Inicia-se mais um ano lectivo para todos os estudantes. Uns regressam à instituição de ensino superior, outros à escola básica e secundária. Outros entram pela primeira vez numa destas instituições. Mas todos pagam. Em média, todos se preparam para pagar mais de 500 euros só para o arranque do ano lectivo e os estudantes do Ensino Superior preparam-se mesmo para desembolsar dois salários mínimos e meio para validar a sua matrícula a que se juntarão os gastos com habitação, materiais e alimentação. Neste grupo de estudantes do Ensino Superior, falta referir os estudantes do privado, aqueles que pagam por mês quase o mesmo que os do público pagam por ano. Principalmente aqueles que estudam no ensino privado porque não têm outra possibilidade. Claro que, para a maior parte destes estudantes, do secundário ou do superior, desporto, cultura, lazer, passarão a ser luxos de difícil acesso, na medida em que a maior parte deles não tem dinheiro para usufruir desses bens imateriais e outra boa parte terá de colocar à venda a sua força de trabalho para poder suportar os gastos com o Ensino. Alguns deles terão a possibilidade de recorrer ao estatuto do trabalhador-estudante, outros não.
É assim que se inicia o ano lectivo para os estudantes portugueses. Ao contrário da imagem criada pelo Governo do Partido Socialista e pela propaganda metralhada e ventilada diariamente pelos meios de comunicação social dominantes. Ao contrário do país das maravilhas onde todos têm computadores, onde todos sorriem no caminho para o primeiro dia de aulas.
No país real em que vivemos, os professores são confrontados com a maior ofensiva aos seus direitos de que há memória desde a revolução de Abril; os estudantes vêem cada vez limitada a sua capacidade objectiva de progressão escolar, principalmente por motivos sociais e económicos, a escola pública é gradualmente destruída e colocada ao serviço dos grandes interesses económicos que fazem do Governo actual um fantoche.
Todas as medidas que o Governo tem tomado na área da Educação são apresentadas publicamente como grandes avanços civilizacionais e mesmo tecnológicos. A nós, jovens comunistas, cabe-nos questionar o carácter de classe e o âmbito estratégico das medidas.
Alinhado que está o Governo do PS com as orientações nacionais e internacionais do grande capital, mais claras ou mais obscuras que sejam, não podemos desligar a sua política educativa dessa sua estratégia desmanteladora e privatizadora do serviço público. Encontramo-nos numa fase histórica em que o Capital reivindica para si um conjunto de áreas centrais do serviço público. Áreas que antes não se colocavam nos patamares da rentabilidade, agora representam amplos mercados geradores de gigantescas mais-valias políticas e económicas. A Educação é exactamente uma dessas áreas. Se, por um lado, podemos constatar que o Capital sempre influenciou, através dos governos que controla, os conteúdos escolares; por outro, é manifestamente clara a pressão crescente que aplica no sentido de se colocar directamente na gestão do Ensino. Na verdade, esse é o passo que faltava dar na legislação portuguesa. Claro que a desresponsabilização do Estado no processo educativo da população, o sub-financiamento do sistema de ensino, o encerramento de escolas, a ausência de um sistema de acção social escolar capaz e eficiente, a juntar aos exames nacionais, ao numerus clausus e às propinas sempre foram determinantes factores para o crescimento do papel do Ensino Privado na Educação da população. Mas a reivindicação do Capital é mais exigente. E aí está o Governo do PS, servindo interesses bafientos e retrógrados, a satisfazer as exigências dos grupos económicos.
O Estado “peso-pluma”, o Estado mínimo é o paradigma claro do Estado ideal para o funcionamento neo-liberal do mercado capitalista. A Educação, na óptica da obtenção e maximização do lucro e do controlo político, não é um santuário resguardado dessa acção predatória. Pelo contrário, pelo volume de capitais que implica (o dobro do mercado automóvel mundial) e pela importância política e estratégica que representa na moldagem das características da mão-de-obra e da sociedade, esta é uma área sobre a qual o Capital não pode deixar de querer lançar a mão.
Durante os últimos dias de aulas do anterior ano lectivo (2006/2007) o Governo apresentou na Assembleia da República o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior e o Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário. Semanas antes havia apresentado também o Regime Jurídico da Avaliação da Qualidade no Ensino Superior. Nenhum destes diplomas se desvia daquilo que são os objectivos centrais da política de Ensino do Governo – desmantelar, elitizar, privatizar.
No Ensino Superior (i)
Num processo de discussão pública que demonstra bem a noção de “democracia” do Partido Socialista, o Governo e o Grupo Parlamentar do PS, fizeram aprovar em 13 dias o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. Nesse período não aceitaram sugestões de nenhum partido da oposição, não acolheram as críticas de estudantes nem de professores. Durante as férias do Verão, a Lei é promulgada pelo Presidente da República e publicada. A lei mais estrutural para o Ensino Superior, a que mais transformações implica é aprovada pela calada, numa altura deveras complicada para a mobilização estudantil e dos professores. Simultaneamente, o Governo consegue, através das raízes manipuladoras e de instrumentalização que espalha através do Movimento Associativo Estudantil do Ensino Superior, um relativo silêncio.
O Regime Jurídico das Instituições, a que se junta incontornavelmente o Regime Jurídico da Avaliação, é a peça central da política de Ensino Superior do Governo. A prioridade é clara e é a de entregar aos interesses privados a gestão corrente e a gestão estratégica do Ensino Superior Português na sua totalidade. A transformação das instituições de ensino superior em fundações consubstancia exactamente esse objectivo, dando corpo à vontade antiga dos grupos económicos de controlar directamente os destinos do Ensino e de absorver e arrecadar as suas mais-valias.
Mesmo no fim das férias, eis que o Governo anuncia mais uma fabulosa medida de apoio ao Estudante do Ensino Superior. Anunciou a subida do valor das bolsas? Não, pelo contrário, a sua diminuição real. Anunciou o reforço do número de cantinas e residências? ou a diminuição do preço social da refeição? Não, pelo contrário, anunciou a privatização das cantinas e residências e o aumento do preço social da refeição. Anunciou o alargamento da base de atribuição de bolsas sociais? Não, pelo contrário, anunciou a sua contracção. Anunciou os empréstimos bancários! Encoberto pela capa da modernidade e da preocupação social, o governo consegue levar a diante uma medida que mais não é senão a promoção do lucro da banca de forma que é tudo menos social – já que consiste no empobrecimento do estudante e da população – e que é tudo menos moderna – já que o crédito e o endividamento são, infelizmente, recursos bem conhecidos pelos trabalhadores há muitos e muitos anos. Mas não chegava o Estado contratar com a banca um regime de empréstimos que fosse favorável ao lucro, havia que ir mais além. E, como se não bastasse a ofensiva, o governo anuncia também a fragilidade crescente da acção social e estimula o recurso aos empréstimos bancários como solução de recurso. Com esta operação, o governo dá um passo de gigante para o fim da acção social escolar e pública ao mesmo tempo que entrega um sem número de novos clientes à corja de parasitas que actualmente acumula mais lucros do trabalho do povo português.
No Básico e no Secundário (ii)
Mesmo nos Ensinos Básico e Secundário, a linha de acção é a da destruição do serviço público e da sua conversão em mercado. O encerramento generalizado de escolas – atingindo 45,7% do total de escolas do primeiro ciclo do básico até 2009 – é prova da política de encerramento do serviço público e da estratégia de litoralização do país (sendo que a esmagadora maioria das escolas que encerram se localizam no interior centro do país) que corresponde perfeitamente aos desígnios actuais do grande capital.
O Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário, actualmente em discussão na especialidade porque o Governo falhou na intenção de o fazer aprovar na Assembleia da República antes das férias de Agosto de 2007, é outro documento altamente reaccionário.
Partindo de uma imagem de contínua violência em meio escolar criada pelo próprio Governo com a ajuda sempre prestável da Comunicação Social, é apresentado pelo PS o Estatuto do Aluno. Durante semanas a fio, a comunicação social veiculou a ideia de que a Escola Pública é um cenário de guerra permanente, de desautorização do professor, de roubos, agressões e outras tipologias de crime. Durante essas mesmas semanas, o Ministério da Educação acompanhou premeditadamente essas preocupações injectadas no público. Durante essas semanas, o Governo criou as condições subjectivas para a tolerância pública a medidas profunda e preocupantemente securitárias e autoritárias.
É isso que é materializado no Estatuto do Aluno. O agravamento das sanções e a ampliação das situações de aplicação das mais graves. A centralização da autoridade na figura do Presidente do Conselho Directivo à velha maneira do reitor do fascismo. A expulsão da escola como medida que resolve todos os problemas e a consagração de medidas repressivas e sancionatórias sob a máscara de medidas correctivas, como o impedimento de utilização de equipamentos da escola, ou o impedimento de acesso às actividades extra-curriculares. Está visto, pois claro, que se o Estudante for impedido de consultar os livros da biblioteca da sua escola, ou se for impedido de participar no clube de teatro ou de xadrez, isso será uma motivação para a sua integração no meio escolar e para a sua correcção.
Este Estatuto plasma bem a visão elitista do Governo: a escola deixa de ser um instrumento da sociedade para si própria e passa a ser uma entidade externa, fechada sobre os interesses dos “mercados”. A escola deixa de ser um espaço permeável com o meio em que se insere e passa a ser uma fortaleza resguardada. Se expulsarmos da escola o estudante problemático, o problema, à luz da política deste governo fica resolvido. Na análise de um jovem comunista, o problema agrava-se substancialmente. A expulsão de um estudante acaba por redundar no agravamento e perpetuamento das condições sociais que deram origem a essa expulsão. As assimetrias que se verificam na sociedade, com expressão no acesso à educação, acabam por ser fomentadas com este tipo de política autoritária. A componente preventiva, a promoção de práticas e projectos educativos humanizados e a aposta na formação cultural integral do indivíduo são esquecidas para dar lugar a câmaras de vídeo-vigilância, a cartões electrónicos, a cadastros do estudante, a suspensões e expulsões expeditas sem recurso a conselho de turma.
(iii)
Os sorrisos televisivos estampados nos jovens figurantes que o Governo desencanta para as suas acções de propaganda, os olhos brilhantes do estudante que navega na Internet através de uma ligação de banda larga na sua escola bonita, o olhar contente dos papás entusiasmados com o miúdo que tem inglês a partir do básico contrastam vivamente com o estudante que treme de frio na sala de aula; com o estudante ao seu lado que foge das gotas de chuva que pendem do tecto; com o estudante que gasta a mesada na papelaria a tirar fotocópias para estudar ou no acesso a Internet num posto de acesso privado, porque os públicos raramente têm impressora; com o estudante que conta abandonar a escola assim que atinge os 16 porque tem de ir ajudar nas economias lá de casa; com o estudante que faz contas à carteira do pai porque as propinas da faculdade privada custam quase um salário por cada mês que passa e a sua irmã já estuda no ensino superior público numa terra longe da sua; com o desespero e desilusão dos pais que não podem comprar todo o material (livros, cadernos, mochila, lápis, canetas) para o filho que inicia um dos anos do ensino básico; com o estudante que é forçado a prolongar as suas matrículas até ao limite da prescrição para ir trabalhar para pagar o seu próprio curso.
A Educação em Portugal não precisa de espasmos mediáticos, nem de sorrisos contratados à hora. A Educação em Portugal não precisa de ser entregue aos privados nem financiada pelo estudante. A Educação em Portugal precisa, isso sim, de uma política de combate ao controlo e à hegemonia do grande capital, de uma política suportada nos agentes educativos, de democracia e participação, de investimento público e de qualidade assegurada pelo Estado. Só a gratuitidade do Ensino em todos os seus graus garante a responsabilização do Estado, só essa conquista garantirá a soberania educativa e tecnológica do país e a crescente consciencialização e educação do povo português rumo ao desenvolvimento verdadeiramente democrático e equilibrado.
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