Portugal é o país da União Europeia com maiores taxas de obesidade infantil e de sedentarismo (70-78%), com uma das maiores incidências letais de doenças cardio-vasculares e com menores hábitos de actividade desportiva regular entre as mulheres. Na verdade, entre as mulheres, a prática desportiva formal ou informal representa menos de metade da dimensão da prática masculina.
A política para o desporto não é, no entanto, inexistente. Na verdade, significativos esforços económicos públicos são dirigidos ao desporto, ainda que apenas dirigidos para um espectro muito estreito de modalidades e quase todos adstritos à sua vertente profissional.
Por um lado, podemos afirmar que a verba do Orçamento do Estado para o Desporto é escassa e podemos mesmo acusar os sucessivos governos de fazerem sistematicamente depender essa verba das receitas dos jogos chamados sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Ou seja, o Governo não investe uma verba, um esforço, perante o desporto, mas atribuí-lhe uma verba flutuante cuja dimensão nem pode controlar, inflacionar ou diminuir. Mas por outro lado, tendo em conta que todo este esforço financeiro é dirigido para o desporto profissional, excluindo ainda assim o desporto feminino e o desporto por deficientes (que recebem apenas pequenas parcelas do total), podemos dizer que o desporto profissional e competitivo recebe a fatia de leão do financiamento público.
No entanto, perante a actual situação, seria de esperar exactamente o contrário. Só com a afectação de verbas muito significativas e com um sério investimento político, poderia o país passar de uma situação de défice desportivo estrutural para uma situação de verdadeiro crescimento e desenvolvimento desportivo.
Também nesta área se exige uma ruptura democrática e de esquerda com a actual política. Uma ruptura que recentre o desporto e a actividade física no plano dos direitos do povo português. Actualmente vivemos, portanto, um momento de aparente desenvolvimento desportivo, que é catapultado para a opinião pública através de uma promoção absolutamente hiperbólica do futebol profissional, mas que promove exclusivamente o desenvolvimento do desporto para espectadores e não para atletas. A generalização da posição de espectador de sofá significa directamente a diminuição do tempo de prática desportiva e o estímulo ao sedentarismo passivo. O desporto passa a entretenimento e deixa a categoria de direito de cada cidadão.
As políticas dos governos, ao invés de encorajarem a prática desportiva, mesmo sem punir o desporto profissional – o futebol, digamos - , optam por punir o desporto democrático e popular, através do estrangulamento financeiro e acantonamento político das colectividades de cultura desporto e recreio, clubes e associações desportivas, que são os verdadeiros promotores do desporto para praticantes e os verdadeiros parceiros do Estado no cumprimento do objectivo constitucional da garantia do direito ao desporto e através da promoção e estímulos financeiros, políticos e legislativos ao futebol profissional, fora esse o único eixo do desporto nacional.
Com estas políticas, o Governo faz mais uma vez o seu papel de comissário dos interesses do grande capital e do capital financeiro: promove a concentração de capitais e a dinamização de um mercado brutal e avassalador que cria lucros sem produção e que explora vastas camadas da população, particularmente as mais pobres e que, simultaneamente, contribui para um estratégico objectivo do capital – a alienação de massas e a promoção da apatia acrítica. A venda dos direitos de transmissão televisiva e radiofónica, a venda de merchandising, a venda de patrocínios e de materiais desportivos, a venda da imagem de este ou aquele jogador, treinador ou emblema clubístico, a venda de imprensa especializada, etc., são apenas exemplos das componentes várias de um mundo de lucro improdutivo que além das referidas tem íntimas ligações em diversos países do mundo com a especulação imobiliária a corrupção política e financeira, a mercantilização do desporto, a dopagem, o tráfico de influências e o trabalho infantil.
Estas são as vertentes degradantes do desporto.
Ou seja, são o resultado da apropriação do desporto e da sua conversão em diversão de massas enquanto agente espectador e não praticante. O desporto enquanto direito popular e prática libertadora e formadora do Homem, na perspectiva da cultura integral do indivíduo é assim substituído por um voyeurismo de TV, doentio e estupefaciente que afasta as massas da realidade em que se inserem e que cria mecanismos de acumulação de lucros gigantescos.
É urgente uma política desportiva que tenha como principal objectivo o desenvolvimento desportivo, como a assumida em 1974-1976, que estabeleça objectivos claros para o crescimento e alargamento da prática desportiva entre os jovens, os trabalhadores, os homens e as mulheres, os deficientes e os idosos.
É urgente romper com a política de clientelismos e amiguismos, romper com a política do desporto para espectadores e promover o desporto verdadeiro, nas ruas e nas ciclovias, no mar, nos rios e nas serras, nos ginásios, nos half-pipes e circuitos, nos parques, nos estádios, nas pistas, nos pavilhões. Para isso é preciso que existam ruas e ciclovias em vez de apenas estradas; é preciso que existam possibilidades de aceder ao mar e aos rios, é preciso ter serras em vez de apenas cimenteiras; é preciso ter infra-estruturas para caminhantes e montanhistas; é preciso que existam ginásios em vez de apenas oficinas da carne onde batidos, hormonas e esteróides anabolizantes substituem a prática física saudável e o convívio; é preciso que existam half-pipes e circuitos de skate e de roller-blade em vez de apenas prédios e cimento; para isso é preciso que existam parques e não apenas alcatrão e betão; é preciso que existam estádios, pistas e pavilhões abertos a todos como utentes e não apenas como clientes e espectadores.