Thursday, May 29, 2008

é impressão minha ou...

Há jogadas que, por mais bem ensaiadas, por mais exaltadas que pareçam, não escondem o essencial. No mesmo dia em que a notícia da criação de uma "frente de 'esquerda'" que aglomera o Bloco de Esquerda, o Manuel Alegre e mais uns quantos ex-comunistas e outros revisionistas e oportunistas da mesma espécie, atinge os jornais como um metoro; o bloco de esquerda vai para a Assembleia da República fazer um número particularmente triste, talvez para mostrar que, mesmo namorando alguns PS's, continua zangado com o Governo.

Há coisas que de tão flagrantes, por vezes custam a ver.

Ora vejamos:
i. Diz Manuel Alegre a certa altura do seu vaidoso manifesto que recusar é uma virtude, transpondo palavras de Miguel Torga. Mas este Manuel Alegre não será o mesmo que deu todos os seus fôlegos políticos a um PS que sempre praticou uma política de direita? Não será o mesmo que abandonou a luta pela transformação da sociedade e que se converteu às modernices da social-democracia e à mordomias da institucionalização? Então este Manuel Alegre não é o mesmo que tem servido ao longo da história como muleta do PS, como a consciência inútil mas tranquilizante de que alguém diz "não" no seio do PS, mesmo que isso não produza nenhum efeito. Não tenhamos ilusões, este Manuel Alegre sabe tão bem quanto nós qual é o seu verdadeiro papel. Num país como Portugal, de recentes revoluções e manifestamente virado à esquerda, qualquer partido de direita precisa de uma face aparente de esquerda - assim o fez PSD com Sá-Carneiro; o faz PS com Manuel Alegre e outros tantos chamados democratas. Então este Manuel Alegre não será o mesmo que diz que "sim" a tudo lá no parlamento? Onde está a coragem de dizer "não"?

2. A coragem de dizer "não" de Manuel Alegre aparece sempre que é necessária para salvar o PS. O próprio Mário Soares, o não menos rastejante Vital Moreira, vieram deixar os seus avisos à praça pública: é preciso começar a mostrar nem que seja uma réstia de preocupação social para que os comunistas não assumam o protagonismo das bandeiras da esquerda. Então, qual paladino do anticomunismo, lá vem o cavaleiro brilhante da poesia, o homem de esquerda, mostrar que há no PS quem pense nessas coisas sociais e que não pode nunca é o Poder cair na rua, onde bem se pode entender, cair em mãos de comunistas. E assim, lá vem o ego insaciável do Manuel Alegre angariar mais umas simpatias, mesmo que seja preciso criar um partido ou um movimento. Qualquer coisa para travar o avanço dos comunistas e deixar intocado o sistema que prontamente defende desde, pelo menos, o 11 de Março.

3. O Bloco de Esquerda anda lá pela Assembleia a fazer o que pode para não se ficar atrás do PCP em nada. Pelo menos na letra dos Projectos de Lei e outras iniciativas. Não há nada que lhes não valha e se for preciso copiam os projectos, o que é preciso é que se faça! Até aí tudo bem. Quantos mais melhor! Agora o que não pode é fingir que está muito zangado com o Governo, que é revolucionário ou isto ou aqueloutro, que as palavras já pouco dizem na boca destas gentes. Então anda por ali a fazer as figuras tristes que hoje fez, sem centrar as questões sociais nas questões políticas e trazendo a política parlamentar para o mesmo nível que o lado oposto do hemiciclo - o da demagogia barata e achincalhante - e depois anda pelas costas a criar movimentos com os responsáveis pelo rumo político actual? haja decência e seriedade.

Bem podem espernear de incómodo. Podem bem criar as ilusões de última da hora que a situação exige para a manutenção do poder e para o afastamento dos comunistas. Bem podem querer que todos andemos de vendas que haverá sempre quem atento esteja, aponte o dedo e acuse. E o que não podem mesmo, mesmo, mas mesmo mesmo iludir é que: não haverá ruptura de esquerda, democrática, séria e comprometida sem o Partido Comunista Português. E isso salta à vista.

Tuesday, May 27, 2008

"À má-fila" ou "A mafia"?

Já não conheço surpresas nem me escandalizo com as barbaridades da região autónoma da madeira. Não me escandalizo mas revolto-me mais e mais. Eu e outros, valha-nos isso.

Há cerca de um ano atrás, um deputado eleito pelo PCP na Assembleia da República e um deputado eleito pelo PCP na Assembleia Legislativa Regional da Madeira foram acompanhados de alguns membros da Organização da Madeira da Juventude Comunista Portuguesa visitar uma escola no Concelho de Câmara de Lobos - um dos mais pobres da Europa - e viram-se impedidos de realizar a visita. A Srª Presidente do Conselho Executivo, avisada com antecedência da visita, limitou-se a dizer que estava numa reunião. Ao que a delegação de comunistas respondeu que não havia mal, que contactaria com estudantes, professores e funcionários no âmbito da sua normal actividade de ligação entre as tarefas institucionais e o trabalho de massas. Disse então a Srª Presidente que não gostaria que por ali andassem comunistas a contactar com alunos e professores sem controlo ou supervisão. Claro que a invocação do Estatuto do Deputado, da Constituição da República não foram suficientes para demover a senhora da sua ânsia de satisfazer as exigências da máfia local. Mostrou, pois, o seu bom trabalho e a sua língua sempre pronta lamber as botas de qualquer porco que por ali ganhe eleições.

E pronto. Contei um episódio.

Mas esta segunda-feira, numa iniciativa do mesmo género, de visita à Universidade da Madeira, o PCP e a JCP convocam a comunicação social da ilha para uma conferência sobre a situação do Ensino Superior. Ora lá estavam os jovens comunistas e mais um deles que por acaso tem a tarefa de realizar trabalho institucional na Assembleia da República aguardando os dedicados agentes da comunicação social local. Continuaram esperando até verificar que alguns chegavam, recolhiam imagens, e abalavam. "estranho comportamento este" para quem quer fazer jornalismo a sério, pensaram os jovens comunistas. E não é que nenhum desses ditos jornalistas se dignou sequer a dirigir-se aos jovens comunistas? Vinham como iam, sem palavras.

Que se passaria ali?
por que estariam aqueles jornalistas a ter aquele comportamento?

A situação foi-nos esclarecida mais tarde quando vimos os jornais e a tv. A direcção da JSD - Madeira e da Associação Académica da Universidade da Madeira interceptou os empenhados jornalistas a meio e disse-lhes que a iniciativa da JCP era sobre o preço dos transportes (!!! relembro que a conferência de imprensa relacionava a visita da JCP com a situação do Ensino Superior Público) e que esse problema havia sido resolvido pela JSD depois de contactada pela Associação Académica. Assim, em conjunto e certamente de braço dado, a direcção associativa e a direcção dos jovens porquinhos lá do sítio deram uma conferência de imprensa aproveitando que lá estavam os órgãos da comunicação social.

A verdade:
A JCP convocou uma conferência de imprensa sobre o Ensino Superior Público e a Universidade da Madeira;
A JCP cumpriu e realizou a iniciativa de contacto com os estudantes, como anunciado;
A JCP aguardou a comunicação social no local, que não chegou a contactar em momento algum nenhum elemento da JCP.

A notícia:
A JSD e AAUMA anunciam conjuntamente que a JCP havia cancelado a iniciativa porque essa iniciativa era em torno do preço dos transportes, problema entretanto resolvido pela JSD e pela AAUMA em ferverosa colaboração, revelando a sensibilidade do Governo Regional para as questões dos estudantes e dos jovens.

depois disto... que dizer mais?
que dizer mais a não ser que a comunicação social noticiou um anúncio calamitosamente mentiroso, dando cobertura a uma manobra do mais nível mais rasteiro e mais anti-democrático promovida por uma associação académica que deveria defender os interesses dos estudantes que representa ao invés de catar os piolhos dos macacos mafiosos que espalham tentáculos pela ilha sufocando a liberdade e a democracia e vivendo, qual parasitas, da pobreza de mais de 30% da população que ocupa a região autónoma da Madeira e que continua, inconscientemente a acreditar, que o porco maior é o salvador e o messias e que o bem-estar se mede pelos cristianos ronaldos e vânias, pelos mundiais, europeus ou festivais da canção.
bem-haja ao povo da madeira, por terem lá ficado com o que de pior temos na política, bem-haja pelo involuntário martírio a que se submete. Ah! triste sois povo madeirense, mesmo sem o saberdes.

Saturday, May 17, 2008

quando os paradoxos explicam a realidade

Uma das coisas de que cedo me apercebi é que na política e na economia, nada acontece por acaso. Embora os acasos possam determinar conjunturas que influenciam, a política, eles não a determinam. Por isso mesmo, alguns slogans dos governos, algumas orientações aparecem como nascidas de preocupações, mas acabam por não representar nada mais além das orientações do grande capital na sua senda imparável pelo lucro.
A julgar pela propaganda, muitas vezes somos levados a crer que existe mesmo uma vontade política de aplicar medidas de contenção do desperdício, quando, todos sabemos, isso é intrinsecamente contrário à natureza do capitalismo.
Por exemplo, quando nós os ouvimos dizer que é preciso assegurar um uso eficiente da água e encarecer-lhe os preços para motivar a poupança desse bem escasso. A campanha em torno da água é clara: obter controlo sobre o recurso, garantir a sua distribuição de acordo com a geopolítica do capital e do lucro. Embora a ofensiva queira relacionar o consumo da água com o seu custo ao utente (que passa a cliente), a verdade é que a privatização da água motiva automaticamente a sua venda irracional, presidindo ao consumo e à oferta o objectivo do lucro e não da gestão equilibrada. O aumento dos preços da água pune exclusivamente aqueles que não a podem pagar, reservando a utilização desse recurso para os que podem. As piscinas continuarão cheias, como os depósitos dos lexus e dos ferraris. As casas dos pobres ficarão sem água como já hoje não têm comida.
A propaganda em torno da água é semelhante a uma outra que se vai desenvolvendo em torno do ambiente, dos combustíveis e do consumo de energia eléctrica. Se ouvirmos a campanha do governo, não raras vezes se fala de eficiência energética. O governo aliás, tem mesmo um plano de aumento da eficiência energética e essa questão - como bem se viu nos impostos sobre as lâmpadas incandescentes - é por vezes apresentada como nuclear no âmbito da política enrgética. Podemos pensar que existe um contrasenso: se o governo é submisso à classe dominante e a classe dominante quer vender mais energia para encaixar mais lucros, como é possível que apele à diminuição dos consumos energéticos?
Na verdade, nunca existiu um apelo à diminuição dos consumos. Há um apelo ao seu aumento. Através do conceito de eficiência energética, o governo e o capital apresentam novamente as suas preocupações ambientais e aparentemente apelam à diminuição dos consumos. Com efeito, o paradoxo de Jevons explica bem esta estratégia do capital.
A eficiência energética por si só não é um elemento favorável às sustentabilidade da relação homem-natureza. Pelo contrário, no âmbito de uma sociedade capitalista, o aumento da eficiência energética conduz directamente ao aumento dos consumos. Confuso? claro que sim. Por isso é que esta teoria económica se chama "paradoxo". O aumento da eficiência energética provoca a diminuição dos custos de produção, logo, pelo mesmo custo, produz-se mais. Ao produzir-se mais, amplia-se a utilização de um determinado processo produtivo, de uma determinada tecnologia e, por sua vez, o consumo do seu sustento - no caso actual combustíveis.
Assim, o aumento da eficiência energética sem a alteração do paradigma de sistema produtivo e sem a preocupação política real para a alteração dos métodos de produção energética e minimização dos impactos da produção e consumo na Natureza, representa apenas o aumento dos próprios consumos e, por sua vez, o aumento dos lucros das petrolíferas e das companhias eléctricas.
Voltemos ao exemplo das lâmpadas: a eficiência energética das lâmpadas modernas é bastante superior às lâmpadas incandescentes - é um facto. No entanto, a generalização da utilização desta nova tecnologia, por si só, não representa a diminuição dos consumos, sendo que mais lâmpadas se instalarão e mais tempo ficarão ligadas. Isto significa que as nossas facturas de electricidade, como todos terão já reparado, não diminuiram nem tampouco estabilizaram - antes pelo contrário, continuam a subir consideravelmente. Da mesma forma, sob o pretexto da eficiência energética, o governo e as organização ditas ambientalistas estimularam a troca de lâmpadas incandescentes por lâmpadas de alta eficiência energética.
Ora, num pequeno período de tempo, milhões de pessoas deitaram fora lâmpadas ainda úteis, apenas por serem incandescentes, e trocaram-nas por lâmpadas mais recentes, mais caras. Isto significa que um conjunto muito vasto de lâmpadas foi para o lixo sem necessidade nenhuma, ou seja, esse conjunto de lâmpadas, vidros, metal, filamentos, gases, foram engrossar o volume do desperdício. Ao mesmo tempo, as empresas fabricantes de lâmpadas, venderam milhões de novas unidades, encaixando milhões, vendendo as novas lâmpadas a um preço empolado pelo aumento da procura estimulada por motivos supostamente ambientais. É a irracionalidade total, mas é também o lucro total.
Paga o consumidor, paga o ambiente, recebem as empresas fabricantes em lucro e em publicidade.
Outro exemplo: o aumento da eficiência energética apresentado como forma de diminuir o consumo de combustíveis fósseis. Aqui o paradoxo de Jevons afirma-se com toda a clareza: o impacto do aumento da eficiência energética desde a invenção do motor nos consumos tem sido o do crescimento desmesurado dos consumos de combustíveis. Claro que, independentemente da forma de organização social e económica, a generalização de uso de uma tecnologia provocará sempre o aumento do consumo dos combustíveis que lhe são associados.
Mais utilizadores, mais consumo. Mas isso não pode significar que se utilize a "eficiência energética" como instrumento de propaganda para a defesa da naturza, porque isso é coisa que dela não pode resultar no quadro da economia capitalista. A eficiência energética deve ser promovida, claro, essencialmente como forma de promover e incrementar a qualidade de vida, mas numa perspectiva equilibrada e bem distribuída pelo globo. Utilizar esse conceito como o capitaol vai fazendo nos ditos países desenvolvidos é mera propaganda e diversão, é aumentar o manto de ilusão que nos vão pondo à frente no que toca à "defesa do ambiente". Ora neste caso, no dos combustíveis fósseis, o aumento da eficiência energética não representa necessariamente a diminuição do consumo. Um carro que atinja 80km/h como velocidade máxima e consuma 8lt/100km (a 80km/h) é um carro de baixa eficiência energética.
No entanto, um carro que atinja 180km/h e consuma 6,5lt/100km (em ciclo misto) é um carro de maior eficiência energética. O segundo carro, a 180km/h consome, todavia, cerca de 10-11lt/100km e como faz maiores distâncias em menos tempo, consome mais combustível em menores intervalos de tempo. Além disso, o segundo carro, embora energeticamente mais eficiente, pelas características que tem passa a ser mais distribuído, mais vendido e mais utilizado. No quadro geral, ainda que possa apresentar melhorias para a necessidade de deslocação do indivíduo que o utiliza, representa um exponencial aumento dos consumos de energia (por queima de combustíveis) no plano global. Ou seja, a eficiência energética implica, ao contrário do que parece, um aumento dos consumos.
A eficiência energética não é, por si, um objectivo prejudicial ou negativo. De facto, ela catapulta o desenvolvimento tecnológico para novos patamares e o bem-estar individual daqueles que têm acesso à tecnologia para novos níveis. O que não pode é dizer-se que a eficiência energética é um conceito directamente relacionado com a conservação dos valores e recursos naturais, porque não é de todo. Isto significa que quando o conceito de eficiência energética é utilizado pela campanha capitalista para nos enganar, algo que não querem que vejamos se está a passar.

Monday, May 12, 2008

voluntariado

Os mecanismos de diversão e de manipulação de massas atingem novos patamares da estupidez. A tese do empreendedorismo deu um novo salto e já se tornou na do voluntarismo. A generalização do desemprego e a apresentação da competição entre trabalhadores e do individualismo e "empreendedorismo" são apresentadas como chaves para o sucesso num mundo de insucesso. O empreendedorismo, além de comportar o sub-tom da "ambição", transporta uma outra noção que se vai enraizando: a da disponibilidade. Ou seja, o jovem empreendedor é aquele que está disponível a tudo para obter o seu lugar ao sol, é o jovem que não questiona a organização social, mas que antes a consolida por seus actos.

A complementar esta vertente da ofensiva ideológica mas também material, aparece um novo conceito como fórmula para a construção, não de um mundo, mas de um curriculum vitae melhor. Eis que o voluntariado se assume como a resposta para todos os males da participação cívica juvenil, mas não só, é óptimo tónico para o desemprego e para o enriquecimento dos currículos de jovens ignorantes e inaptos. Além disso, como o nome indica, é gratuito.

Na verdade, este novo "voluntariado" a que se referem as empresas, tem apenas isso em comum com o verdadeiro voluntariado: não é remunerado. No entanto, o verdadeiro voluntariado não pode ser aceite como trabalho gratuito para enriquecer ou gerar lucros para um determinado bolso. O voluntariado deve ser entendido como um trabalho levado a cabo de forma não remunerada e associado a um determinado fim que se apresenta como um objectivo - geralmente social e de efeitos colectivos. Por exemplo, dedico o meu trabalho de forma gratuita ao associativismo para assim dar um contributo a uma área de actividade social que promove o desporto, a cultura, a arte para todos, sem gerar nenhuma mais-valia financeira ou económica para nenhuma entidade privada a não ser a associação em si-mesma, que por sua vez aplicará essas mais-valias em outras tantas actividades do mesmo género.

Agora, o que é de todo insuportável e urge desmascarar é a utilização do termo "voluntariado" para dar cobertura à proliferação de trabalho escravo sem direitos que por aí vai rebentando no mundo dos privados e que se desenvolveu inicialmente à custa dos chamados estágios nas empresas. O desespero dos jovens é tal nos dias de hoje que qualquer actividade, mesmo que não remunerada, é melhor que estar parado em casa à espera que termine o subsídio de desemprego ou a procurar emprego nos jornais. Fazer currículo, isso sim, será um primeiro passo para o tal de "mercado de trabalho". E vai daí que mais vale ser voluntário numa empresa sem ganhar nada do que ficar à espera de emprego. Já há muitas empresas que o fazem: acolhem amavelmente os jovens voluntários sem lhes pagar e têm mesmo a benevolente cedência de lhes dar trabalho que possam fazer. Tudo isto, claro, com grande risco para a empresa e sem nenhum compromisso por parte do jovem que está ali apenas a enriquecer o seu CV. É uma benesse social que a empresa lhe dá... essa oportunidade de conhecer o mundo do trabalho sem compromissos. É esta a vergonha a que chegámos: confundir voluntariado com escravidão. É que "voluntariado" pressupõe opção e o que se sucede hoje é que milhares de jovens entram nestes esquemas das empresas e seus "voluntariados" exactamente porque não têm outra opção.

E como não têm outra opção e há que ser empreendedor (e empreendedor não é criar a sua própria empresa certamente, já que julgo ser de unânime reconhecimento que nunca seria sustentável ter cerca de 5 000 000 de novas empresas - uma por cada trabalhador no activo no futuro), o jovem lá se mete num desses "voluntariados" - sempre conta para o currículo. E de voluntariado em voluntariado, lá alguma empresa pode ser que o queira e lhe reconheça finalmente dignidade para lhe pagar efectivamente um miserável salário.

E há um outro voluntariado: o da caridade. Vá, aceitemos que isso possa ser chamado de voluntariado, porque o é de facto no sentido em que o praticante está convicto de que assim contribui para um bem maior. Claro que a caridade, cumprindo o seu papel milenar mais não é do que a forma de perpetuar o fenómeno sobre o qual age. No entanto, independentemente da orientação ideológica com que é construído o edifício mundial da caridade, reconhecemos que existem milhares e milhares de jovens, adultos e idosos que a praticam com a total ilusão de que estão a contribuir para o fim de um problema. Esse voluntariado tem um valor intrínseco na proporção do quão verdadeira é essa ilusão e pode ser transformado em verdadeiro trabalho revolucionário no momento em que o praticante tome consciência dos efeitos da caridade e da outra forma de agir: a solidariedade.

E há ainda um outro voluntariado: um mais recente e mais astuto. O dos acontecimentos de propaganda capitalista cobertos pelo manto da preocupação. Seja ambiental ou social, o que não falta são novos espaços de intervenção capitalista que promovem a ideia de que apresentam preocupações. Seja o Rock in Rio e o Ambiente, como verificamos este ano, seja vender shampoos para ajudar pobrezinhos. Este tipo de empresas recorre a mão de obra voluntária sob a desculpa de que é trabalho social, quando na verdade, mais não fazem senão arranjar um slogan publicitário que é afecto a uma determinada preocupação social e depois dedicar uma infíma percentagem dos lucros (rock in rio - 2% dos lucros) a uma qualquer entidade de caridade que controlem também. Assim, com este tipo de artimanhas publicitárias e propagandísticas, empresas vão encaixando milhões. Mais grave, mascarando-se de empresas humanas e preocupadas, recorrem ao voluntariado. O Rock in Rio, por exemplo, recorre a 601(!!!) jovens voluntários para os dias de "festival". Isto significa que o "festival" vai poupar uns bons milhares ou milhões de euros em salários, em recibos, em segurança social e vai ainda receber uma autêntica dádiva laboral de mais de meio milhar de jovens portugueses. Ora, não poderemos afirmar que todos os 601 jovens ali estão por não terem outra opção. Não sejamos ingénuos ao ponto de pensar que não existiriam mesmo muitos mais jovens dispostos a fazer esse lamentável papel de transportar barris de cerveja durante 3 dias e mais de 10 horas diárias e de lavar balcões e latrinas apenas para gozar da possibilidade de ouvir à distância, mas gratuitamente, o seu ídolo musical.

Tudo bem, são de facto voluntários então... em certa medida, sim. No entanto, são-no porque o festival não contrata, como devia, trabalhadores, jovens ou não, para desempenhar esses papéis. São-no porque o festival cria a ilusão de que esse trabalho voluntário não é trabalho, quando na verdade, até a formação é obrigatória. São-no porque julgam que estão de facto a participar numa iniciativa com preocupações sociais - o que, julgo ser inútil dizer, não é de todo.

Mas então, por que raio dedicar tantas linhas sobre o volunatriado a um famigerado festival de verão que até vai cá trazer três das bandas preferidas do autor (a saber: muse, metallica, machine head)? É que, vá lá... que o raio do festival promova o tal de "voluntariado" ainda damos de barato. Mas que o Estado português se aventure nestas andanças, anunciando o festival como um evento social, e esse "voluntariado" como actividade juvenil e participativa é que já é de todo inaceitável! É preciso estarmos completamente desfeitos enquanto Estado para que isto seja assim! Bolas, o Estado recruta, o Estado selecciona, o Estado propagandeia e publicita e o Rock in Rio fica com trabalho de borla sem nenhum investimento.

É a vergonha das vergonhas quando o Governo age como empresa de trabalho temporário não remunerado para as empresas e ainda se orgulha disso.

Friday, May 09, 2008

condição: trabalhadora

Na relação de exploração que se estabelece entre a burguesia e o proletariado há uma constante disputa. A luta de classes não tem desenvolvimentos episódicos, como Marx e Engels sempre referiram. A história não se desenvolve por espasmos e mesmo os momentos de rupturas abruptas representam apenas o resultado de processos mais ou menos demorados e prolongados no tempo. Os passos e progressos da Humanidade são o fruto de uma densa e complexa rede de acontecimentos que se sucedem uns na interdependência de outros, contruindo a malha da História, tendo sempre por base e por eixo central a luta das classes que se vão sucedendo, substituindo, eliminando ou gerando.

Nesta relação de exploração actual, em que burguesia e proletariado se degladiam com grande intensidade no plano material, embora disfarçado pelas teses proto e criptofascistas do idealismo mais retrógrado, há uma linha flutuante que varia a sua posição de acordo com a correlação de forças. Essa linha é bem expressa nas taxas de exploração que a burguesia vai conseguindo, aumentando ou diminuindo a mais-valia extraída do trabalho, consoante o poder da luta dos trabalhadores em cada momento do tempo e em cada lugar do espaço.

Nesta luta que não se faz apenas através da posse objectiva do poder, nem de resultados isolados aqui ou ali porque há muitas posições intermédias e muitos sucessos e retrocessos, a linha da capacidade de exploração do trabalho pelo capital move-se para cima e para baixo. Para isso, tanto trabalhadores, como capital desenvolveram factores de poder e de força, como instrumentos para a alteração da correlação de forças em cada momento. Se a burguesia desenvolveu o salário, os trabalhadores desenvolveram a greve; se a burguesia criou e doutrinou a sua democracia, os trabalhadores criaram e conceberam o Estado Socialista; se a burguesia inventou o despedimento, os trabalhadores exigem contratos de trabalho; se a burguesia inventou a jornada, os trabalhadores exigiram o horário de trabalho e a compensação pelas horas extraordinárias. Mas também existe o inverso da medalha: se os trabalhadores criaram os sindicatos de classe, a burguesia criou os sindicatos trade-unionistas e amarelos; se os trabalhadores geraram unidade, a burguesia introduziu a divisão individualista; se os trabalhadores desenvolveram o materialismo dialéctico, a burguesia investiu mais ainda na lavagem idealista da relidade e estreitou os seus laços com a religião; se os trabalhadores criaram os partidos comunistas de classe, a burguesia proíbiu-os, esmagou e perseguiu.

Os factores de luta são imensos, os instrumentos de pressão também. E muitos são também os mecanismos de classe. De um e de outro lado da barricada.

Um dos mecanismos que o sistema capitalista tem vindo a desenvolver é o da ofensiva ideológica requintada, subliminar e com recurso à educação de massas e à comunicação social de massas. Mas outros mecanismos, tão ou mais antigos, persistem e até se agigantam. A marginalização de grupos sociais, a miséria e o crescimento do exército industrial de reserva (os desempregados), por exemplo.

Outro, de que queremos agora falar, é o da estratificação dos custos do trabalho, ou seja dos salários, dentre a mesma classe, as mesmas funções laborais, utilizando como factor decisivo a fragilidade e debilidade do movimento operário em cada uma dessas camadas estratificadas. A divisão internacional do trabalho é, também ela definida em parte com base nesse critério. A discriminação salarial das mulheres também.

O posicionamento que a burguesia actual faz das mulheres, enquanto parte da população mais frágil perante a exploração é um mecanismo de aumento generalizado da exploração de todos os trabalhadores. Da mesma forma que as diferenças dos custos do trabalho entre países é um factor, não de competitividade como lhe chamam, mas de diminuição dos custos do trabalho (salários) em todos os países. A situação de explorados dos trabalhadores coloca todo o proletariado mundial numa posição de solidariedade e não de competetividade. Onde perdem os trabalhadores num determinado ponto do globo, outros tantos perderão também em todo o resto do mundo.

A divisão artificial dos trabalhadores com recurso ao conceito de nacionalismo burguês é um mecanismo comparável ao que a burguesia utiliza para a divisão dos trabalhadores com base no sexo. A tentativa de colocar uma linha divisória entre homens e mulheres pelas suas características biológicas, sexuais e mesmo psicológicas e comportamentais é por demais óbvia. A burguesia, ancorada no preconceito e na tradicional minimização do sexo feminino, utiliza as mulheres como um factor de diminuição dos custos da mão-de-obra e de diminuição dos direitos dos trabalhadores.

A posição social das mulheres não é supra-classista e não pode ser dissociada em momento algum da sua integração numa ou noutra classe social.

A posição social da mulher é indissociável, não do seu sexo, mas da sua condição de explorada ou exploradora.

A luta das mulheres é, portanto, uma luta solidária com os movimentos operários de todo o mundo. Não a luta da burguesia em torno da promoção do género feminino como algo etéreo e condição meramente fisiológica, mas a luta da mulher na esfera da melhoria da sua condição social enquanto elemento da camada trabalhadora em que se insere.

É por isso que não existe feminismo revolucionário. Porque ser revolucionário é perpsectivar uma transformação social de neutralização das actuais relações entre classes e não entre sexos. A luta das mulheres é componente indissociável da luta dos povos pela libertação da exploração. O socialismo não é nem patriarcal nem matriarcal, não é machista nem feminista porque, pura e simplesmente, o marxismo não assenta a sua análise social e política nas tendências comportamentais, nem nas características ou propriedades físicas das camadas trabalhadoras, mas sim na condição básica de explorado.

Os feminismos esquerdistas são tão ou mais responsáveis pela diversão intelectual das mulheres como a pseudo-preocupação "de género" da burguesia, mas isso, porque não pode ser agora detalhado, fica para o próximo episódio do império bárbaro. Não perca!

Falta pois aproveitar para anunciar que o PCP realiza amanhã, dia 10 de Maio, o seu Encontro Nacional sobre os Direitos das Mulheres, em Lisboa, pelas 10.00h. Um certo e poderoso contributo para o aprofundamento necessário da questão feminina e para a luta das mulheres!

Censura

O Partido Socialista, claramente sem saída do beco da censura em que o PCP o enfiou, tentou aplicar uns malabarismos de diversão. E, a cada momento, lá ia tentando transformar a moção de censura apresentada pelo PCP num momento de reles atoarda. O PS, quando em maus lençóis, disparata. Foi o caso.

Vá de ridicularizar os estatutos do PCP, onde o Partido se afirma como vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores, esquecendo o facto de o PCP o declarar frontalmente sem enganos ou camuflagens, enquanto que o PS não explica nos seus estatutos de quem é vanguarda ou retaguarda. Sério seria se lá colocasse logo nos primeiros artigos que "O Partido Socialista é a vanguarda do patronato e dos grandes interesses económicos".

É que esta censura é apenas uma expressão parlamentar e institucional da condenação popular que por aí vai crescendo a este Governo. O PCP mais não fez senão interpretar genuinamente esse sentimento.

O Partido Socialista vai aguentando estes ataques no plano institucional, vai suportando um governo com base apenas em dois apoios: o da maioria absoluta parlamentar e o do grande capital que continua a utilizar este partido como comissão delegada dos seus interesses. Mas o que o PS não pode em momento algum esquecer é que a democracia, mesmo quando o PS disso não gosta, não se limita a um parlamento enconchado, nem a senhores de gravata e senhoras de salto alto e colares mais vistosos que a torre eiffel. A democracia, mesmo quando o PS não quer, ultrapassa as concepções jurídicas, os limites burocráticos, as definições dos manuais, as barreiras legais. Voltando à democracia no sentido puro de laocracia, o povo expressar-se-à das mais diversas maneiras. O voto uma delas, poderosa sem dúvida, mas nunca a única.