Wednesday, February 25, 2009

A pequena moral da burguesia e a moral da pequena burguesia

Por mais que tentem esconder, pequenos deslizes – aparentemente inocentes – denunciam a moral que subjaz ao comportamento dos esquerdistas. Em Portugal e no mundo, estas franjas do espectro político transportam características muito próprias, bem narradas por vários comunistas ao longo da História. A principal questão que importa aqui referir é a sua incontornável origem de classe que radica nas classes burguesas e pequeno-burguesas.

Como tal, toda a intervenção política destes grupelhos – mais ou menos organizados – gira em torno de uma matriz ideológica anti-marxista. É verdade que eles próprios se afirmam marxistas quando isso lhes dá jeito, mas cabe aos comunistas interpretar as mensagens políticas e estar capaz de desmascarar o seu carácter social-democratizante. Claro que estes grupos políticos tanto manifestam uma tendência claramente social-democratizante como se afirmam radicalistas e revolucionários inquebrantáveis. Um olhar sobre a História e verificamos que vagueam entre um papel e outro consoante o momento histórico, seguindo a matriz de se colocar exactamente no papel que funciona como conservador da realidade.

Na verdade, os esquerdistas, os movimentos pequeno-burgueses de fachada socialista, assumem na História o papel da conservação da correlação de forças em que assenta o capitalismo e a exploração. Mostram-nos a social-democracia como solução quando o socialismo encontra no terreno as condições subjectivas para se consolidar como alternativa. Mostram-se aventureiristas e radicalizantes, quando não existem as condições subjectivas para comportamentos dessa natureza. Isto resulta numa postura variável em função dos momentos históricos, ao contrário do que seria de esperar e do que seria necessário numa perspectiva revolucionária.

Dizia que mesmo nos pequenos deslizes se destaca uma perspectiva moral burguesa na linguagem e na mensagem dos esquerdistas. A última novidade, tão bem recebida pelo patronato português, é a tirada em que o Bloco de Esquerda ultimamente cavalga: “Quem tem lucros não pode despedir.” O BE espalhou por aí esses cartazes de tamanho jumbo com a bonecada esquerdista do costume, que se preocupa exclusivamente com o mediatismo e a facilidade de digestão das mensagens, independentemente da justeza do seu conteúdo. É verdade... assim parece. O Louça mandou a bujarda na Convenção do Bloco e aquilo soou bem. Soou bem aos amigos que lá estavam a ouvir o sacerdote, soou bem à comunicação social burguesa e até calhou bem ao patronato português que se apressou a dar umas palmadinhas nas costas do BE por tão excelsa sugestão.

Um raciocínio leviano termina com uma apreciação positiva. Efectivamente parece bem que quem tem lucros não possa despedir trabalhadores e ponto final. É elementar até. Desafio, porém, a um raciocínio mais ponderado, sem facilitismos ou entusiasmos mediáticos. Sei que é um esforço demasiado para os dias que correm em que esperamos tudo mastigado e, de preferência pela boca de um qualquer sábio que pense por nós, que leia por nós, que julgue por nós. Mas é importante combater essa preguiça cerebral.

Ora vamos lá a ver... “quem tem lucros não pode despedir”. Qual é a mensagem na sua totalidade? Se quem tem lucros não pode despedir, parte-se do princípio que quem não tem lucros pode despedir, certo? Ou seja, há despedimentos legítimos – de quem tem prejuízo – e despedimentos ilegítimos – de quem tem lucro. É um raciocínio que começa a revelar o seu carácter burguês com todo o esplendor. Ora se quem apresenta prejuízo pode despedir isso assume-se como um despedimento socialmente aceite, um despedimento legítimo. Escuso relembrar que as contas das empresas são sistematicamente manipuladas de forma a esconder os lucros, escuso relembrar que também existe prejuízo ilegítimo, por má-gestão ou por investimentos fora do território nacional, desviando a riqueza aqui produzida para outros pontos do globo. Ora, este segundo patamar de raciocínio não é o último, pois que da ideia de despedimento legítimo decorre uma consequência linear. A de que é legítimo que o trabalhador assuma a responsabilidade sobre as desventuras da administração da sua empresa e que seja o responsável primeiro e último pela crise estrutural do capitalismo.

Perante uma crise de dimensões colossais, em que o capitalismo treme sobre as suas fundações, o Bloco de Esquerda vem dizer-nos que a responsabilidade social da empresa capitalista é a solução para as maleitas do mundo. Que é imoral despedir se tem lucros, pois claro. Mas não será imoral colocar sobre o trabalhador a responsabilidade pelos prejuízos da empresa? Afinal de contas, que raio de culpa tem o trabalhador pelas más-opções da empresa, da sua administração, que culpa terá o trabalhador perante a financeirização da economia global, perante a especulação bolsista e perante o colapso das bolhas especulativas daí decorrentes?

A moral do bloco de esquerda é a moral da burguesia. É uma moral conservadora, que lhe escapa e se manifesta nas suas mais pequenas expressões, só é preciso procurá-la.

Friday, February 06, 2009

Educaçao e formação

A educação em Portugal está a ser substituída pela formação profissional.
As necessidades do capital são evolutivas, tal como o próprio sistema capitalita e as suas formas, na medida do desenvolvimento dos meios de produção. A actual fase demonstra-nos cada vez mais claramente como as necessidades do capitalismo são diametralmente opostas às das populações. É certamente pacífico afirmar que o grau e a velocidade de desenvolvimento das sociedades, é tanto maior quanto maior for a massificação do conhecimento.

Por todos os motivos humanistas, mas também pelo simples facto de que: quanto mais seres humanos detiverem as ferramentas mentais e filosóficas de análise da realidade, mais problemas a humanidade no seu conjunto será capaz de resolver e, consequentemente, mais rápido e amplo será o seu desenvolvimento comum.

Ora, no entanto, para o capitalismo e para a classe que sob esse sistema domina as restantes, o desenvolvimento colectivo deve ser orientado em cada instante, não de acordo com o seu potencial absoluto, mas de acordo com o seu potencial relativo, sendo esse potencial relativo determinado pela possibilidade de gerar lucro e reforçar a hegemonia capitalista.

Ou seja, o potencial absoluto da Humanidade é, não só muito mais vasto e profundo que o seu potencial sob o capitalismo, como é, em essência, diferente. O sistema capitalista limita, portanto, o desenvolvimento dos meios de produção, tal como o associado desenvolvimento social e cultural, à capacidade de deles extrair mais lucro e mais poder económico e político. A disseminação científica, a democratização da tecnologia e a elevação do grau cultural dos colectivos é, portanto, controlada muito próxima e cuidadamente pela classe dominante, permitindo o seu alastramento e concretização apenas no quadro das necessidades da maximização do lucro.

O impacto da resistência popular organizada, ou os impactos da luta revolucionária são representados pontualmente por pequenos avanços da classe dominada no acesso ao conhecimento e à educação, rapidamente esmagados pela reacção burguesa assim que tem essa oportunidade (a massificação e democratização do ensino em Portugal através da construção de uma Escola Pública, Democrática, Gratuita e de Qualidade, após o 25 de Abril, foram passos importantíssimos para o progresso social e económico que não tardaram a ser atacados pelos governos de direita, por exemplo).

A actual fase em que se encontram os mercados capitalistas é caracterizada no plano internacional também por uma forte concorrência e competitividade, que sacrifica todos os direitos e impõe como regras sociais as regras do mercado. O desenvolvimento rápido e acelerado dos meios de produção exige adaptações nos métodos de epxloração da mão-de-obra, independentemente do aumento ou da regressão da taxa de exploração, e essas adaptações têm fortes implicações no grau de conhecimentos e competências dos trabalhadores. A “estratégia de lisboa” e o próprio “processo de bolonha” assumem como pilares fundamentais do desenvolvimento económico e da competitividade do espaço europeu a qualificação das massas. Em que medida o fazem?


Com o mercado a necessitar cada vez de uma mão-de-obra mais preparada, com os grandes grupos económicos a necessitarem de se libertar dos gastos associados à formação profissional dos seus trabalhadores e com o desejo de acolherem entre as suas fileiras de trabalho, os trabalhadores em idade cada vez mais jovem (por motivos de produtividade, de flexibilidade, de instabilidade e de maior facilidade de exploração), exige-se aos Estados que substituam o capital nesse esforço de formação profissional.

A educação de massas ganha assim uma componente cada vez mais volumosa e mais abrangente de formação profissional, baseada não na transmissão e captação de conhecimento, mas essencialmente na aquisição de competências. O que importa, claro está, é que o jovem esteja capaz de integrar as fileiras da exploração ou o exército industrial de reserva com o máximo de competências adquiridas e o mínimo de cultura científica e de saber. A formação da cultura integral do indivíduo é uma vez mais a pedra de toque da educação para a emancipação ou da formação para a exploração.

Em Portugal vamos assistindo a uma conversão à escala nacional do sistema educativo num sistema de acreditação e atribuição de competências profissionais, de banda estreita e assente numa alfabetização elementar das massas. A Escola de Abril, democrática e orientada para a diluição e eliminação das assimetrias de classe, é transformada numa escola de massas que visa apenas reproduzir ou agravar as injustiças e assimetrias geradas na origem do sistema de exploração capitalista.

Os filhos das camadas trabalhadoras da população ingressam no sistema escolar, tendo um acesso directo a uma educação elementar baseada na tabuada e capacidade formal de juntar letras, indo depois para a linha de formação profissional onde aprendem, não um ofício criativo, mas um conjunto de comportamentos seriados e padronizados à medida das empresas que financiam e patrocinam as escolas e os próprios currículos e cursos (com gastos incomapravelmente inferiores aos que despendem na sua formação própria).

O jovem adquire as competências de que o mercado necessita, ainda que por pouco tempo, e não as competências e conhecimentos de que ele próprio e o colectivo necessitariam. Tendo em conta que as necessidades do chamado “mercado de trabalho” são fortemente oscilantes e efémeras, as características formativas do operariado ideal são também variáveis. Além disso, o mercado quer absorver essencialmente os trabalhadores jovens, com recurso a contratação precária, facilmente descartada e substituída. Isso significa que a concepção de que a formação profissional é, em si mesma, a chave para o sucesso e para a “empregabilidade” no mercado de trabalho capitalista é uma ilusão e um logro.

As escolas portuguesas estão a ser convertidas em ante-câmaras do Trabalho assalariado, com a agravante que disponibilizam jovens estudantes para o mundo do trabalho sem qualquer remuneração. Ou seja, as empresas, as grandes empresas, usufruem de dupla vantagem parasitando o sistema público de ensino. Por um lado, poupam significativas somas ao não investir isoladamente na formação profissional; por outro, utilizam sem pagamento e qualquer responsabilidade social, os estudantes como trabalhadores em formação. E os estudantes são forçados a agradecer e levados a crer que este é o melhor dos mundos, porque ingressaram no mundo do trabalho.

O estágio profissional de âmbito curricular no ensino secundário (ensino profissional) é assim, não só uma forma de formação profissional, como uma forma de exploração total do trabalho alheio. Depois deste percurso básico, o estudante converte-se directamente em assalariado ou desempregado, sendo que, com esforço pode ingressar no ensino superior para cumprir o primeiro ciclo de bolonha e assim subir um degrau na escala salarial, permanecendo no entanto, à mercê dos desígnios e caprichos do “mercado de trabalho”.

Os filhos das camadas mais ricas da população, particularmente dos yuppies e da burguesia, têm, esses sim, acesso a uma Escola cada vez mais insular. Uma Escola que, sendo pública ou privada, é reservada para as elites nacionais, escolhendo os seus alunos com base numa triagem social e académica, encaminhando-os para o prosseguimento de estudos no sentido do ensino universitário.

A educação não é só formação. É urgente desmascarar a propaganda política do Governo quando afirma que está a abrir as portas da educação a todos, que está a trazer os jovens para as escolas, que está a combater o abandono e o insucesso escolares. É preciso denunciar que as estatísticas de escolaridade, de abandono e de insucesso, não terão o mesmo significado agora que tinham antes.

Uma forte percentagem da população acreditada para o trabalho, detentora das mais variadas habilitações (jogador de futebol, ajudante de pedreiro, ajudante de cozinheiro, técnico especializado em linhas de montagem, técnico de informática, cabeleireiro, e por aí fora) não quererá dizer mais do que isto: negámos a esses o direito a aprender, mas demos-lhes a obrigação de permanecer explorados.