"A concepção materialista da história parte da preposição de que a produção dos meios de suporte à vida humana e, além da produção, a troca dos bens produzidos, é a base de toda a estrutura social; de que em todas as sociedades que surgiram na história, a maneira como a riqueza é distribuída e a forma como a sociedade se divide em classes ou ordens é dependente do que é produzido, de como é produzido, e de como são trocados os produtos. Deste ponto de vista, a causa final de todas as mudanças sociais e revoluções políticas devem ser procuradas, não nos cérebros dos homens, ou na clarividência mais destacada para a justiça e verdades eternas, mas nos modos de produção e troca."
Marx & Engels, em "Socialismo: Utópico e Científico"
A simples evocação da tese de que a "história se repete a si própria" contém um carácter fatalista próprio da propaganda de qualquer classe dominante. A ideia simplista de que a história possa ser um ciclo infindável de repetições remete, antes de mais, para um sentimento de impotência humana perante a história e o seu desenvolvimento, apontando para um processo sem saída, em que os seres humanos estariam condenados a percorrer uma e outra vez o mesmo caminho. Ora, como será para todos compreensível, essa tese é, por si só, anti-marxista e redunda como pilar da ofensiva ideológica que diariamente nos fustiga.
Mais grave é a atribuição ridícula dessa tese a Marx ou aos marxistas. Não é a primeira vez que o leio e não será certamente a última, mas desta vez procurei o tempo e a disponibilidade para escrever algumas linhas sobre esta questão, que julgo que deve merecer dos comunistas o necessário combate.
Marx e Engels, no desenvolvimento dos instrumentos filosóficos que devem servir de base à análise do mundo e das relações sociais, clarificam que a História não é a soma dos acasos, nem tampouco a projecção dos mais destacados cérebros ou a materialização dos desígnios mais ou menos divinos que se revelam neste ou naqueloutro indivíduo. A história, não sendo um acaso, é sistematizada. O desenvolvimento do mundo, desde a consolidação da consciência que surge com o Ser Humano, é resultado directo da interacção de um conjunto de factores naturais com os factores humanos, esses determinados em grande medida pela própria acção consciente, pelo processo criativo colectivamente considerado, mas acima de tudo, pela relação entre os indivíduos e pela circunstância e evolução dos meios de produção.
A introdução destes factores não-aleatórios na determinação do curso da história atribui ao Materialismo Histórico uma importantíssima capacidade de revolucionar a abordagem histórica com que devemos analisar o curso da Humanidade. A história deixa de ser apenas a soma de factores aleatórios ou fora do controlo colectivo para passar a ser compreendida como um percurso que é resultado de um conjunto de preposições directamente influenciáveis pelo colectivo que lhe atribuem uma dimensão racional e racionalizável. O acaso dá lugar à lei.
A preposição marxista de que a história também resulta do desenvolvimento de leis, porque está ligada a regras objectivas relacionadas com o papel do homem, é a antítese clara de que o processo histórico é cíclico. Diferente de dizer que "a história se repete" é dizer que "a história tem leis" e que essas leis têm carácter permanente (que emana do facto de serem leis).
Por exemplo: o facto de existir uma lei da física que caracteriza as trajectórias de um projéctil à superfície do planeta, isso não implica de forma alguma que esse projéctil esteja constante e ciclicamente a percorrer essa trajectória. Significa apenas que, para as condições determinadas, num planeta de massa e raio iguais aos da Terra, um projéctil - em função do seu peso e da força aplicada - percorrerá uma determinada trajectória(desprezando o efeito do atrito, da direcção e intensidade do vento). Ora, o facto de esse movimento ser regido por leis não significa de modo algum que ele é repetitivo. Pelo contrário, cada momento do movimento tem características próprias (ascendente, descendente, acelerado, desacelerado, etc.) e em momento algum será possível que, por si só, o projéctil faça o percurso inverso. Em física experimental poder-se-iam recriar sempre as condições iniciais e repetir o processo, mas isso seria apenas comparável com "repetir a história" e não com a "história repetir-se".
Ora, o que quero dizer é: o facto de sistematizar o conjunto de leis que orientam um processo não significa em momento algum que o processo é repetitivo, a não ser que essa seja uma das leis do processo. No caso da História numa perspectiva materialista e marxista, é frontalmente rejeitada a hipótese da repetitividade dos fenómenos, pelo simples facto de que, sendo o desenvolvimento dos meios de produção alvo de uma irrefragável evolução, as condições se alteram permanentemente, com alterações mais significativas nos momentos de revolução política.
Assim, as leis que são colocadas como características do processo histórico não remetem em nenhuma ocasião para a sua repetitividade, mas sim para a explicação de fenómenos à luz de uma análise concreta de cada momento histórico, em função, não das excepcionais características de um ou outro indivíduo como sustentam as teses fascistas de Gentile e Mussolini, nem da simples soma dos acasos naturais ou das coincidências históricas.
Aliás, basta ter uma perspectiva crítica para desmontar o mito de que os comunistas afirmam que "a história se repete" para perceber que o facto de existirem fenómenos cíclicos identificados por marxistas, como por exemplo as crises sistémicas do capitalismo, não só não significa em momento algum que a História se repete como anuncia bem a justeza e a veracidade da análise materialista das leis da História. Da mesma forma, o mito de que os comunistas defendem essa tese é tão frágil que basta conhecer as propostas dos comunistas e do seu Partido - o PCP - para perceber imediatamante que baseamos toda a nossa análise na superação da actual fase histórica da Humanidade, assim partindo do princípio que a História não só não se repete como não pára.
O que se repete diariamente é a incapacidade de o Capitalismo dar resposta aos mais elementares anseios das populações e é a evidência de que esse mesmo sistema esmaga e cilindra os direitos e as necessidades da população, como aliás, as leis do capitalismo definidas pelo marxismo - e a caracterização do imperialismo por Lénine - bem afirmam e sistematizam. Da mesma forma, alastram as respostas dos trabalhadores por todo o mundo, evidenciando a urgência do socialismo como fase superior da História.
Sossegue José Manuel Fernandes, que uma vez mais vem com a conversa do costume sobre o PCP no seu jornaleco, que a probabilidade de a ele lhe acontecer exactamente o mesmo que a outros sabujos no passado, é pois remota(desagradável seria certamente ser arrastado pelas ruas de lisboa, ou terminar eviscerado).
Tuesday, December 02, 2008
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