de transformar o planeta e a sociedade, e dizer que "ah e tal, se todos fossemos vegans, o mundo era maravilhoso" e quando me vêm dizer que não comem animais porque querem acabar com a forma como são produzidos os produtos animais... e pergunto-lhes: e porque é que são assim tratados os animais? E respondem-me: porque as pessoas os comem. Até me passo!!!

Porra, então e o capitalismo? já ouviste falar? nunca te passou pela cabeça que os animais são assim tratados porque ao capitalismo o que interessa é o lucro? nunca te passou pela cabeça que a soja que comes é também fruto desse mesmo sistema capitalista, plantada, colhida e tratada por crianças nos campos desmatados da antiga amazónia? Não percebes que, mesmo que fossemos todos vegan, enquanto o capitalismo persistir como forma de economia dominante não há alimentação que nos valha? porque nunca te questionaste? Já pensaste o que seria se todos comessemos erva? Seria exactamente a mesma coisa, animais morreriam, extinções verificar-se-iam a um ritmo muito mais acelerado do que hoje. A desmatação das florestas acentuar-se-ia e onde um dia houvera árvores e arbustos, teríamos a soja. E laboratórios por todo o mundo vender-te-iam as leveduras de cerveja e a L-carnitina extraída de animais entubados, já que as plantas não a possuem em quantidade suficiente para ser rentável comercializar. O sistema capitalista tudo fará para lucrar com a alternativa vegan. Aliás, já o faz.

Realmente, come o que e como quiseres, se te chateia comer animais, óptimo, não os comas. Mas por favor, não me venhas encher com a treta da transformação da sociedade quando tratarmos bem as vacas.

Wednesday, August 24, 2005

Shoa? Sionismo, invasão e exploração.


Já passam mais de 50 anos sobre as primeiras mortes às mãos do nazismo. Shoa é a escrita latina para uma palavra hebraica que significa "calamidade". É utilizada em substituição de "Holocausto".

Utilizarei "Shoa" exactamente porque aqueles que mais esquecem a calamidade, são aqueles que a ela mais expostos foram.

São exactamente os membros do povo que utiliza essa palavra. "Holocausto" é a forma mais comum de nos referirmos a essa bárbara calamidade que assolou o Ser Humano na Europa, pelas próprias mãos do poder que ele acabou por desenhar. "Holos" em grego significa "total", como "Kaustos" significa queimado, queimada. Holocausto seria a queimada total. Não estará deslocado da realidade... infelizmente.

Mas mais que holocausto, que é uma palavra mais utilizada pelos não-judeus, importa relembrar Shoa nestes tempos. Os revisionistas históricos, nacionais-socialistas e outros fascistas negam a existência do Holocausto por óbvios motivos de interesse político. O que não é tolerável é que o povo judeu esqueça o Shoa. Não pode esquecer. Na verdade também não esqueceu. Sempre que lhe convém utiliza a sua evocação para se martirizar, para relembrar o quão sofredor foi.

E ninguém negará a desgraça que, por várias vezes na história, se abateu sobre esse povo. Nem ninguém, no seu estado normal, poderá tentar apagar o que aconteceu em meados do século XX. Milhões de crianças, mulheres e homens judeus pereceram sob o jugo do império da águia e da suástica. Milhares e milhares de muitos outros homens, membros de outros povos, comunistas, ciganos também lá ficaram, por aqueles infames campos de concentração, por aquelas ruas, mortos a tiro pelas costas ou torturados até à morte.



Quem sofreu com esta tragédia, calamidade foi a Humanidade. Claro que, pelo significado e peso económico e populacional que o povo judeu representava na Alemanha até 1942, o genocídio em massa a que foi sujeito é motivo para profunda reflexão colectiva, para homenagem e evocação.

O Shoa não pode ser um mero instrumento de martirização de um povo. Não pode ser a justificação do sionismo de extrema-direita nem das suas acções e atropelos aos mais básicos direitos humanos.

Após a fixação do Estado de Israel no médio-oriente, este Estado tudo tem feito para expandir o seu território e a exploração dos recursos naturais de um outro estado que, por acaso, também ali existe - o Estado Palestiniano. É aqui que entra o esquecimento do Shoa.

Como pode um estado de um povo que passou pelo mais hediondo e obscuro episódio da história contemporânea, levar agora a cabo, em nome das suas sagradas escrituras, com o incondicional apoio dos Estados Unidos da América e a complacência e passividade da União Europeia, a mais selvagem campanha contra o povo palestiniano? Esses terroristas...

Como pode o Estado sionista de Israel esquecer o Shoa nestes tempos? Como pode agora desenvolver a mais selvagem campanha de ocupação tortura, morte e privação de saúde, educação e habitação? Espalhar colonatos, check points e implantar-se militarmente com toda a força em território de outro povo? É o desígnio que lhes foi atribuído pelo seu Deus? É vir semear a vingança de todos os martírios a que foi sujeito, mas desta feita ao povo palestiniano que, será, certamente, reencarnação conjunta de egípcios e nazis?

Também aqui a religião é pretexto perfeito para chamar terroristas a uns e mártires a outros. Serve de cobertura perfeita para o avanço dos interesses do capital israelita e internacional. A questão não é religiosa. Deus não se quer meter nas guerras dos Homens, por mais que o queiram cá enfiar à força. E, quando bem vistas as coisas, deus é o pretexto.

Como pode hoje Israel ocupar ilegalmente e ao arrepio dos acordos internacionais um estado, massacrar diariamente um povo inteiro e sair mais que impune nos meios da Comunicação Social Dominante. Como se sentiriam os judeus de 1942 se o nazismo lhes tivesse montado barreiras militares à porta de suas casas? se lhes tivessem retirado todos os direitos, incluindo a sua própria dignidade? Custa a crer... mas isso passou-se. E agora, de novo se passa, pelas mãos do torturado, nasceu um novo carrasco.

Por grandes áreas da Palestina abundam colonatos, cidades erguidas em território palestiniano, donde um palestiniano não pode sequer aproximar-se. Em diversos pontos estratégicos o exército israelita montou os seus famosos Check-points, onde passa arbitrariamente apenas quem o soldado de serviço quiser. Se acaso um dia está de mau humor, calha e dá um tiro na nuca do pobre estudante palestiniano a caminho da sua escola. A humilhação e a destruição da pátria palestiniana é constante, diária. O terror sionista espalhou-se por toda a Palestina. E nós por cá? Que vemos disso? Muros gigantes levantam-se na Palestina para controlar as movimentações da população à vontade indiscriminada de Israel. As águas palestinianas, recurso finito e indispensável à vida da população, são exploradas por Israel num controlo claramente abusivo dos recursos da região.

E ainda temos que assistir, incrédulos, à suposta retirada dos colonos da faixa de Gaza. Mas ninguém é capaz de dizer na TV que um colono é um ocupante. É um Judeu que exerce sobre outros o terror que outrora infligiram a seus pais. É imperdoável. Colono...? porque não terrorista, invasor? Ambas as palavras se aplicariam bem melhor que "colono".
Um estado que fomenta a colonização de outro, através de fortes meios militares não pode chamar ninguém de terrorista.

Mataram-lhes os pais, os avós, destruiram-lhes casas, escolas e hospitais (tudo à revelia da nossa TV), violaram-lhes a mãe e a irmã, mataram-lhe o irmão a caminho da escola... Eles pegaram em pedras e marcharam contra os canhões... Quem é o terrorista?

Deus não deixou escrito em lugar algum que Israel deveria dominar os outros povos... Shoa? isso existiu?

Por cá, lembramos o holocausto. Pelos vistos, o Shoa anda esquecido no Médio-Oriente, por aqueles que menos o poderiam alguma vez esquecer.

Longa vida à luta do povo Palestiniano!
Palestina vencerá!

Nota: A frase alemã "Arbeit Macht Frei" significa "o Trabalho liberta" e estava inscrita em diversos locais ao longo dos campos de concentração. Sarcasmo na propaganda.

Tuesday, August 23, 2005

Guerras santas, jihads, crusadas e óleo de pedra

Em alguns sítios do nosso enorme globo a guerra continua.
Um pouco por todos os continentes continuam a desenvolver-se conflitos armados. A TV, os jornais, já pouco falam deles. Os interesses estão servidos, os apetites satisfeitos. Foi cumprida a missão da Comunicação Social.

E que missão! Enquanto é necessário justificar uma intervenção militar lá estão os milhares de câmaras, o embrenhado de doutores e sábios analistas a criar um pano de fundo de tal forma incompreensível que a única mensagem que passa é que existem os "bons" e os "maus". E fica logo ali decidido quem é quem. A TV, as rádios, os jornais fazem-nos o magnífico favor de tratar a informação por nós, de pensar por nós, de julgar por nós. Regra geral, a potência imperialista é o bom, o país faminto é o mau. Nem me lembro de muitas excepções a esta regra.

Das dezenas de intervenções militares que os Estados Unidos levaram a cabo nas últimas décadas, do Vietnam ao Iraque, passando pela Somália, Coreias, Guatemala, Costa Rica, União Soviética, Nicarágua, Chile, China, Panamá, Líbia, Suriname, e muitos outros, quem teve sempre razão na TV? Que heróis saíam vitoriosos, merecendo filmes de hollywood sobre míticas intervenções no Afeganistão? Que heróis foram feitos então? Aqueles e, exclusivamente aqueles, que se colocavam do lado da barricada dos Estados Unidos.

Vimos os Mujaheeden serem feitos autênticos salvadores do povo afegão, os taliban serem produzidos como uma frente guerreira por princípios puros contra a "invasão" soviética.

A guerra é levada pelos ventos orientados do capital imperialista. A atenção mediática que lhe é dispensada é efémera. As guerras continuam, as mortes sucedem-se, os insucessos perpetuam-se, as assimetrias agravam-se, os problemas persistem. A TV esquece.

A úlitmas incursão norte-americana no Iraque (que, aliás, continua intensa) teve a atenção que foi considerada incontornável para ser justificada ao mundo. Após cumprido esse supremo desígnio da Comunicação Social Dominante... Desapareceu. Esquecemo-nos de que continuam a lutar heroicamente milhões de iraquianos contra o invasor poderoso. Esquecemo-nos que lá vão morrendo.

Como pano de fundo dissimulado, apresentaram-nos choques religiosos. Explicam-se fenómenos sociais e políticos com recurso à religião e ao fanatismo. Querem que acreditemos que existe uma demência colectiva. Um demência endémica do médio-oriente. Os líderes políticos que fazem frente aos EUA são sistematicamente apresentados como fanáticos, loucos, obssessivos, ditadores.

No nosso sub-consciente as guerras modernas têm um fundo religioso. Em história ensinam-nos que as guerras do passado foram essencialmente religiosas. Escondem-nos a toda a hora que a religião nunca foi a razão. A religião foi, como hoje, a desculpa.

O verdadeiro interesse de toda e qualquer guerra é económico, geopolítico. A religião sempre deu uma óptima camuflagem, sempre serviu até de incentivo às tropas.

Hoje, os mensageiros dos deuses cumprem o seu papel. Colocam-se politicamente ao serviço dos interesses mais próximos. Bush invoca constantemente o cristianismo. Outros invocam Allah. Tudo dá no mesmo.

A religião nunca foi a razão. Hoje, deus deve estar triste.
Os homens estão submetidos à barbaridade do imperialismo violento. A civilização nunca existiu.
Não existe olhar horizontal. O Sul está submetido ao Norte. O Norte está submetido a si próprio. Colapsou sob o eixo do capitalismo.

As expressões criadas em torno da guerra. As verdades televisivas escondem a realidade.
Pena que a realidade seja tão cruel que muitos, ainda sabendo, deixam-se ficar pela TV.

Thursday, August 18, 2005

Mãe, porque é que as flores murcham?

Um globo dividido por um hemisfério abissal. Um risco invisível, mas um abismo colossal.
Como uma linha que separa uns dos outros, fendendo a Terra que pisamos desigualmente.

Aquelas praias de águas azuis, plantadas à beira das Repúblicas caribenhas, mas acessíveis exclusivamente aos senhores das monarquias europeias. Aqueles animais exóticos que salpicam savanas africanas onde habitam gentes negras do sol, mas visitados em carros e jipes por norte-americanos sedentos de hollywood. Aquelas pirâmides erguidas para o céu, ao serviço só do sábio turista, como as ruínas de antigos povos sábios andinos, ao serviço só de lara croft e outros viajantes de carteira gorda.

Onde descansam aquelas águas azuis, anda o povo na cana de açúcar de sol a sol. Onde passeiam os elefantes, girafas, leões, gnus e antílopes, andam os povos sedentos de água e arroz que um dia os colonos lhes tiraram. Onde três pirâmides ancestrais apontam o céu, andam os povos na monda do arroz, outros na monda do turista. Onde arqueo-cidades das culturas andinas hoje se escondem entre as belas florestas tropicais, anda o povo desde de criança com folha de coca na boca para entrar na mina escura e funda em busca do minério que não pode transformar em pão.

Onde existe riqueza natural, a economia é despedaçada. Os recursos naturais são, afinal de contas, o filão que nos sustenta em tão débil existência. Onde eles existem, esmagam-se as vontades dos povos, espezinham-se as organizações e estruturas de exploração. Substituem-se os engenhos por gigantescas destilarias. Os poços do médio-oriente canalizam tudo para ocidentais refinarias. Onde poderia existir uma mina, existe um poderoso complexo de exploração humana. Onde poderia existir pesca artesanal, enviam-se frotas estrangeiras que tudo arrastam. Nada já é do povo, nem dos povos.

A riqueza financeira dos países ditos desenvolvidos nada é sem a dita pobreza dos sub-desenvolvidos. A pobreza de espírito do ocidente nada é sem filmes e livros charlatães em que se ostentam as riquezas do oriente.

São países parasitas. Imperiais. Colonialistas. Ouvi um dia dizer: o imperialismo mais não é que uma fase avançada do colonialismo. Esta fórmula é um contributo. O imperialismo é a fase avançada do capitalismo. No entanto, sem dúvida, apresenta fortes traços do colonialismo. Esta fórmula leva-nos a crer que a mundialização do capitalismo, a sua aplicação imperialista, ressuscita as relações internacionais do tipo colonial. Ou seja, o capitalismo e o imperialismo mais não são que formas avançadas do colonialismo. Dissimuladas, mas no entanto, opressoras.

É por isso que as flores, que deviam erguer-se viçosas, murcham.

Wednesday, August 17, 2005

Curtas, como sempre.

Estamos de volta, com gripe e amigdalite, mas de volta. As férias foram curtas. Senti saudades de muita coisa.

Voltarei ao "ser" em breve. Logo após estes poucos dias de dormência de adaptação ao mundo real.

Sunday, July 31, 2005

L'être et le néant

Este blog tem sido actualizado com novas barbaridades com alguma regularidade.
Este blog, na sua existência materialista, actualizações existencialistas, é um acto.
É pensado e aqui está.

No entanto, ficará por escrever o próximo post, pelo menos durante uma semanita. (Até o mamute ou eu encontrarmos, presencialmente e fisicamente, um existencial computador com acesso à internet.

Estamos na fase do "nada". As férias para nós são a ausência de tudo. Deixamos de "ser" por uns bons dias. (sim, temos direito a ser brutos, parvos e barrascos)

Deixamos o nosso blog também pendurado à espera que nasça nova acção. Fica-se agora pela passiva função de esperar que o visitem. A "não-acção" reinará no mês de Agosto!


Ser... nada... Desta vez, não me lixem! Vamos pelo nada!!!

Thursday, July 28, 2005

Ideologias no nevoeiro - acendam-se os faróis!!!

Há uma coisa que já começa a tornar-se crónica e, também por isso, crítica.
A alternância recorrente entre o PSD e o PS no governo tem vindo a provocar danos profundos no desenvolvimento do país.

A desilusão que reina sempre poucos meses após eleições legislativas mostra de alguma forma o quão pouco convictos são os votos nestes Partidos. Dois partidos diferenciados por uma letra e nada mais, dois partidos amorfos, sem rectidão, partidos que partilham a mesma ideologia.

Dizer que não há ideologia no seio do PS e do PSD é, de certa forma, falso. É, pior que isso, fazer uma vontade a ambos os partidos. Na verdade, não existem convicções enraizadas nesses partidos, mas existem ideologias. Ideologias claras, mas escondidas por um enorme nevoeiro de falta de esclarecimento e frontalidade.

O neo-liberalismo é uma ideologia clara, descendente do capitalismo. É, aliás o seu aliado na construção de monopolismo e do imperialismo. Ora, o papel do Estado enquanto instrumento político e social de dominância é um aspecto caracterizador e diferenciador de ideologias. No caso do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, é totalmente partilhada a visão sobre o papel do Estado. Essa é a questão essencial.

A suposta ausência de ideologia descompromete os Partidos com uma linha política, descompromete o eleitor que não quer, não pode, ou não sabe definir-se ideologicamente.

O papel do Estado para ambos, PS e PSD, é o de regular o mercado, é o de desaparecer e tornar-se exclusivamente um mecanismo de opressão ideológica de uma classe sobre outra. Os serviços sociais do Estado tendem, sob esta visão capitalista, a desaparecer para dar lugar a um mercado concorrencial que se aproxima com o tempo do monopólio empresarial.

As privatizações e as sucessivas descredibilizações e desmantelamentos da produção nacional e do património do Estado, bem como dos seus serviços mais não representam senão exactamente isso: a desresponsabilização por sectores fundamentais e insubstituíveis que terão assim de ser garantidos por interesses privados.

Hoje, na Assembleia da República será aprovado pela maioria absoluta do Partido Socialista um conjunto de medidas legislativas que vão exactamente ao encontro do enfraquecimento do Estado. Retirar direitos aos trabalhadores é o rumo assumido como primordial sempre que PS e PSD estão no Governo. O acordo é obvio nesta matéria. Hoje, no final da sessão da manhã na Assembleia da República, centenas de trabalhadores da Administração Pública manifestaram a sua ira, descontentamento e desilusão para com este tipo de políticas.

O desdém estava na cara de cada senhor deputado do Partido Socialista. Uma altivez injustificável, um desprezo desumano por aqueles que os elegeram. Um total desrespeito que chegou ao ponto de, pelas palavras do Ministro dos Assuntos Parlamentares, ser declarado que o Governo se reveste de toda a legitimidade porque foi democraticamente eleito.

Liguem-se agora os faróis, descortine-se o nevoeiro que esconde as ideologias!

Legitimidade: o governo dispõe, sem dúvida, de legitimidade institucional e legal para levar a cabo o que entender no plano executivo da política. Mas... e legitimidade política, ética e social? Será que um Partido que apresenta um programa eleitoral pode chegar a governo e virar do avesso tudo quanto prometeu em campanha. Pode... a lei permite. Mas mantém a sua legitimidade democrática? Um governo que, nos primeiros meses de governação já suscitou mais contestação social que o anterior em três anos...? Não porque o anterior fosse melhor, mas era, ainda assim, mais dissimulado e teve medo de avançar tanto. Claro que o PSD agora aplaude em surdina todas as medidas do PS. Quem lhes dera terem sido eles os pais de tais políticas. Mas não tinham estabilidade governamental nem credibilidade suficiente para o fazer sem criar gigantescas ondas de luta de massas capazes de derrubar as paredes e alicerces de qualquer governo. Foi o medo e a estratégia política que os impediu de concretizar estas medidas.
O medo das massas, dos trabalhadores e do povo.

A ideologia está lá. Não lhe põem um nome, mas não desaparece por isso. No entanto, tem nome, chama-se neo-liberalismo.

O nevoeiro levantado todas as manhãs pela Comunicação Social, pelo Governo, pelos colunistas e comentadores(?), pelos analistas(?) e outros senhores já não pode esconder algo que se torna agora mais vísivel porque o tempo foi pouco. Foi pouco o tempo que passou entre a desacreditação da direita e a verificação das políticas de direita do Governo PS.

Se, em situações normais, a memória tende a tornar difusas as semelhanças entre um governo e o seu seguinte, porque passa tempo até começarem a fazer borrada. Desta feita, está à vista.
O desdém estampado nos sorrisos dos ministros, secretários de estado e deputados do PS, não foi possível esconder com nenhum nevoeiro, porque o povo começou a ligar os faróis. Começou a ligar aqueles que só alguns podem ter, porque encarecem o preço do carro, os faróis de nevoeiro.

E aquele desdém, desprezo e desrespeito teve a sua resposta nas bancadas: FASCISTAS!!! MENTIROSOS!!! A LUTA CONTINUA!!!

e também aqui, nestes cânticos de guerra, está uma ideologia: a ideologia popular e trabalhadora da construção de um mundo liderado por quem o constrói: o marxismo. A ideologia daquelas vozes e punhos também está coberta pelo nevoeiro... Mas à vista está algo que muitos dizem já não existir: a luta de classes, o antagonismo profundo entre quem explora e quem é explorado. Entre quem governa e quem é governado, uns com os votos de outros...

E o PS de cima do seu poleiro institucional, mesmo ao lado do grande capital, puxa os galões da legitimidade. Acusa o PCP de mobilizar para as galerias da Assembleia sem perceber que ali estão todos, comunistas e não comunistas, e muitos daqueles que, enganados, votaram PS. Esse desdém, de considerar pequenos grupos, aquilo que são as vozes das massas, será o que conduz inevitavelmente o PS à derrota, que, em última instância, levará o capitalismo à sua ruína que já se adivinha.

E, nos entretantos, a democracia esconde-se numa qualquer viela, com os braços caídos de tanta labuta. Porque a democracia foi substituída por um seu parente distante. Um a que chamam também "democracia" mas que só por alguma afinidade familiar distante se compreende. A democracia foi substituída pela representatividade sem controlo democrático. Os mecanismos de controlo democrático são a condição essencial para o desenvolvimento da democracia... Se não existe direito de manifestação, de greve, de livre organização sindical, então onde está o controlo popular?

Por isso, quando acendemos os faróis, os de nevoeiro e aqueles que nos guiam em promontórios escondidos, lembramo-nos de uma palavra que não temos em Português. Laocratia. Lao(do grego: gentes, pessoas) Kratia (do grego: força, poder). Poderemos talvez dizer "laocracia". Para os utilizadores desta palavra, ela distingue-se de "democracia". Distingue-se porque "democracia" é o sistema político que nasce da vontade popular e "laocracia" é a participação popular. Não é um regime político, é um acto.

O poder das gentes.
A força das gentes.

Bonito conceito. Pena ainda faltar acender tanto farol...
Bom saber que tantos se esforçam por, quer de noite, quer nas auroras escuras, acender um em cada promontório, em cada barra. Um em cada mente.

Faróis de nevoeiro, faróis de guia... Mentes abertas, punhos cerrados!

Wednesday, July 20, 2005

Serra Mãe



Serra Mãe...

Foi como Sebastião da Gama chamou à Serra da Arrábida. A Serra da Arrábida de orogenia e morfologia únicas em Portugal, de flora e fauna únicas em praticamente todo o planeta, está hoje, mais uma vez em chamas.

Os incêndios florestais acontecem. Algumas espécies arbóreas e arbustivas, inclusivamente, só conseguem completar o seu ciclo de vida com a actuação das chamas, apresentando mecanismos próprios para provocar deflagração de incêndios.

Mesmo os incêndios acidentais têm lugar na natureza, esporadicamente e com baixa taxa de recorrência e reincidência.

Mas agora... Aaaargh! Ardem as florestas, as matas. Que agonia. O problema central é que não estamos a falar de incêndios de causa natural. Na sua maioria, estes incêndios, ainda que possam não ter origem criminosa, têm-na na negligência. Na nossa negligência enquanto seres conscientes dos cuidados necessários para conviver com as florestas. Negligência das autoridades que sempre sabem o que é necessário saber, mas nunca fazem... E onde estão agora os helicópteros? Onde estão os recursos e os meios para o combate aos incêndios?

Agora choro porque nos matam a Serra. Agora eles lamentam... Mas deviam ter percebido que a Serra precisa de ser cuidada. Não serve espetar lá com uns meninos bem pagos para dizerem que sim à Secil, que sim às construções dos endinheirados, que não aos pescadores e que não ao pessoal que quer fazer umas caminhadas a pé. Não serve dizer que existe um Parque que toma conta da nossa Serra, quando já o ano passado a direcção desse mesmo parque afirmou que era impossível ver a Serra da Arrábida a arder. Revolta-me. Arde cá dentro do meu corpo, mesmo no peito, ligeiramente à esquerda... Não arde... pesa.

Ardem os fetos, os abetos, os pinheiros e os peneireiros. Ardem os ovos da coruja, mais aquele rosmaninho lindo. Arde o medronho. Vemos arder aquilo que mais amamos... dói. A Serra nua, chora. Mais de metade dela é já um enorme afloramento litológico, sem as flores, sem o verde das folhas. Pedra, raízes mortas e árvores pretas ficam para lembrar durante muito tempo o que lhe fizeram. O que lhe fizemos. Sim, pode ter sido aquela garrafa que deixaste no outro dia em alpertuche, ou aquele entulho que que despejaste mesmo à beira da estrada, pode ter sido a beata fatal do cigarro distraído que deitaste pela janela do carro.

O ano passado o fogo iniciou-se dentro de uma das grandes propriedades que se plantam na Serra. Não sei se pediram contas ao Senhor... Duvido muito. E no entretanto, a Serra arde. A Serra Mãe...

Crepita.

As cinzas esvoaçam pela cidade de Setúbal, trazidas por uma enorme nuvem negra a cavalo da nortada que desce a encosta Sul da Arrábida. Os carros estão cobertos por pequenas partículas daquelas árvores e animais... Valham-nos agora os ciclos da Natureza. Esperar que tudo volte ao equilíbrio. O fogo em si faz parte do equilíbrio. Como a catástrofe e o lago sereno. Ambos são Natureza. Mas custa saber que, pelo meio aparecemos nós. A acção dos Homens.

Arde.

O fogo está incontrolável. Em várias frentes, os homens da paz tentam agora remediar a negligência dos nossos senhores. Quanto tempo passará até alguém vir a lucrar com a desvalorização das madeiras, com a desclassificação dos terrenos, com a especulação financeira? Quanto tempo terá de passar até alguém perceber que a Serra respira connosco? Que a Serra se entrega a nós e que o seu destino está nas nossas mãos?

Ah, Arrábida! Serra Mãe... Chorem os que te amam, enquanto ardes. Vibrem os céus e os mares que te envolvem e acolhem, solidários com as tuas chamas avassaladoras. Nadem para perto roazes, botos e toninhas, venham ver o que nós fizemos...

Espera.

É bom para ti, Serra Alpina, saber que, inciaste o teu crescimento há cerca de 145 Milhões de Anos, aqui foste ficando. É bom saber, Serra Mosteiro, que aqui ficarás muito depois de nos termos ido. Que continuarás, Senhora da natureza, tal onda que domina o seu próprio tempo, cicatrizada por feridas profundas, mas viva em todo o seu esplendor.


Serra da Arrábida: corresponde a uma cadeia montanhosa de orogenia alpina, o nome de "Arrábida" vem do árabe que significa "Mosteiro".

Sebastião da Gama escreveu:
"A serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de pedra e mato, é o fóssil de uma onda"…

"Na orla meridional da península que tem o seu nome, a serra da Arrábida estende-se do morro de Palmela até à agulha do Cabo Espichel, num comprimento de 35 km e largura média de 6 km. A estrada sobranceira ao oceano, para descer ao Portinho embrenha-se na Mata do Solitário, trecho único em Portugal de floresta primitiva com influências mediterrâneas e atlânticas."