Como já foi aqui referido, o PS, o PSD, o BE e o CDS-PP apresentaram em conjunto um Projecto de Resolução à Assembleia da República que se afirma como recomendação ao Governo no sentido da minimização de comportamentos de risco e violentos em meio escolar. Na sequência desse Projecto de Resolução, pouco se pode esperar que aconteça já que mesmo o seu agendamento dificilmente terá lugar.
De facto, uma das poucas consequências que esse Projecto de Resolução pode ter é legitimar a acção governativa que agora se nos apresenta como milagreira solução para os problemas da indisciplina.
Não terá passado despercebida a ninguém a campanha brutal que Governo e Comunicação Social, com uma ajudinha do Parlamento, levaram a cabo para agigantar a dimensão dos fenómenos de violência escolar e de indisciplina. Em poucas semanas, as televisões e jornais promoveram a ideia de que as escolas portuguesas são ambientes de guerra permanente, em que os assaltos e as agressões são acontecimentos banais. Foi cultivado um cenário de permanente desrespeito pelo professor, fazendo com que as vozes do tempo do fascismo viessem espalhar aos quatro ventos as virtudes da palmatória para fazer frente a essa libertinagem que grassa por aí entre os estudantes, vândalos que são como todos sabemos.
Criada e alimentada que foi, portanto, a ideia de que as escolas portuguesas são um antro de comportamentos violentos e de risco, importava agora criar e alimentar uma outra ideia: a de que o professor é permanentemente desautorizado pelos estudantes devassos e pela lei burocrática. Está montado o cenário para uma operação política justificada. Criou-se o caldo de cultura necessário às medidas que o Governo já tinha previstas – simples. No dia em que a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura se deslocou a escolas públicas em Lisboa e Porto no âmbito do seu Grupo de Trabalho para a Violência nas Escolas, já a Ministra da Educação anunciava na rádio que estava a finalizar um documento que iria resolver o problema. Aliás, seria necessária ingenuidade a mais para achar que o Grupo Parlamentar do PS, o Presidente da Comissão de Educação e a Ministra, não teriam combinado a estratégia para fazer aprovar o texto que agora o Governo apresenta – a Proposta de Lei 140/X – altera o Estatuto do Aluno do Ensino não Superior.
Aí estão os resultados do trabalho articulado entre Governo, Comunicação Social e Comissão Parlamentar de Educação, com o contributo do partido do Governo, do PSD, do BE e do CDS, que embarcaram sem cerimónias no teatro, cujo encenador é o próprio Estado Burguês.
A questão ideológica, central portanto, que está em causa é a do papel do Estado na eliminação das assimetrias e dos conflitos sociais, também pela via da Educação. Terá o Estado o dever de garantir a eliminação das injustiças sociais que originam os cenários de violência, reproduzindo os fenómenos sociais que caracterizam as relações humanas no seio da sociedade capitalista. A promoção da competição, do individualismo, da dominação, ao invés da cooperação, do humanismo e da convivência; é hoje um constante resultado do próprio modelo social em que nos organizamos. Agir contra a violência em qualquer meio, mesmo o escolar, não pode partir de uma perspectiva meramente sancionatória e autoritária, varrendo os problemas para o plano da insignificância no plano do espectro visível da burguesia, ou seja, agravando-o no espectro visível das camadas mais pobres da população, as do proletariado e do lumpenproletariat.
O que este Governo do Partido Socialista faz, no entanto, é exactamente isso. A forma milagreira como promove a autoridade e a vigilância são bem demonstrativas da sua perspectiva de classe. As sanções e “medidas correctivas” que a Ministra da Educação apresenta como capazes de vir a diminuir a indisciplina mais são senão as medidas necessárias para fazer desaparecer o problema de dentro das escolas de elite, mesmo que isso signifique, na realidade, o agravamento do problema no conjunto da sociedade, agudizando a exclusão social, o insucesso e abandono escolar, motivando uma sociedade cada vez mais violenta e menos democrática.
A perspectiva de classe do Governo toma o partido da burguesia e da exclusão social, garantindo mais um passo na elitização do acesso à educação e à cultura.
A desresponsabilização do Estado perante a Educação, por um lado, perante as assimetrias e injustiças sociais, por outro, deixa um problema por resolver que é o de quem assume, então, as responsabilidades. A forma engenhosa como o Governo vem anunciar o reforço da autoridade do professor (curiosamente fá-lo por decreto depois de lhes ter diminuído a carreira ao plano da insignificância social) acaba por ser mais uma forma de desresponsabilizar o próprio Estado.
Ora, o professor passa a ser o culpado e o responsável pela situação de indisciplina sempre que não tiver capacidade de implementar o regime autoritário que a Proposta de Lei prevê. Primeira etapa de desresponsabilização do Estado – cumprida.
Claro que o estudante é alvo de uma campanha ofensiva brutal pela via deste novo estatuto que mais não vem senão agravar o original. O estudante é o problema, retirando-o da escola, o problema desaparece. Tal é a perspectiva do Governo perante uma matéria tão importante. As medidas “correctivas” propostas vão ao ridículo de ser autênticas sanções sem qualquer carácter pedagógico – desde impedimento de participação em actividades extra-curriculares a proibição de utilização de equipamentos escolares. (o menino João portou-se mal já não pode usar o computador da biblioteca!).
O Governo responsabiliza assim o Estudante e o Professor, numa atitude que acaba por ter um efeito meramente dissimulador da realidade. Na verdade os problemas agravar-se-ão, mas não importa. Importa é a conquista do Governo – a ideológica e pragmática: desresponsabilizar o Estado pela Educação e garantir a sua elitização, diferenciada entre escolas e graus de Ensino.
Entretanto o PCP, apresentou um Projecto de Resolução sobre a mesma matéria, mas na perspectiva de classe diametralmente oposta.
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2 comments:
Em qualquer cidade, vila ou aldeia de Portugal a parte velha é sempre mais bonita do que a nova?
terei sido o único a anhar com o comentário do kanoff?
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