Thursday, September 20, 2012

A partilha do conhecimento, as tecnologias como meio de produção e de distribuição.

Se há sector da actividade humana que tem conhecido uma evolução acelerada e um desenvolvimento exponencial dos meios de produção esse sector é o das tecnologias da informação. A velocidade com  que o desenvolvimento dessas tecnologias se traduziu em alterações de toda a ordem nas sociedades é assinalável, mesmo quando comparada com o ascenso das tecnologias industriais. Sendo verdade que a evolução dos meios de produção conheceu uma aceleração vertiginosa desde a revolução industrial, não é menos verdade que as tecnologias da informação acrescentam a essa marcha evolutiva alterações quantitativas e qualitativas.

Quantitativas pelo ritmo, qualitativas pela natureza.

As tecnologias da informação e as redes informáticas, com destaque para a world wide web, vieram a assumir um papel fundamental na velocidade com que circula a informação, mas também na natureza da informação e dos objectivos com que circula. A tecnologia, como as restantes, é ideologicamente neutra, mas neste caso, o desenvolvimento do "meio de produção" e de "distribuição" foi de tal ordem que ultrapassou o modo de produção capitalista.

"O capitalismo, na sua fase imperialista, conduz à socialização integral da produção nos seus mais variados aspectos; arrasta, por assim dizer, os capitalistas, contra sua vontade e sem que disso tenham consciência, para um novo regime social, de transição entre a absoluta liberdade de concorrência e a socialização completa.

A produção passa a ser social, mas a apropriação continua a ser privada. Os meios sociais de produção continuam a ser propriedade privada de um reduzido número de indivíduos. Mantém-se o quadro geral da livre concorrência formalmente reconhecida, e o jugo de uns quantos monopolistas sobre o resto da população torna-se cem vezes mais duro, mais sensível, mais insuportável."*

O que Lenine afirmava em 1916 concretiza-se plenamente hoje à luz dos nossos olhos, no nosso presente no sector das tecnologias da informação e da www. Este é um caso em que a constituição dos monopólios e dos cartéis, em que o desenvolvimento dos meios de produção (tecnologia) ultrapassaram o modo de produção capitalista. A produção é objectivamente social, embora a apropriação continue a ser privada.

Servem as anteriores linhas para abrir algumas considerações sobre a partilha de ficheiros em linha, através da www e dos mecanismos e plataformas P2P que, no meu entendimento, é já uma expressão plena da socialização da produção e distribuição, num context, porém, de apropriação privada. A clarividência de Lenine chega ao ponto de antever que a tendência para a socialização da produção, contra a vontade dos monopólios, provoca a a intensificação do jugo dos monopolistas sobre a população, tornando-o "cem vezes mais duro, mais sensível, mais insuportável." Isso mesmo se sente no estertor hipervigilante e repressivo que os monopólios, através das leis tecidas e aprovadas nos parlamentos da burguesia, exprime perante os utilizadores de internet, tratando-os como "piratas", quando não são esses quem na realidade se apropria das mais-valias geradas.

A ligação à rede, ainda que com as suas limitações e insuficiências no plano da democratização do acesso e capacidade de manipulação é hoje, em grande medida, um instrumento de trabalho e pode efectivamente constituir um meio de produção e de distribuição. Pela sua natureza, essa produção é social e está tendencialmente socializada.

O momento que vivemos é ainda, obviamente, de transição, sendo que muitos dos conteúdos e serviços disponíveis da rede são ainda produzidos através de outros meios de produção, ainda não tão desenvolvidos. Isso significa que em determinados segmentos da cadeia de produção e distribuição de cada produto ou serviço circulante na rede ainda persiste um modo de produção capitalista, sem prejuízo de, no segmento que resta, existir já socialização. Por exemplo: uma banda produz um álbum em contrato com uma produtora/editora (modo de produção artística capitalista) e vende-o (modo de distribuição capitalista), ficando a produtora/editora com a maior parte da riqueza gerada (apropriação capitalista) e explorando a capacidade criativa da banda. Todavia, quando essa criação entra na rede, ela passa a circular - ainda que ilegalmente - livremente em regime de partilha, divertindo milhares e inspirando outros tantos milhares para um novo processo criativo que gerará novas obras e nova circulação sem apropriação de riqueza (excluindo a que resulta do pagamento do acesso à internet que não é de todo desprezável) - este processo já se caracteriza por uma certa socialização do processo produtivo.

Ultrapassando os cânones e dogmas actuais, impostos pelo modo de produção capitalista, a produção de qualquer bem ou serviço através das tecnologias da informação e a sua distribuição através da rede, pode efectivamente libertar todo o processo da intervenção do monopólio, seja proprietário do suporte material, seja do conteúdo circulante. Ou seja, o desenvolvimento do meio de produção ultrapassou os limites naturais do modo de produção capitalista e a apropriação apenas se mantém através do reforço e intensificação do jugo (poder político e militar) monopolista sobre as populações. Utilizando semelhante exemplo, isso sucede quando: uma banda produz uma música e coloca-a em circulação na internet, exigindo ou não o pagamento directo pela sua fruição.

Estamos portanto, a vivenciar e testemunhar um período de transição num importante sector da actividade e que já se inicou em muitos outros - embora talvez não de forma tão avançada ainda - o da socialização da produção, provocada pela concentração da propriedaade e pelo desenvolvimento dos meios de produção. Porque não é ainda a rede então um meio de produção ao serviço do socialismo e do fim da exploração do Homem pelo Homem? Porque ainda existe apropriação privada e controlo (jugo) privado em certa medida.

Mas deixará de existir.



* V. I. Lenine - Imperialismo, fase superior do Capitalismo