Tuesday, May 19, 2009

sexo ou género?

Uma das modas que mais recentemente tem surgido no léxico político no quadro da hegemonia burguesa é o termo "género" para substituir o termo sexo, ou para, segundo dizem, alargar o conceito de "identidade própria" de cada ser na sua dimensão sexuada. Que significa pois, género? Porque é tão amplamente difundido como uma nova palavra?

A cultura dominante é difundida, irradiando da classe dominante, através dos meios de comunicação, utilizando também as linguagens como poderosos instrumentos de manipulação de massas. A linguagem, sendo um dos primordiais instrumentos de comunicação é também um influente e poderoso tijolo do raciocínio, ainda que na medida das representações que induz e constrói. A mistificação de conceitos faz-se em grande parte através da manipulação da linguagem e o capitalismo apercebeu-se rapidamente da importância da mistificação. Como já várias vezes repeti, a tendência para remeter as questões para o seu plano imaterial é uma das expressões mais vincadas dessa estratégia de mistificação.

A forma como a linguagem da classe dominante rapidamente absorveu o conceito, suficientemente subjectivo, de género é assinalável. Daquilo que vamos então percebendo, quer esse conceito ultrapassar a condição natural dos seres humanos e atribuir-lhe uma dimensão comportamental e ontológica, aparentemente desligada do sexo enquanto factor biologicamente determinado. Desengane-se quem pensa que o termo "género" tenciona fazer menção a identidades sexuais independentes do sexo, pois é um facto que hoje em dia quando se fala de "violência de género", "igualdade de género" e outras que tais, aponta-se, sem qualquer dúvida, para a "violência em função do sexo" e "para igualdade entre os sexos" ainda que sem referir o termo "sexo". E essa omissão não é inocente.

Ela visa de facto criar a ilusão de que existe uma super-categoria que agrupa os seres humanos em função de características subjectivas e comportamentais que será, portanto, o género. Assim se apaga a importância da classe social e a discriminação sexual como elemento de exploração do trabalho das classes trabalhadoras. A ideia de que existe um comportamento genérico atribuído a uma qualquer parte da população em função de arquétipos comportamentais afasta claramente o raciocíonio da análise material e remete-o para o campo da subjectividade.

Por exemplo, enquanto que numa abordagem que parte da "igualdade de género" se assume que o que importa é o agrupamento subjectivo que se pode fazer de um conjunto de pessoas em função do seu sexo, pois isso determina comportamentos sociais, éticos e políticos; numa abordagem que parta da "luta de classes", posicionam-se no tabuleiro das forças os homens e as mulheres em função do seu papel no sistema de produção. "Género" passa a ser portanto uma representação em função de supostas sensibilidades femininas ou masculinas que, bem aprofundado, não pode senão remeter para o factor material que as determina.

Esse factor material é duplo. É determinado em função, essencialmente da classe social, e do sexo, independentemente das orientações e comportamentos sociais. Por exemplo, um operário não deixa de ser um operário se pensar como um pequeno-burguês e um pequeno-burguês não deixa de o ser por defender aqui ou além os interesses dos operários. Imaginemos agora o que seria se passássemos a classificar as pessoas em função do seu comportamento e não do seu enquadramento no sistema classista. Também as mulheres, pesem embora as características inerentes à sua feminilidade e também os homens, independentemente da sua masculinidade, devem pois ser enquadrados de acordo com a sua condição material (classe e sexo) e não com o seu comportamento.

Ao utilizarmos o conceito de género para alargar a representação do sexo, incorremos muitas vezes afinal na camuflagem das reais assimetrias e discriminações em função do sexo. Os problemas da discriminação de transsexuais, transgéneros e homossexuais não está minimamente incluído no conceito de "igualdade de género", caso contrário, a lei da paridade (que assenta nesse tal princípio da igualdade de género) teria de contemplar que 1/3 das listas teria de ser do género feminino ou masculino, independentemente do sexo. Ora, como está à vista de todos, tal não só não se verifica como seria impraticável e absurdo.

Portanto, na verdade, quando a cultura dominante faz surgir o termo género é exactamente para criar um conceito super-estrutural que atribui à mulher características comuns independentemente da sua condição de classe e da sua condição feminina. Ou seja, em última análise, este conceito subjectivo encaminha-nos para dedução de que existem mais critérios para se ser mulher ou homem do que o sexo. Quem sabe não sejam exactamente esses critérios que acabam por justificar a cada vez maior diferença e discriminação que se vai verificando entre os sexos nas classes trabalhadoras...?

é que, caso contrário, não se percebe porque é que aqueles que dizem precisamente que "género" representa o modelo, o paradigma comportamental induzido em função de identidade sexual, não lutam então pela abolição da diferença de género e pela verdadeira igualdade entre os sexos.

Em última análise uma mulher operária, independentemente da sua orientação sexual, que se identificasse como pertencente ao género masculino, por se enquadrar exactamente nesse modelo comportamental, não seria discrimanada. Pois se o que contasse fosse o comportamento, na perspectiva de quem defende o termo "género" para referir "sexo", essa mulher não precisaria de protecção contra potencial discriminação sexual pois, na linha desse raciocínio, ela integra o "género" forte.

Tuesday, May 05, 2009

Autoridade Nacional

escrevi este texto na Autoridade Nacional, mas achei que também não ficaria mal aqui.