Friday, January 04, 2008

in absentia

Há, por todas as auto-proclamadas “democracias do mundo civilizado”, uma tendência generalizada de construção de paradigmas conceptuais. Aquilo que vamos presenciando em Portugal é, cada vez mais, apenas uma variante comportamental da orientação mundial dos Estados capitalistas. O aumento e a intensificação de políticas que ofendem objectivamente os direitos das populações, principalmente das camadas trabalhadoras, geram ondas de descontentamento que crescem na mesma proporção e que atingem, em muitos e cada vez mais casos, a expressão da luta, seja através de greve de massas ou de manifestações e outras acções.

Os governos bem-mandados pelos grandes grupos económicos não podem, no entanto, permitir-se a nenhum refluxo histórico. Pelo contrário, o capitalismo, à medida que se encaminha para o seu fim, acentua as suas características repressoras e agressivas. Não integra o seu código genético a capacidade de gerir necessidades das populações, na medida em que isso influi directamente com os interesses conjunturais dos grupos económicos. Ou seja, a visão estratégica da organização social da burguesia é, embora assustadoramente inteligente, incomparavelmente mais reduzida que a visão estratégica dos socialistas.


Enquanto a perspectiva socialista perante a economia assenta na planificação da melhoria das condições de vida da classe maioritária e na erradicação das classes sociais, a perspectiva capitalista assenta principalmente sobre a acumulação de riqueza em franjas da classe dominante, que, inclusivamente, se degladiam entre si. Isto significa também que o alcance estratégico do socialismo é incomparavelmente maior que o do capitalismo, sendo que o deste se prende principalmente com os interesses conjunturais e circunstanciais desta ou daquela franja. Mesmo em momentos de estabilização e conservação das forças e riquezas nas mesmas franjas da burguesia, os seus interesses nunca ultrapassam a necessidade e ambição do seu próprio crescimento.


À medida que estes interesses, nas suas conhecidas oscilações, vão cimentando o seu domínio económico sobre a distribuição da riqueza, os jovens, as mulheres e os trabalhadores em geral, vão sendo limitados nos seus direitos materiais: do trabalho e da habitação à alimentação, passando pelo acesso à Educação e à Saúde. Isto significa que o sistema capitalista e os seus estados têm um cada vez maior papel na contenção da luta. Exige-se portanto às ditas “democracias modernas e civilizadas” que exerçam a mais forte diversão sobre as massas, no sentido de as alhear da realidade material, projectando o pensamento colectivo para a esfera do idealismo.


No entanto, os Estados capitalistas e os seus senhores sabem bem que não basta limitar no plano das ideias a capacidade criativa das massas: é preciso limitá-la no plano material.
Além dos retrocessos civilizacionais que representam as retiradas de direitos em pacote, a diminuição dos salários, as privatizações, os actuais governos, independentemente de estarem nas mãos dos ditos “socialistas” ou “sociais-democratas”, “liberais” ou “conservadores”, “esquerda” ou “direita” (nas suas concepções vazias), criam todas as condições para a adopção do Estado policial como forma paradigmática do Estado.

In presentia, os governos propõem a criação de um Estado que dispõe dos mecanismos tecnológicos necessários à investigação criminal através do cadastro global de comunicações e transferências de dados entre todos. In absentia, os Governos lançam a passadeira para um estado policial que se vai desenhando como a raiz do fascismo.


Os objectos sintagmáticos são apenas os instrumentos que o Estado vai utilizando para construir o paradigma: a nova geração de fascismo que se vai preparando como forma de dar resposta ao descontentamento que o próprio capitalismo vem gerando. Contra esse paradigma, confiamos, certamente se levantará em luta o povo trabalhador.

8 comments:

Sérgio Ribeiro said...

Excelente texto. Porque é resultado de reflexão, porque reflecte e porque faz reflectir.
Diria, por isso, e redundantemente, que é um texto reflexo do tempo que vivemos.
Um grande abraço.
E quando é que nos encontramos?

Anonymous said...

Há tempos que não lia uma coisa tão boa.

Anonymous said...

Após a rutura desta GLOBALIZAÇÃO capitalista, Só através da força vai ser possível travar a ira dos explorados, no mundo!
josé manangão

miguel said...

tens lido pouca coisa, paulo!

Anonymous said...

Esqueci-me de acrescentar "nas minhas visitas bloguistas."

samuel said...

Também ando a ler pouco, certamente... :)
Muito bom!

Anonymous said...

Texto muito bom Camarada. Tal como o seguinte. Escreves e pensas bem. Não apenas porque estás do lado certo (sim, ao contrário do que diz a tralha pós-modernista, há mesmo lados opostos da barricada), mas também porque nota-se o teu esforço de reflexão e de problematização ancorado na realidade. Para a transformar, o que é sempre o mais importante.

Um abraço

P.S. desculpa a ousadia mas porque não envias textos teus deste género para sites progressitas como o Diário, Resistir, etc.?

miguel said...

claro que há lados opostos. Julgo que os visitantes do império partem dessa análise de classe para o seu dia-a-dia. Com pena minha, não conseguimos é, muitas vezes chegar a todos os que não têm ainda essa compreensão. a ofensiva é tal que o nosso caminho está cada vez mais dificultado.

maior o esforço que se exige, pois!

eu não tenho o hábito de mandar nada para lado nenhum. displicência minha talvez. o império é de citação livre e sempre que alguém quiser divulgar algum texto está à vontade, como aliás aconteceu com um texto no passado, divulgado exactamente em odiario.info.

abraço comunista