Acontecimento insólito. Estava nas traseiras do palco do Concurso Nacional de Bandas para o palco Novos Valores da Festa do Avante! e que decorria no Largo Camões - promovido pela Juventude CDU de Lisboa - e aguardava pacientemente os "strike back"* para os levar a jantar no Centro de Trabalho Vitória na Avenida da Liberdade. Estava, portanto, dentro da carrinha à espera que os 3 elementos dessa banda chegassem acompanhados do pai de um deles para que também eles pudessem comer o frango assado que a JCP disponibilizou para os membros de todas as bandas que participaram nesta fase do concurso nacional de bandas.
Mesmo por detrás do palco a música fazia-se ouvir a bom som e eu tinha a janela da carrinha aberta. Uma senhora, de olhos claros, idade pesada, uma sacola na mão direita e o cabelo cinzento dos anos, aproximou-se naturalmente da janela onde o meu braço esquerdo se atirava cá para fora. Chegou-se bem perto da janela da carrinha:
"sabe menino, eu gostava mais do Carvalhas..."
não sei que cara fiz... surpreendido pela conversa que seguiu.
- mas do Jerónimo... também gosta?
- gosto, gosto, mas gostava mais do Carvalhas, era muito boa pessoa.
- era sim, mas o Jerónimo também é, não pense que não.
- mas o Carvalhas uma vez, estava eu na fila do supermercado e ele vinha à minha frente mais a sua esposa e diz ele à senhora: "deixa passar a senhora que vai mais carregada". foi muito amável, gostei muito do senhor Carvalhas.
- ah, mas olhe que o Jerónimo faria o mesmo.
(...) assim começou uma conversa de 10 minutos. curta mas impressiva. real.
- olhe menino, olhe o que lhe digo: já trago 83 anos de vida e digo-lhe que já vi muita coisa. e digo-lhe isto: este governo não chega ao fim do mandato.
- acha?
- tenho a certeza, eles andam a trabalhar para encher os bolsos dos estrangeiros à nossa custa. e sempre com aquele ar de finos, de filhos da puta, é o que são. aquele sócrates sempre arrogante com a mania...
- pois, enriquecem sempre os mesmo à custa da gente...
- ouça menino, não chegam ao fim do mandato. não podem fazer-nos isto. estamos todos pobres e eu fiz uma vida de trabalho para chegar agora e ter 240 euros para viver.
uma lágrima começa a descer-lhe o rosto quando anuncia trémula:
- pago 120 euros só por uma cama onde dormir.
estremece mais e chora abertamente:
- tenho de ir para fora de lisboa pedir, porque tenho vergonha... eu, que nunca pedi na minha vida...
um arrepio tomou-me o corpo ainda incrédulo pelo momemto, enquanto a senhora limpou as lágrimas e virou as costas a caminho da sua casa.
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2 comments:
impressionante o teu relato. espero que a senhora tenha razão e que ela não tenha mais que pedir para comer.
Belo relato!
Ainda por cima fizeste-me lembrar um tempo em que o Hotel Vitória era o princípio e o fim de tantas e tantas das minhas (para aí mil?) viagens para os históricos "cantos livres".
Gostei.
Abraço.
Ficas na lista de preferidos do meu blog "cantigueiro"
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