Saturday, October 11, 2008

Os destacados dissidentes

Uma vez mais se voltou a colocar a questão da natureza dos mandatos dos eleitos na Assembleia da República (ver aqui por exemplo). Em torno dos projectos de lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, muitos foram os deputados que não quiseram assumir a posição do seu próprio partido. É bem verdade que tudo isto é um baile de vaidades, e que a grande divergência de Alegre & Cia com o Partido Socialista só se manifesta em questões livres de política, com a honrosa excepção do Código do Trabalho. Na verdade, esse deputado, como os outros ditos pertencentes à ala esquerda do PS, raramente se opõem ou sequer questionam a linha política do PS no governo. Sejam no que toca à política orçamental, seja no que toca às questões centrais de política económica - ele é vê-los a votar contra todas as propostas de outros partidos, a favor da privatização da água, a garantir os lucros da banca, contra o aumento dos sálários e das pensões, e por aí fora...

Vem agora esse e um punhado de outros tantos afirmar-se fora da linha do partido, porque fica sempre bem dar aquele ar de senhor do seu nariz, de homem fiel às suas convicções e de pastor entre um rebanho tão grande de ovelhas, quando na verdade, não passa de uma ovelha a quem deram outro papel. Ora que seria do PS sem Alegre? Há muito que muitos se haviam desiludido irreversivelmente. Mas assim não, assim resta uma esperança na tal ala esquerda do PS de que todos falam mas nunca ninguém viu. Esse é o seu papel enquanto ovelha no meio do rebanho "socialista": parecer diferente para garantir que tudo continua igual.

A personificação total do mandato do deputado, como defendeu Alegre nas últimas declarações que fez na comunicação social, constitui um perigo para o regime democrático. A simplificação que Alegre e outros dessa estirpe que de tão vaidosa só se vê a si própria nas esperanças dos outros, representa um exercício de maldade anti-democrática com um intuito egocêntrico por detrás. Alegre aproveita cada episódio para se promover, criticando um sistema que sabe estar mal visto aos olhos do povo. Sabe-o bem e sabe também por que está mal visto. Mas também sabe que ele tem dado um contributo inestimável para a degradação do regime democrático. Isso, no entanto, jamais assumirá. Antes pelo contrário, prefere cavalgar os danos que já causou, juntamente com o seu partido, para agora desacreditar o regime e aparecer como cavaleiro de armadura brilhante pronto a salvar-nos da desgraça em que caiu a república.

O mandato dos eleitos na assembleia da república é, constitucionalmente, atribuído a um indivíduo, embora pertença ao povo. No entanto, é obrigatório que esse indivíduo ou conjunto de indivíduos sejam incluidos numa lista partidária para poderem candidatar-se à Assembleia da República. Isso não é por acaso. A constituição estabelece um regime partidário porque são os partidos as únicas estruturas capazes de assumir perante o povo a responsabilidade de disputar o poder e, por isso mesmo, estão sujeitos a regras a que mais nenhuma entidade, individual ou colectiva, está. Um partido assume perante a população um papel especial, de responsabilidade, de apresentação de programa e projecto, de compromisso que ultrapassa em todas as medidas o alcance do indivíduo. As listas para a Assembleia da República não são meras listas de pessoas: são listas de pessoas que subscrevem e aceitam um programa com o qual se comprometem perante o seu partido, mas acima de tudo, perante o povo português.

Portanto, ainda que o mandato esteja confiado a um indivíduo, o seu exercício é orientado segundo os compromissos que assumiu perante o povo. Da mesma forma, a segurança da democracia depende da forma como os partidos exercem os mandatos, pois serão eles os "julgados" nas próximas eleições e, em última instância, todos os dias. Pode Alegre dizer que agiu segundo a sua consciência e com isso angariar mais umas simpatias, mas o que não pode esconder é que a sua consciência é uma entidade débil, para dizer o mínimo. Caso contrário, como explicar que se candidate sistemáticamente nas listas do partido que mais retrocessos sociais tem trazido a portugal, como explicar que sistematicamente apoie esse partido, que lhe aprove as medidas, os orçamentos do estado? que raio de consciência...

2 comments:

Manuel Veiga said...

apreciei. esta pedrada ... no charco!

(veremos quanto aos canhões!)

abraço

Sérgio Ribeiro said...

Mais uma reflexão... a merecer reflexão... a quem reflicta.

Grande abraço