"por dois euros pode realizar todos os seus sonhos"; "seja um excêntrico" e coisas que tais são os slogans que uma modelo anuncia na televisão, apelando aos portugueses, não só para que joguem nos concursos de azar da santa casa da misericórdia, como assistam ao programa de televisão que, infalivelmente, transmite os sorteios com honras de emissão em directo.
Ele é o Euromilhões, o totoloto, o totobola, o joker, o loto2 e ainda há as lotarias. Mas o Euromilhões é o que mais febre provoca, o que mais gente ilude. Vejo nas pessoas próximas de mim. Uma esperança absolutamente irracional invade o coração das pessoas que jogam no euromilhões, e uma falsa sensação de descanso atinge-lhes o coração como uma injecção de letargia.
Depois de entregar uns poucos de euros (acho que é de 2 a 10) à concessionária do Jogo em Portugal - a Santa Casa da Misericórdia - o jogador entra num estado de transe esperançosa, uma ilusão que lhe preenche os dias com pensamentos para concretizar quando for rico. "quando me sair o euromilhões"; "se me sair o euromilhões", etc.. O jogador ocupa boa parte do seu processo criativo com a fabricação de desejos absurdos e absolutamente inconcretizáveis. Isto gera a ilusão de que é possível sair o prémio, de que o tal de jackpot está à distância de uns poucos de euros. Ilusão esmagadora, que gera, por si só, um quasi-contentamento, pelo simples factos de colocar o jogador numa posição de rico sonhador. Mas muito mais grave do que essa ilusão, os anúncios estimulam a "vontade de ser rico", espalham a doutrina do individualismo e colocam como objectivo de muitos - ainda que temporário - ser rico, aliás, ser estupidamente rico. É, portanto, uma fábrica de fazer dinheiro com um forte papel ideológico, de diversão de massas.
Com este mecanismo se concentram milhões de euros numa instituição do Estado, com fortes ligações com a Igreja, que explora milhares de portugueses, que extorque idosos e pensionistas e que encaminha para uns poucos todas as mordomias que os euros podem proporcionar. A mesma instituição que é gerida em regime de alta promiscuidade com a igreja, a mesma instituição que recebe rendas dos velhotes portugueses para habitarem casa em avançado estado de degradação, a mesma instituição que detém grande parte do parque habitacional do país e que permite o seu abandono e a sua degradação.
Adiante, antes que fiquemos mal dispostos.
Matematicamente falando, a hipótese de sair o primeiro prémio do euromilhões é 1 em 76 275 360, ou seja, a probabilidade de eu jogar no euromilhões e de ser o vencedor do primeiro prémio é igual a 1,3 x 10^8, o que significa 0,000000013. Claro que a probabilidade está lá, existe. Ínfima, mas existente, e é essa probabilidade que serve de engodo semanal aos milhões de pessoas que apostam no jogo. Tão bem calculada que assegura sem risco o carácter lucrativo do jogo, tal como nos casinos.
Na verdade, se um jogador quisesse ter a certeza de que o prémio lhe seria atribuído teria de gastar 152 550 720 euros. Ou seja, ainda assim, a organização do concurso lucraria 137 550 720 euros. Um negócio lucrativo e sem risco, como se vê. Noutras palavras, uma vergonhosa forma de enganar as pessoas e de as ter mergulhadas na ilusão da riqueza.
O mais grave é que, quase aposto, se os governos proibissem este jogo, seriam os próprios jogadores os primeiros a queixar-se e a revoltar-se. Porém, estatisticamente falando, os governos estariam impedindo que os cidadãos deitassem ao lixo dois a dez euros por semana. Pior, a dar para os bolsos de desconhecidos cerca de 152 milhões de euros por semana. Estatisticamente falando, a probabilidade de o euromilhões te sair a ti (leitor, se jogador) é ZERO.
Friday, January 23, 2009
Wednesday, January 21, 2009
25 anos depois de Ary
A Bandeira Comunista
(algumas notas sobre o carácter e o génio)
Um dos mais conhecidos poemas de Ary e seguramente dos mais queridos dos militantes do PCP, A Bandeira foi escrito em condições que merecem ser recordadas.
Na segunda-feira, 11 de Agosto de 1975 o Centro de Trabalho do PCP em Braga foi destruído e incendiado após um ataque comandado por um grupo operacional do ELP, como mais tarde veio a ser revelado por numerosas investigações e directamente reconhecido por alguns dos membros do comando directamente envolvidos.
O «Avante!» enviara no fim de semana anterior para Braga um seu colaborador fotógrafo, uma vez que corriam insistentes boatos de incidentes em Braga na segunda-feira por (como sucedeu em diversos outros actos terroristas) ser dia de feira. Tendo resolvido pernoitar no Porto, o repórter chegou a Braga a meio da manhã verificando então que os provocadores haviam já desencadeado as agressões e que o Centro de Trabalho (onde se encontravam numerosos militantes) estava já cercado.
Apedrejamentos e tentativas de fogo posto sucederam-se ao longo do dia, tendo – de forma equívoca nunca inteiramente esclarecida – os defensores do Centro acabado por ser retirados por uma força militar que deixou o edifício entregue aos fascistas que completamente o destruíram e incendiaram.
Tomado pelos provocadores como um repórter que lhes era favorável, o fotógrafo do «Avante!» pôde assim obter ao longo do dia as mais extraordinárias imagens da violência fascista à solta, muitas das quais foram publicadas na edição seguinte do «Avante!», a 14 de Agosto.
Para essa mesma quinta-feira, a Direcção da Organização Regional de Lisboa convocara para o hoje Pavilhão Carlos Lopes um comício de solidariedade com os camaradas das organizações atingidas pelo terrorismo e de exigência de medidas de salvaguarda da ordem democrática.
Na redacção do «Avante!» decidimos montar num dos átrios do Pavilhão uma exposição com ampliações das fotos de Braga, de que só uma pequena parte havia sido publicada no jornal. Feitas as ampliações, colocou-se o problema das legendas – que acabou a ser um duplo problema...
A questão era que as imagens tinham uma força tal que qualquer palavra, qualquer frase parecia estar ali a mais. Contudo...
Lembrámo-nos então, telefonou-se ao Zé Carlos para a Espiral, agência de publicidade onde trabalhava, e dissemos-lhe do problema: «Não serias capaz de fazer aí qualquer coisa, uns versos com força, isto não há legendas que resolvam isto...». «Esperem lá um bocado que eu já ligo.»
Meia hora depois o telefone tocava e ouvia-se o vozeirão do outro lado: «Então vejam lá se esta coisa serve.»
Era A Bandeira Comunista. Copiada ao telefone, dactilografada e ampliada, iniciou nessa noite de luta um caminho que não findou jamais.
A bandeira comunista
Foi como se não bastasse
tudo quanto nos fizeram
como se não lhes chegasse
todo o sangue que beberam
como se o ódio fartasse
apenas os que sofreram
como se a luta de classe
não fosse dos que a moveram.
Foi como se as mãos partidas
ou as unhas arrancadas
fossem outras tantas vidas
outra vez incendiadas.
À voz de anticomunista
o patrão surgiu de novo
e com a miséria à vista
tentou dividir o povo.
E falou à multidão
tal como estava previsto
usando sem ter razão
a falsa ideia de Cristo.
Pois quando o povo é cristão
também luta a nosso lado
nós repartimos o pão
não temos o pão guardado.
Por isso quando os burgueses
nos quiserem destruir
encontram os portugueses
que souberam resistir.
E a cada novo assalto
cada escalada fascista
subirá sempre mais alto
a bandeira comunista.
(algumas notas sobre o carácter e o génio)
Um dos mais conhecidos poemas de Ary e seguramente dos mais queridos dos militantes do PCP, A Bandeira foi escrito em condições que merecem ser recordadas.
Na segunda-feira, 11 de Agosto de 1975 o Centro de Trabalho do PCP em Braga foi destruído e incendiado após um ataque comandado por um grupo operacional do ELP, como mais tarde veio a ser revelado por numerosas investigações e directamente reconhecido por alguns dos membros do comando directamente envolvidos.
O «Avante!» enviara no fim de semana anterior para Braga um seu colaborador fotógrafo, uma vez que corriam insistentes boatos de incidentes em Braga na segunda-feira por (como sucedeu em diversos outros actos terroristas) ser dia de feira. Tendo resolvido pernoitar no Porto, o repórter chegou a Braga a meio da manhã verificando então que os provocadores haviam já desencadeado as agressões e que o Centro de Trabalho (onde se encontravam numerosos militantes) estava já cercado.
Apedrejamentos e tentativas de fogo posto sucederam-se ao longo do dia, tendo – de forma equívoca nunca inteiramente esclarecida – os defensores do Centro acabado por ser retirados por uma força militar que deixou o edifício entregue aos fascistas que completamente o destruíram e incendiaram.
Tomado pelos provocadores como um repórter que lhes era favorável, o fotógrafo do «Avante!» pôde assim obter ao longo do dia as mais extraordinárias imagens da violência fascista à solta, muitas das quais foram publicadas na edição seguinte do «Avante!», a 14 de Agosto.
Para essa mesma quinta-feira, a Direcção da Organização Regional de Lisboa convocara para o hoje Pavilhão Carlos Lopes um comício de solidariedade com os camaradas das organizações atingidas pelo terrorismo e de exigência de medidas de salvaguarda da ordem democrática.
Na redacção do «Avante!» decidimos montar num dos átrios do Pavilhão uma exposição com ampliações das fotos de Braga, de que só uma pequena parte havia sido publicada no jornal. Feitas as ampliações, colocou-se o problema das legendas – que acabou a ser um duplo problema...
A questão era que as imagens tinham uma força tal que qualquer palavra, qualquer frase parecia estar ali a mais. Contudo...
Lembrámo-nos então, telefonou-se ao Zé Carlos para a Espiral, agência de publicidade onde trabalhava, e dissemos-lhe do problema: «Não serias capaz de fazer aí qualquer coisa, uns versos com força, isto não há legendas que resolvam isto...». «Esperem lá um bocado que eu já ligo.»
Meia hora depois o telefone tocava e ouvia-se o vozeirão do outro lado: «Então vejam lá se esta coisa serve.»
Era A Bandeira Comunista. Copiada ao telefone, dactilografada e ampliada, iniciou nessa noite de luta um caminho que não findou jamais.
A bandeira comunista
Foi como se não bastasse
tudo quanto nos fizeram
como se não lhes chegasse
todo o sangue que beberam
como se o ódio fartasse
apenas os que sofreram
como se a luta de classe
não fosse dos que a moveram.
Foi como se as mãos partidas
ou as unhas arrancadas
fossem outras tantas vidas
outra vez incendiadas.
À voz de anticomunista
o patrão surgiu de novo
e com a miséria à vista
tentou dividir o povo.
E falou à multidão
tal como estava previsto
usando sem ter razão
a falsa ideia de Cristo.
Pois quando o povo é cristão
também luta a nosso lado
nós repartimos o pão
não temos o pão guardado.
Por isso quando os burgueses
nos quiserem destruir
encontram os portugueses
que souberam resistir.
E a cada novo assalto
cada escalada fascista
subirá sempre mais alto
a bandeira comunista.
Monday, January 05, 2009
intifada
Falo-te de um mundo onde as mais incríveis atrocidades se cometem na impunidade. Falo-te de um paraíso há muito caído, onde homens receberem outros em sua própria terra. Terra sagrada, de tanto sangue por lá derramado, para a que deus virou as costas há muito.
Pensa num bom punhado de gente, que vê parte do seu país cedido, do seu chão entregue, da sua terra dada a outro punhado de gente, vítimas ambos das dificuldades mais áridas que possamos, eu e tu, imaginar. Uns sacrificados à loucura e à ganância, bodes expiatórios do capitalismo, chacinados, queimados, gaseados; outros vivendo sufocados pelas guerras mais antigas da história, no deserto das emoções dos países ricos, vezes sem conta reconstruíndo o seu próprio país.
Imagina um povo que aceita um Estado plantado no seu solo, que decide partilhar a terra com quem dela precisa e sempre a procurou. Um povo que recebe dentro do seu país, a pátria ensanguentada de um povo desterrado.
Imagina que a paz foi sacrificada em todas as cidades, em todos os altares, porque quem chegou de novo quis mais, quis em nome da sua bíblia de sangue e violência, ter a terra dos outros, não em harmonia, mas em absoluta hegemonia. Imagina que o teu convidado, te fica com a casa. Parece um mundo absurdo, um mundo diferente. Mas é este.
Imagina que além de te empurrar para fora da tua terra, sobre ela avança o seu domínio e que onde chega leva uma mão de aço, de tanques, de canhões, de desespero e agonia que mata, esmaga, viola, condena. Imagina que além de te tirarem a terra, te matam a família, desfazem a cara do teu pai com uma coronha, violam a tua mãe. Imagina que depois voltam e humilham-te à porta da tua própria casa, que te espancam, cospem e roubam. Imagina que quando encontras a tua mulher, ela está em sangue numa esquina esperando a morte porque um morteiro desfez a escola onde ela trabalhava. Imagina que os teus filhos devem ajoelhar-se diariamente ao invasor da tua terra para poderem deslocar-se entre casa e escola. Imagina que a tua lei, a lei do teu país, que construíste a passo e passo, foi esventrada pelas balas dos impérios poderosos que te olham como um animal, um animal pronto a sacrificar, a entrar nos rituais dos novos holocaustos purificadores, que uma qualquer bíblia escrita em nome de um deus desaparecido, assim ordenou. Bíblia da miséria, do desgosto, bíblia da ganância, da usurpação, bíblia do imperialismo.
Imagina que tudo isso se passa na tua terra. Não hoje. Mas todos os dias desde que acordaste. Não olharias de forma diferente para cada pedra que esvoaça furiosa contra os canhões?
Pensa num bom punhado de gente, que vê parte do seu país cedido, do seu chão entregue, da sua terra dada a outro punhado de gente, vítimas ambos das dificuldades mais áridas que possamos, eu e tu, imaginar. Uns sacrificados à loucura e à ganância, bodes expiatórios do capitalismo, chacinados, queimados, gaseados; outros vivendo sufocados pelas guerras mais antigas da história, no deserto das emoções dos países ricos, vezes sem conta reconstruíndo o seu próprio país.
Imagina um povo que aceita um Estado plantado no seu solo, que decide partilhar a terra com quem dela precisa e sempre a procurou. Um povo que recebe dentro do seu país, a pátria ensanguentada de um povo desterrado.
Imagina que a paz foi sacrificada em todas as cidades, em todos os altares, porque quem chegou de novo quis mais, quis em nome da sua bíblia de sangue e violência, ter a terra dos outros, não em harmonia, mas em absoluta hegemonia. Imagina que o teu convidado, te fica com a casa. Parece um mundo absurdo, um mundo diferente. Mas é este.
Imagina que além de te empurrar para fora da tua terra, sobre ela avança o seu domínio e que onde chega leva uma mão de aço, de tanques, de canhões, de desespero e agonia que mata, esmaga, viola, condena. Imagina que além de te tirarem a terra, te matam a família, desfazem a cara do teu pai com uma coronha, violam a tua mãe. Imagina que depois voltam e humilham-te à porta da tua própria casa, que te espancam, cospem e roubam. Imagina que quando encontras a tua mulher, ela está em sangue numa esquina esperando a morte porque um morteiro desfez a escola onde ela trabalhava. Imagina que os teus filhos devem ajoelhar-se diariamente ao invasor da tua terra para poderem deslocar-se entre casa e escola. Imagina que a tua lei, a lei do teu país, que construíste a passo e passo, foi esventrada pelas balas dos impérios poderosos que te olham como um animal, um animal pronto a sacrificar, a entrar nos rituais dos novos holocaustos purificadores, que uma qualquer bíblia escrita em nome de um deus desaparecido, assim ordenou. Bíblia da miséria, do desgosto, bíblia da ganância, da usurpação, bíblia do imperialismo.
Imagina que tudo isso se passa na tua terra. Não hoje. Mas todos os dias desde que acordaste. Não olharias de forma diferente para cada pedra que esvoaça furiosa contra os canhões?
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