O estado fascista, em representação dos poderes económicos da burguesia, aplica censura nos meios de comunicação social e na difusão cultural e educativa pública.
No estado burguês, não cabe ao estado esse papel, porque os poderes económicos da burguesia exercem directamente esse poder.
Tuesday, December 14, 2010
Thursday, October 28, 2010
Das liberdades individuais às colectivas, ou das Liberdades colectivas às individuais?
Existe hierarquia moral/ética/política entre a consagração da individualidade e da colectividade?
Em determinados momentos, tende a surgir com mais ênfase a problemática da "liberdade individual" como centro sagrado do direito e da política. À esquerda como à direita, as novas tendências de um certo tipo de "liberalismo" colocam aquilo a que chamam "liberdade individual" acima de toda e qualquer outra consideração, assim criando desde logo um elemento dogmático, intocável, irrevogável, na base de um raciocínio que, por isso mesmo, é indiscutível e imutável. Alguns momentos críticos da decisão política sobre aspectos concretos do direito, mesmo que diferentes entre si, partilham o facto de serem muitas vezes construídos em torno dessa discussão.
Por exemplo: a despenalização do aborto, a liberalização/regulamentação do consumo de drogas, a regulamentação da prostituição como profissão, entre outros.
A perspectiva burguesa, em Portugal quase linearmente traduzida nas posições do BE e nas tomadas de posição de alguns elementos dos partidos de direita que assim visam promover a sua imagem de modernidade contra o "conservadorismo moral" dos seus partidos, é elementar e põe em risco uma abordagem séria aos diversos problemas sociais que decorrem da sacralização das tais "liberdades individuais". Tomemos como exemplo a discussão em torno da liberalização da interrupção voluntária da gravidez.
Enquanto os grupos esquerdistas assentavam toda a sua campanha na valorização da liberdade individual da mulher, recorrendo até a uma linguagem radicalista que toma a árvore pela floresta, os comunistas sempre encararam a sua acção com base numa perspectiva social (que parte do colectivo para o individual), com vista à minimização dos impactos sociais e pessoais do aborto clandestino e da estigmatização da mulher das camadas trabalhadoras, assim possibilitando um mecanismo de controlo da mulher explorada sobre o seu próprio ritmo reprodutivo. Ao contrário, o discurso esquerdista assentou sempre numa hiper-valorização da posse individual do corpo e da livre utilização que a mulher deve fazer dele, consoante entenda. Ora, não podemos eliminar, obviamente, a componente individual da decisão, da escolha e da planificação reprodutiva. Mas o que não podemos mesmo é eliminar a abordagem de classe, necessariamente social e colectiva da equação, como o fazem sistematicamente os "modernistas", os esquerdistas e os que, sendo conservadores em tudo, aparentam ser "progressistas" no que a direitos individuais diz respeito.
Ora o Direito acaba por ser precisamente o instrumento de limitação das liberdades para garantir a concretização plena de direitos, no quadro das possibilidades de gestão dos direitos conflituosos, mas sem deixar, em momento algum, de traduzir as relações sociais e materiais dominantes. A colocação dos direitos individuais acima de qualquer direito colectivo, ou do equilíbrio entre direitos e liberdades, distorce a noção de direito, agravando o seu pendor burguês.
Ora, a introdução, no Direito, de normas que despenalizem, ou penalizem, pelo conrário, determinada concretização de um comportamento individual, não pode ser dissociada da análise de classe sobre os efeitos e a forma diferenciada como se repercutem esses comportamentos, ao longo de cada camada social, de cada classe. É perfeitamente compreensível que a burguesia defenda, numa perspectiva indivualista e classista, a liberalização e regulamentação do comércio, venda e consumo de drogas, tal como é compreensível que defenda o mesmo em relação à prostituição. Afinal de contas, todos temos a tendência de analisar a realidade à luz da nossa experiência. E é verdade o que dizem os partidos burgueses, da esquerda à direita, sobre consumo de drogas, ou sobre prostituição, quando afirmam que só consome quem quer e que só se prostitui quem quer. É verdade, no quadro da realidade a que eles próprios pertencem. O que não significa, como é óbvio, que seja verdade, em todos os universos sociais. Aceitemos que a burguesia, só recorre à prostituição dos seus membros em casos especiais, por deboche, por gosto, ou pura e simplesmente, porque assim quis. Aceitemos que a burguesia consome drogas recreacionais, ou outras, usando o direito que tem sobre o seu próprio corpo e que não aceita que lhe imponham regras proibicionistas que prejudiquem a concretização desse "direito".
Tudo isso pode ser verdade no universo das camadas burguesas da população, ou mesmo das que hoje elevam aos patamares da burguesia o seu estilo de vida, a sua cultura, ainda que lhe não pertençam efectivamente. Aceitemos isso.
Ainda assim, uma questão se levanta e não pode, ser escondida: a esmagadora maioria dos toxicodependentes, dos homens e mulheres prostituídos, não são certamente membros dessas classes sociais privilegiadas. Antes pelo contrário, pertencem uns ao operariado e outros ao lumpen, essencialmente. Ou seja, a generalidade dos que, de facto, acabam por recorrer a esse tal "uso de um direito individual" fazem-no à luz de uma realidade completamente distinta, senão oposta, da que a burguesia vive e usa como base do seu raciocínio. A predominância da cultura burguesa, estimulada pelo poder político e económico, afirma no entanto o objectivo de impor a abordagem individualista sobre o "uso dos direitos" sobre uma abordagem colectiva desse "uso".
Enquanto que o burguês afirma que o "corpo é meu e faço com ele o que quero", milhares de trabalhadores sem emprego, ou milhares de homens e mulheres sem relação com o sistema social, excluídos ou apartados, recorrem a isso que o burguês diz que faria se quisesse (mas não faz) para garantir a sua sobrevivência.
O burguês pode, pelas suas condições culturais, sociais e económicas, pelo acesso aos cuidados de saúde, pelos conhecimentos que detém, fazer um uso esporádico e racional de drogas recreativas, ou até mesmo gerir uma eventual dependência. Daí ele próprio não encontrar quaisquer motivos para a proibição dessa sua "liberdade individual". No entanto, ignora, ou quer fingir que ignora, que os milhares de pessoas que caem nas redes e malhas da droga não dispõem dos meios, nem do conhecimento, nem das alternativas de que a burguesia dispõe. A política de regulamentação do uso e consumo de drogas deve pois ter sempre como objectivo, não a regularização e normalização dos consumos, mas o combate à alienação e ao alastramento do consumo.
Da mesma forma, para que o burguês tenha direito a dizer que se prostitui se lhe apetecer, milhares de mulheres e homens se prostituem sem nunca lhes terem perguntado se querem ou não fazê-lo mas porque as circunstâncias da sua vida ditaram que a prostituição era a solução para a sobrevivência. E mesmo que o burguês alguma vez concretizasse essa sua vontade (de supostamente se prostituir), estaríamos, ao regularizar a profissão, a aceitar que a vontade de uns poucos se prostituírem por vontade se sobreporia à necessidade de combater o que sucede a outros tantos que não optam nem podem optar. Por isso mesmo, enquanto houver uma só mulher que o faz por não ter outra escolha, a regulamentação dã prostituição é apenas a sua aceitação legal, no direito, assim sobrepondo o direito a usar uma prostituta ou um prostituto ao direito que todos devemos ter de nunca ser confrontados com a necessidade de nos prostituirmos.
Por outro lado, tanto no caso das drogas como no da prostituição, a regulamentação legal com vista à criação de âmbitos comuns de comércio e negócio acarreta a aceitação do tráfico (ainda que legal) da alienação como negócio e mercado; e a conversão do corpo e do amor, do sexo e do sentimento, em ferramenta de trabalho, posse de um patrão, ou alugado à hora a um usufrutuário temporário.
Continuo a colocar como objectivo a libertação do ser humano, não dos problemas que se colocam a quem quer ser prostituto mas não encontra regulamentação, mas da humilhação da prostituição. Continuo a colocar como objectivo a libertação do ser humano, não das chatices que se colocam a quem quer fumar um charro e não pode, mas da praga da droga, da alienação e da doença.
Em determinados momentos, tende a surgir com mais ênfase a problemática da "liberdade individual" como centro sagrado do direito e da política. À esquerda como à direita, as novas tendências de um certo tipo de "liberalismo" colocam aquilo a que chamam "liberdade individual" acima de toda e qualquer outra consideração, assim criando desde logo um elemento dogmático, intocável, irrevogável, na base de um raciocínio que, por isso mesmo, é indiscutível e imutável. Alguns momentos críticos da decisão política sobre aspectos concretos do direito, mesmo que diferentes entre si, partilham o facto de serem muitas vezes construídos em torno dessa discussão.
Por exemplo: a despenalização do aborto, a liberalização/regulamentação do consumo de drogas, a regulamentação da prostituição como profissão, entre outros.
A perspectiva burguesa, em Portugal quase linearmente traduzida nas posições do BE e nas tomadas de posição de alguns elementos dos partidos de direita que assim visam promover a sua imagem de modernidade contra o "conservadorismo moral" dos seus partidos, é elementar e põe em risco uma abordagem séria aos diversos problemas sociais que decorrem da sacralização das tais "liberdades individuais". Tomemos como exemplo a discussão em torno da liberalização da interrupção voluntária da gravidez.
Enquanto os grupos esquerdistas assentavam toda a sua campanha na valorização da liberdade individual da mulher, recorrendo até a uma linguagem radicalista que toma a árvore pela floresta, os comunistas sempre encararam a sua acção com base numa perspectiva social (que parte do colectivo para o individual), com vista à minimização dos impactos sociais e pessoais do aborto clandestino e da estigmatização da mulher das camadas trabalhadoras, assim possibilitando um mecanismo de controlo da mulher explorada sobre o seu próprio ritmo reprodutivo. Ao contrário, o discurso esquerdista assentou sempre numa hiper-valorização da posse individual do corpo e da livre utilização que a mulher deve fazer dele, consoante entenda. Ora, não podemos eliminar, obviamente, a componente individual da decisão, da escolha e da planificação reprodutiva. Mas o que não podemos mesmo é eliminar a abordagem de classe, necessariamente social e colectiva da equação, como o fazem sistematicamente os "modernistas", os esquerdistas e os que, sendo conservadores em tudo, aparentam ser "progressistas" no que a direitos individuais diz respeito.
Ora o Direito acaba por ser precisamente o instrumento de limitação das liberdades para garantir a concretização plena de direitos, no quadro das possibilidades de gestão dos direitos conflituosos, mas sem deixar, em momento algum, de traduzir as relações sociais e materiais dominantes. A colocação dos direitos individuais acima de qualquer direito colectivo, ou do equilíbrio entre direitos e liberdades, distorce a noção de direito, agravando o seu pendor burguês.
Ora, a introdução, no Direito, de normas que despenalizem, ou penalizem, pelo conrário, determinada concretização de um comportamento individual, não pode ser dissociada da análise de classe sobre os efeitos e a forma diferenciada como se repercutem esses comportamentos, ao longo de cada camada social, de cada classe. É perfeitamente compreensível que a burguesia defenda, numa perspectiva indivualista e classista, a liberalização e regulamentação do comércio, venda e consumo de drogas, tal como é compreensível que defenda o mesmo em relação à prostituição. Afinal de contas, todos temos a tendência de analisar a realidade à luz da nossa experiência. E é verdade o que dizem os partidos burgueses, da esquerda à direita, sobre consumo de drogas, ou sobre prostituição, quando afirmam que só consome quem quer e que só se prostitui quem quer. É verdade, no quadro da realidade a que eles próprios pertencem. O que não significa, como é óbvio, que seja verdade, em todos os universos sociais. Aceitemos que a burguesia, só recorre à prostituição dos seus membros em casos especiais, por deboche, por gosto, ou pura e simplesmente, porque assim quis. Aceitemos que a burguesia consome drogas recreacionais, ou outras, usando o direito que tem sobre o seu próprio corpo e que não aceita que lhe imponham regras proibicionistas que prejudiquem a concretização desse "direito".
Tudo isso pode ser verdade no universo das camadas burguesas da população, ou mesmo das que hoje elevam aos patamares da burguesia o seu estilo de vida, a sua cultura, ainda que lhe não pertençam efectivamente. Aceitemos isso.
Ainda assim, uma questão se levanta e não pode, ser escondida: a esmagadora maioria dos toxicodependentes, dos homens e mulheres prostituídos, não são certamente membros dessas classes sociais privilegiadas. Antes pelo contrário, pertencem uns ao operariado e outros ao lumpen, essencialmente. Ou seja, a generalidade dos que, de facto, acabam por recorrer a esse tal "uso de um direito individual" fazem-no à luz de uma realidade completamente distinta, senão oposta, da que a burguesia vive e usa como base do seu raciocínio. A predominância da cultura burguesa, estimulada pelo poder político e económico, afirma no entanto o objectivo de impor a abordagem individualista sobre o "uso dos direitos" sobre uma abordagem colectiva desse "uso".
Enquanto que o burguês afirma que o "corpo é meu e faço com ele o que quero", milhares de trabalhadores sem emprego, ou milhares de homens e mulheres sem relação com o sistema social, excluídos ou apartados, recorrem a isso que o burguês diz que faria se quisesse (mas não faz) para garantir a sua sobrevivência.
O burguês pode, pelas suas condições culturais, sociais e económicas, pelo acesso aos cuidados de saúde, pelos conhecimentos que detém, fazer um uso esporádico e racional de drogas recreativas, ou até mesmo gerir uma eventual dependência. Daí ele próprio não encontrar quaisquer motivos para a proibição dessa sua "liberdade individual". No entanto, ignora, ou quer fingir que ignora, que os milhares de pessoas que caem nas redes e malhas da droga não dispõem dos meios, nem do conhecimento, nem das alternativas de que a burguesia dispõe. A política de regulamentação do uso e consumo de drogas deve pois ter sempre como objectivo, não a regularização e normalização dos consumos, mas o combate à alienação e ao alastramento do consumo.
Da mesma forma, para que o burguês tenha direito a dizer que se prostitui se lhe apetecer, milhares de mulheres e homens se prostituem sem nunca lhes terem perguntado se querem ou não fazê-lo mas porque as circunstâncias da sua vida ditaram que a prostituição era a solução para a sobrevivência. E mesmo que o burguês alguma vez concretizasse essa sua vontade (de supostamente se prostituir), estaríamos, ao regularizar a profissão, a aceitar que a vontade de uns poucos se prostituírem por vontade se sobreporia à necessidade de combater o que sucede a outros tantos que não optam nem podem optar. Por isso mesmo, enquanto houver uma só mulher que o faz por não ter outra escolha, a regulamentação dã prostituição é apenas a sua aceitação legal, no direito, assim sobrepondo o direito a usar uma prostituta ou um prostituto ao direito que todos devemos ter de nunca ser confrontados com a necessidade de nos prostituirmos.
Por outro lado, tanto no caso das drogas como no da prostituição, a regulamentação legal com vista à criação de âmbitos comuns de comércio e negócio acarreta a aceitação do tráfico (ainda que legal) da alienação como negócio e mercado; e a conversão do corpo e do amor, do sexo e do sentimento, em ferramenta de trabalho, posse de um patrão, ou alugado à hora a um usufrutuário temporário.
Continuo a colocar como objectivo a libertação do ser humano, não dos problemas que se colocam a quem quer ser prostituto mas não encontra regulamentação, mas da humilhação da prostituição. Continuo a colocar como objectivo a libertação do ser humano, não das chatices que se colocam a quem quer fumar um charro e não pode, mas da praga da droga, da alienação e da doença.
Friday, October 22, 2010
Hegemonia - o retorno das distorções?
A intervenção dos comunistas, assente numa perspectiva materialista e simultâneamente pragmática e dialéctica, tem como objectivo principal a alteração, ou melhor, a superação, da actual forma de relações sociais para e por uma outra, mais avançada, fruto da primeira.
Em debate promovido pela Freguesia dos Anjos, realizado dia 21 de Outubro à noite no Mercado do Forno de Tijolo, tive oportunidade de ouvir em directo a interpretação que o BE faz da cena política actual na sua dimensão actual, pela voz de um dos participantes no debate: José Gusmão, actualmente deputado à Assembleia da República pelo BE. Estou certo de que não estaremos perante um quadro qualquer, mas um dirigente e um representante das correntes dominantes da doutrina desse grupo político.
Ora, a determinada altura, a pretexto do domínio cultural da burguesia através dos meios de comunicação social (expressão da minha responsabilidade), José Gusmão traz-nos para a conversa a noção de "hegemonia". Esse conceito, que em si mesmo não comporta absolutamente nenhum aspecto que me mereça crítica, foi, no entanto, utilizado pelo BE da forma mais retrógrada. Segundo o BE, a alteração da actual correlação de forças passaria pela criação e consolidação de um novo "sujeito político", que não se verifica nem no PCP, nem no BE, segundo o próprio José Gusmão. Por isso mesmo, importa criar uma plataforma de entendimento "à esquerda" que seja capaz de agregar os diversos quadrantes dessa esquerda (presumo eu) e que possa contribuir para a alteração da "hegemonia", cultural no caso.
Esta visão, que na minha perspectiva, resulta de uma má-interpretação das pouquíssimas teses Gramscianas, acaba por se revelar profundamente reaccionária e cede às pressões idealistas sobre o materialismo e o marxismo. É, porém, uma visão política que caracteriza bem a natureza burguesa do BE e da sua interpretação da realidade e acção sobre ela. Para o BE, as condições materiais da Humanidade e as relações sociais não são o substrato do desenvolvimento histórico, mas sim resultado da hegemonia. Isso é bem ilustrativo através de aspectos muito concretos da intervenção do BE no meio operário e proletário, nomeadamente na introdução - pelo BE - de uma clivagem no movimento operário entre aquilo a que chamam "o precariado" e os "trabalhadores com contrato", como se existisse qualquer tipo de diferença material entre uns e outros e não fosse "o precariado" apenas o conjunto dos trabalhadores que sofrem o refluxo na legislação laboral. A definição do "precariado" como classe é anti-materialista e favorece clivagens no movimento operário, enquanto simultaneamente fragiliza o movimento sindical. O trabalhador com vínculo precário é um trabalhador, precisamente na mesma medida em que qualquer outro, independentemente da duração do vínculo, dado que ambos estão dependentes da procura da sua força de trabalho para que possam vendê-la e assim sobreviver. Aliás, o contrato de trabalho, a estabilidade laboral e profissional são conquistas que não nasceram com o proletariado, mas com a luta do proletariado.
Mas José Gusmão, ao colocar o factor decisivo na hegemonia e no surgimento de um novo "sujeito político", centra a transformação social na super-estrutura, nas movimentações partidárias e na alteração da cultura dominante. Não é a primeira vez que ouço o BE, à semelhança de muitos outros esquerdistas dos mais variados sectores, colocarem as questões políticas decisivas no campo das ideias. Se a batalha ideológica é, sem sombra de dúvidas, importante, a questão da hegemonia coloca-se, entretanto, num outro patamar. A revolução não nasce da alteração da hegemonia. Aliás, a revolução não resulta necessariamente de uma subversão ou alteração da cultura dominante, pelo simples facto de que o estado revolucionário suplanta o estado conservador que determina a cultura dominante.
É correcto dizer-se que a hegemonia determina as relações sociais?
É correcto dizer-se que as relações sociais determinam a hegemonia?
Como podem os opostos ser simultaneamente verdadeiros?
Todavia, são-no.
Mas numa persepctiva materialista, a segunda afirmação sobrepõe-se à primeira, porque, embora aparentemente se neguem, a primeira não pode ser verdadeira sem que se verifique a segunda.
Por isso mesmo, o BE esquece uma questão absolutamente determinante quando faz a sua análise super-estrutural e idealista da realidade: o "sujeito político" já existe. O sujeito político é o povo trabalhador, o proletariado, independentemente da natureza do seu vínculo laboral. O "sujeito político" não será um partido, nem qualquer outra forma de organização política, muito menos um Manuel Alegre ou qualquer outro cavalo de corrida em que o BE aposte. A questão que se coloca à esquerda revolucionária é, não a da constituição de um novo sujeito, mas a da consciencialização do único verdadeiramente capaz de conduzir os destinos da Humanidade ao futuro.
Em debate promovido pela Freguesia dos Anjos, realizado dia 21 de Outubro à noite no Mercado do Forno de Tijolo, tive oportunidade de ouvir em directo a interpretação que o BE faz da cena política actual na sua dimensão actual, pela voz de um dos participantes no debate: José Gusmão, actualmente deputado à Assembleia da República pelo BE. Estou certo de que não estaremos perante um quadro qualquer, mas um dirigente e um representante das correntes dominantes da doutrina desse grupo político.
Ora, a determinada altura, a pretexto do domínio cultural da burguesia através dos meios de comunicação social (expressão da minha responsabilidade), José Gusmão traz-nos para a conversa a noção de "hegemonia". Esse conceito, que em si mesmo não comporta absolutamente nenhum aspecto que me mereça crítica, foi, no entanto, utilizado pelo BE da forma mais retrógrada. Segundo o BE, a alteração da actual correlação de forças passaria pela criação e consolidação de um novo "sujeito político", que não se verifica nem no PCP, nem no BE, segundo o próprio José Gusmão. Por isso mesmo, importa criar uma plataforma de entendimento "à esquerda" que seja capaz de agregar os diversos quadrantes dessa esquerda (presumo eu) e que possa contribuir para a alteração da "hegemonia", cultural no caso.
Esta visão, que na minha perspectiva, resulta de uma má-interpretação das pouquíssimas teses Gramscianas, acaba por se revelar profundamente reaccionária e cede às pressões idealistas sobre o materialismo e o marxismo. É, porém, uma visão política que caracteriza bem a natureza burguesa do BE e da sua interpretação da realidade e acção sobre ela. Para o BE, as condições materiais da Humanidade e as relações sociais não são o substrato do desenvolvimento histórico, mas sim resultado da hegemonia. Isso é bem ilustrativo através de aspectos muito concretos da intervenção do BE no meio operário e proletário, nomeadamente na introdução - pelo BE - de uma clivagem no movimento operário entre aquilo a que chamam "o precariado" e os "trabalhadores com contrato", como se existisse qualquer tipo de diferença material entre uns e outros e não fosse "o precariado" apenas o conjunto dos trabalhadores que sofrem o refluxo na legislação laboral. A definição do "precariado" como classe é anti-materialista e favorece clivagens no movimento operário, enquanto simultaneamente fragiliza o movimento sindical. O trabalhador com vínculo precário é um trabalhador, precisamente na mesma medida em que qualquer outro, independentemente da duração do vínculo, dado que ambos estão dependentes da procura da sua força de trabalho para que possam vendê-la e assim sobreviver. Aliás, o contrato de trabalho, a estabilidade laboral e profissional são conquistas que não nasceram com o proletariado, mas com a luta do proletariado.
Mas José Gusmão, ao colocar o factor decisivo na hegemonia e no surgimento de um novo "sujeito político", centra a transformação social na super-estrutura, nas movimentações partidárias e na alteração da cultura dominante. Não é a primeira vez que ouço o BE, à semelhança de muitos outros esquerdistas dos mais variados sectores, colocarem as questões políticas decisivas no campo das ideias. Se a batalha ideológica é, sem sombra de dúvidas, importante, a questão da hegemonia coloca-se, entretanto, num outro patamar. A revolução não nasce da alteração da hegemonia. Aliás, a revolução não resulta necessariamente de uma subversão ou alteração da cultura dominante, pelo simples facto de que o estado revolucionário suplanta o estado conservador que determina a cultura dominante.
É correcto dizer-se que a hegemonia determina as relações sociais?
É correcto dizer-se que as relações sociais determinam a hegemonia?
Como podem os opostos ser simultaneamente verdadeiros?
Todavia, são-no.
Mas numa persepctiva materialista, a segunda afirmação sobrepõe-se à primeira, porque, embora aparentemente se neguem, a primeira não pode ser verdadeira sem que se verifique a segunda.
Por isso mesmo, o BE esquece uma questão absolutamente determinante quando faz a sua análise super-estrutural e idealista da realidade: o "sujeito político" já existe. O sujeito político é o povo trabalhador, o proletariado, independentemente da natureza do seu vínculo laboral. O "sujeito político" não será um partido, nem qualquer outra forma de organização política, muito menos um Manuel Alegre ou qualquer outro cavalo de corrida em que o BE aposte. A questão que se coloca à esquerda revolucionária é, não a da constituição de um novo sujeito, mas a da consciencialização do único verdadeiramente capaz de conduzir os destinos da Humanidade ao futuro.
Tuesday, October 05, 2010
Alegre aborto ou traição
Li algures uma frase que indicava a seguinte ideia: "na arte, a utilização da inteligência, ou da técnica, para fingir emoção e sensibilidade é violação". Ideia que está traduzida também, numa outra óptica mas partindo do mesmo princípio, nas palavras de Bento de Jesus Caraça, "pensamento que não actua, ou é aborto ou traição".
A arte, uma das expressões supremas da nossa humanidade, implica uma expressão. Regra geral, uma expressão de sentimento ou emoção através de uma qualquer forma passível de transmitir. A música organiza sons em melodias, compassadas; a pintura, cores em telas; a escultura molda o espaço e os materiais; a dança é um movimento e um momento; a literatura, a poética, são o próprio substrato e meio artísticos; etc..
Claro que a arte, como tudo, requer uma técnica. Eu posso expressar os meus sentimentos e emoções através de uma forma sem técnica e método, mas dificilmente isso se traduzirá em arte. Mas não é impossível. Impossível é fazer arte apenas com a técnica e sem a emoção que a preenche. Se eu souber pintar como Van Gogh mas não for capaz de criar, não sou um pintor de arte, sou apenas um técnico da arte. Posso copiar o quadro na perfeição, mas não posso criar um.
Com as palavras porém, a inteligência pode sobrepôr-se quer à técnica, quer à emoção. A utilização de ideias, a manipulação requintada e minuciosa da palavra, do verso, da poética, podem de facto criar belos poemas, sem expressão de uma emoção real. Por outro lado, se eu expresso por escrito, independentemente da beleza dos versos, emoções que não sinto, estou de facto a violar. A violar a arte, a violar o leitor daqueles versos.
Se eu expresso através de belos poemas, dominando as técnicas e as palavras, os conceitos e a beleza, emoções que apenas idealizo mas não pratico, então estou precisamente a gerar um aborto, ou uma traição. Aborto se eu for cobarde, traição se eu for egoísta ao ponto de usar a arte como meio de projecção e manipulação, ao invés de a utilizar como meio de expressão.
Jamais poderemos julgar da veracidade de uma arte. É impossível destrinçar a poesia da traição, do aborto, da violação. Mas podemos ter as nossas opiniões.
E sobre um determinado poeta alegre que por aí passeia o seu ego gigantesco em versos trabalhados ao pormenor, eu tenho a minha ideia. Se me anuncio, quase epicamente como um lírico, como um poeta e assim me assumo sem a mínima modéstia, se cavalgo o elogio como quem o espera constantemente, eu não sou um poeta, sou um traidor. Se digo nos versos o que nunca tive a coragem de fazer na vida e ainda assim não hesito em usar "coragem" em auto-descrições, não sou um poeta, sou um sorvedouro de sobranceria, de ingenuidade dos outros, um sorvedouro que tudo faz chegar a um ego cada vez mais insuflado de um vazio que não passa disso mesmo: aborto ou traição.
A arte, uma das expressões supremas da nossa humanidade, implica uma expressão. Regra geral, uma expressão de sentimento ou emoção através de uma qualquer forma passível de transmitir. A música organiza sons em melodias, compassadas; a pintura, cores em telas; a escultura molda o espaço e os materiais; a dança é um movimento e um momento; a literatura, a poética, são o próprio substrato e meio artísticos; etc..
Claro que a arte, como tudo, requer uma técnica. Eu posso expressar os meus sentimentos e emoções através de uma forma sem técnica e método, mas dificilmente isso se traduzirá em arte. Mas não é impossível. Impossível é fazer arte apenas com a técnica e sem a emoção que a preenche. Se eu souber pintar como Van Gogh mas não for capaz de criar, não sou um pintor de arte, sou apenas um técnico da arte. Posso copiar o quadro na perfeição, mas não posso criar um.
Com as palavras porém, a inteligência pode sobrepôr-se quer à técnica, quer à emoção. A utilização de ideias, a manipulação requintada e minuciosa da palavra, do verso, da poética, podem de facto criar belos poemas, sem expressão de uma emoção real. Por outro lado, se eu expresso por escrito, independentemente da beleza dos versos, emoções que não sinto, estou de facto a violar. A violar a arte, a violar o leitor daqueles versos.
Se eu expresso através de belos poemas, dominando as técnicas e as palavras, os conceitos e a beleza, emoções que apenas idealizo mas não pratico, então estou precisamente a gerar um aborto, ou uma traição. Aborto se eu for cobarde, traição se eu for egoísta ao ponto de usar a arte como meio de projecção e manipulação, ao invés de a utilizar como meio de expressão.
Jamais poderemos julgar da veracidade de uma arte. É impossível destrinçar a poesia da traição, do aborto, da violação. Mas podemos ter as nossas opiniões.
E sobre um determinado poeta alegre que por aí passeia o seu ego gigantesco em versos trabalhados ao pormenor, eu tenho a minha ideia. Se me anuncio, quase epicamente como um lírico, como um poeta e assim me assumo sem a mínima modéstia, se cavalgo o elogio como quem o espera constantemente, eu não sou um poeta, sou um traidor. Se digo nos versos o que nunca tive a coragem de fazer na vida e ainda assim não hesito em usar "coragem" em auto-descrições, não sou um poeta, sou um sorvedouro de sobranceria, de ingenuidade dos outros, um sorvedouro que tudo faz chegar a um ego cada vez mais insuflado de um vazio que não passa disso mesmo: aborto ou traição.
Wednesday, September 29, 2010
Patriotismo de esquerda
Porquê "patriótico e de esquerda"? Por que surge tão intensamente essa afirmação e essa expressão na linguagem dos comunistas portugueses e por que são até o pano de fundo da candidatura de Francisco Lopes à Presidência da República?
Há por aí quem confunda patriotismo com nacionalismo burguês e há quem julgue que o patriotismo é um elemento central das políticas de direita e até uma bandeira exclusiva dessas alas reaccionárias da política. Para esse mito, contribui a própria direita, mas também algumas franjas da esquerda burguesa que contornam o conceito de nação e de pátria para vender a ilusão de um europeísmo progressista e de uma globalização humana. A suposta oposição entre "internacionalismo", "solidariedade internacionalista" e "patriotismo" é uma contradição que só poderá suster-se no quadro do pensamento dogmático da classe dominante, estático e retórico. No entanto, a mesma classe dominante que opõe o sentimento internacionalista do povo ao patriotismo, é a que estimula o nacionalismo burguês, de integração e assimilação da doutrina dominante pelas classes populares.
Todavia, para um comunista, esse antagonismo não tem sustentação lógica, nem ideológica. Isso porque a própria concepção de pátria difere de acordo com a perspectiva de classe, mas não só por isso. De certa forma, o operariado e o proletariado não têm outra opção senão ser patriotas. Para a burguesia, o nacionalismo, ainda que fingido ou encenado, é uma escolha. A burguesia não depende da venda da sua força de trabalho, mas sim da capacidade de deter ou não os meios de produção, controlar as relações laborais e de se apropriar das mais-valias produzidas pelo trabalhador. Da mesma forma, a mobilidade do capital, e consequentemente, das riquezas da burguesia, é infinitamente superior à mobilidade do Trabalho.
Ou seja, enquanto que o capitalista ou o burguês podem optar sobre a localização do capital, o trabalhador não pode optar pela localização do seu trabalho. A sobrevivência do trabalhador depende da sua capacidade de vender a sua força de trabalho e quando essa condição não se verifica, o trabalhador é forçado a outras formas de subsistência, nomeadamente a marginalidade, a mendicância, etc.. No entanto, na busca por trabalho, o trabalhador pode migrar, assim existam condições para o fazer e para o acolher no respectivo local de destino. Essas migrações massivas de milhões de trabalhadores, em fluxos claramente associados às dinâmicas económicas do sistema capitalista, constituem a forma como o proletariado mundial reage à procura de trabalho, ou seja, de sobrevivência e melhoria da qualidade de vida.
No entanto, embora o sistema capitalista motive e se aproveite das migrações, ele próprio apresenta limitações na forma como gere as migrações. E essas limitações são as que estão na origem das tendências fascizantes do proletariado que são conhecidas um pouco por toda a Europa, particularmente pela Alemanha, França, Holanda e, mais recentemente, Suécia. As migrações acarretam desequilíbrios profundos que se fazem sentir particularmente nas camadas laboriosas e assumem uma carga negativa no quadro da proliferação do desemprego. A tendência, obviamente estimulada pela classe dominante de cada estado, é a da hostilização inter-étnica, a do surgimento da xenofobia e do racismo, justificando a agudização da exploração e a deriva fascizante das burguesias nacionais.
Isto significa que a migração, a mobilidade do operariado é já de si reduzida, pelas condicionantes físicas e geográficas, mas também económicas e políticas. A mobilidade do capital, porém, é praticamente total e global. Aliás, o capital não só não conhece fronteiras como não conhece pátria, já que pode explorar e reproduzir-se em qualquer local, mesmo estando sediado em outro diferente. O capitalista, independentemente de onde habita, detém os meios de produção num determinado local ou locais, mas pode colocar o capital em parte diferente. Por exemplo, as fortunas dos grandes capitalistas portugueses estão, geralmente, colocadas em outros países, tal como as sedes das empresas que actuam em Portugal - entre as quais muitas das que se afirmam "nacionais" - estão posicionadas em off-shores ou em países com políticas fiscais mais vantajosas. Ao mesmo tempo, a burguesia pode deslocar-se facilmente, como a História demonstra à exaustão, mudando a sua localização sem qualquer tipo de impedimento, sabendo que será bem acolhido entre os seus semelhantes.
O mesmo nunca se poderia dizer de quem depende da venda da sua força de trabalho para sobreviver. O trabalhador é patriota porque essa é uma condição inerente à sua classe e à sua busca pela sobrevivência. A qualidade de vida do trabalhador está directamente relacionada com o grau de desenvolvimento social, económico e cultural do seu país. Por oposição, os interesses da burguesia são, em muitos casos, alimentados precisamente pela degradação da economia local, da produção e, principalmente, dos direitos sociais e laborais.
O patriotismo não é uma palavra vã na boca dos comunistas. Nem poderia ser. Tampouco, ser patriótico é uma opção mediática ou estratégica de um Partido Comunista. Um Partido só pode ser comunista se for patriótico.
Patriótico porque do Estado do país e da nação, dependem as vidas dos trabalhadores!
Patriótico porque a pátria não é a cultura da classe dominante, mas a luta das classes trabalhadoras!
Há por aí quem confunda patriotismo com nacionalismo burguês e há quem julgue que o patriotismo é um elemento central das políticas de direita e até uma bandeira exclusiva dessas alas reaccionárias da política. Para esse mito, contribui a própria direita, mas também algumas franjas da esquerda burguesa que contornam o conceito de nação e de pátria para vender a ilusão de um europeísmo progressista e de uma globalização humana. A suposta oposição entre "internacionalismo", "solidariedade internacionalista" e "patriotismo" é uma contradição que só poderá suster-se no quadro do pensamento dogmático da classe dominante, estático e retórico. No entanto, a mesma classe dominante que opõe o sentimento internacionalista do povo ao patriotismo, é a que estimula o nacionalismo burguês, de integração e assimilação da doutrina dominante pelas classes populares.
Todavia, para um comunista, esse antagonismo não tem sustentação lógica, nem ideológica. Isso porque a própria concepção de pátria difere de acordo com a perspectiva de classe, mas não só por isso. De certa forma, o operariado e o proletariado não têm outra opção senão ser patriotas. Para a burguesia, o nacionalismo, ainda que fingido ou encenado, é uma escolha. A burguesia não depende da venda da sua força de trabalho, mas sim da capacidade de deter ou não os meios de produção, controlar as relações laborais e de se apropriar das mais-valias produzidas pelo trabalhador. Da mesma forma, a mobilidade do capital, e consequentemente, das riquezas da burguesia, é infinitamente superior à mobilidade do Trabalho.
Ou seja, enquanto que o capitalista ou o burguês podem optar sobre a localização do capital, o trabalhador não pode optar pela localização do seu trabalho. A sobrevivência do trabalhador depende da sua capacidade de vender a sua força de trabalho e quando essa condição não se verifica, o trabalhador é forçado a outras formas de subsistência, nomeadamente a marginalidade, a mendicância, etc.. No entanto, na busca por trabalho, o trabalhador pode migrar, assim existam condições para o fazer e para o acolher no respectivo local de destino. Essas migrações massivas de milhões de trabalhadores, em fluxos claramente associados às dinâmicas económicas do sistema capitalista, constituem a forma como o proletariado mundial reage à procura de trabalho, ou seja, de sobrevivência e melhoria da qualidade de vida.
No entanto, embora o sistema capitalista motive e se aproveite das migrações, ele próprio apresenta limitações na forma como gere as migrações. E essas limitações são as que estão na origem das tendências fascizantes do proletariado que são conhecidas um pouco por toda a Europa, particularmente pela Alemanha, França, Holanda e, mais recentemente, Suécia. As migrações acarretam desequilíbrios profundos que se fazem sentir particularmente nas camadas laboriosas e assumem uma carga negativa no quadro da proliferação do desemprego. A tendência, obviamente estimulada pela classe dominante de cada estado, é a da hostilização inter-étnica, a do surgimento da xenofobia e do racismo, justificando a agudização da exploração e a deriva fascizante das burguesias nacionais.
Isto significa que a migração, a mobilidade do operariado é já de si reduzida, pelas condicionantes físicas e geográficas, mas também económicas e políticas. A mobilidade do capital, porém, é praticamente total e global. Aliás, o capital não só não conhece fronteiras como não conhece pátria, já que pode explorar e reproduzir-se em qualquer local, mesmo estando sediado em outro diferente. O capitalista, independentemente de onde habita, detém os meios de produção num determinado local ou locais, mas pode colocar o capital em parte diferente. Por exemplo, as fortunas dos grandes capitalistas portugueses estão, geralmente, colocadas em outros países, tal como as sedes das empresas que actuam em Portugal - entre as quais muitas das que se afirmam "nacionais" - estão posicionadas em off-shores ou em países com políticas fiscais mais vantajosas. Ao mesmo tempo, a burguesia pode deslocar-se facilmente, como a História demonstra à exaustão, mudando a sua localização sem qualquer tipo de impedimento, sabendo que será bem acolhido entre os seus semelhantes.
O mesmo nunca se poderia dizer de quem depende da venda da sua força de trabalho para sobreviver. O trabalhador é patriota porque essa é uma condição inerente à sua classe e à sua busca pela sobrevivência. A qualidade de vida do trabalhador está directamente relacionada com o grau de desenvolvimento social, económico e cultural do seu país. Por oposição, os interesses da burguesia são, em muitos casos, alimentados precisamente pela degradação da economia local, da produção e, principalmente, dos direitos sociais e laborais.
O patriotismo não é uma palavra vã na boca dos comunistas. Nem poderia ser. Tampouco, ser patriótico é uma opção mediática ou estratégica de um Partido Comunista. Um Partido só pode ser comunista se for patriótico.
Patriótico porque do Estado do país e da nação, dependem as vidas dos trabalhadores!
Patriótico porque a pátria não é a cultura da classe dominante, mas a luta das classes trabalhadoras!
Thursday, September 16, 2010
Das leveduras ao Ser Humano - egoísmo vs altruísmo
"As leveduras desfazem mito" é assim que abre a notícia de dia 16 de Setembro do Diário de Notícias sobre "Egoísmo e Cooperação". E segue assim: "a ideia de que a cooperação é essencial para o conjunto da população ficou algo abalada com um estudo anglo-germânico..."
Claro que, como sucede várias vezes nestas coisas da comunicação social de massas, a notícia não tarda em desmentir as primeiras constatações que faz. Mas ficam aquelas primeiras linhas na cabeça de muito leitor, principalmente nas daquele que - talvez sendo maioria - se fica pela leitura das gordas e das primeiras frases, em jeito de apanhado.
Adiante, veja-se bem como a ciência e a investigação científica é orientada também de acordo com as linhas mestras da doutrina da classe dominante. A cultura e os comportamentos dominantes são estimulados pela classe ou classes que deles retiram proveito, daí incutir também no espaço da Ciência, Tecnologia e Inovação o seu cunho político e de orientar a Ciência em função dos objectivos. Vejamos:
Lê-se então: "..um estudo que se debruçou sobre levedura, concluindo que a mistura de organismos preguiçosos e cooperantes cresce com maior facilidade do que populações só com cooperantes."; e ainda "Na experiência, as células cooperantes produziam uma proteína que quebrava o açucar em glucose, alimento disponível para todos. Mas alguns organismos em poupança energética faziam alguma batota, não produzindo a invertase, mas beneficiando da disponibilidade de alimento."; mais adiante "concluiu-se que o uso de açucar era mais eficaz quando este era escasso, portanto, a existência de organismos "egoístas" impedia o consumo de todo o alimento." e finalmente "também se apurou que os cooperantes estavam junto de outros cooperantes, obtendo mais glucose. Sem essa condição, os preguiçosos não traziam benefícios."
E quase não valerá a pena dizer mais nada, claro está. Porém, tirei aqui um bocadinho para ler o panfleto de abstract (resumo) do artigo do Instituto Max Planck para a Biologia Evolutiva - usando a fonte citada no Diário de Notícias.
E afinal de contas, o exercício de transpor a realidade da levedura (um dos seres vivos mais simples e pertencente ao reino dos fungos para a realidade dos seres vivos complexos, como os animais é da estrita responsabilidade do jornal em causa, sendo que o artigo começa por dizer que o Ser Humano se distingue praticamente de todos os animais por se verificar entre os humanos uma necessidade de cooperação mais acentuada para a sobrevivência. Mas vai ainda mais longe, pois afinal as conclusões deste estudo poderiam ser bem diferentes e ao invés de se ler na primeira linha que a "ideia de que a cooperação é essencial para o conjunto da população ficou algo abalada com um estudo anglo-germânico" poder-se-ia perfeitamente ler:
"a ideia de que o egoísmo pode subsistir e perseverar sem dependência da cooperação caiu por terra" e essa redacção seria bastante mais fiel e mais verdadeira.
Mas quis quem decidiu que esta notícia merecesse destaque na imprensa de massas que ela passasse outra mensagem. Que passasse a mensagem que assenta no estímulo ao individualismo e ao egoísmo.
Porém, esquece quem escreve o artigo que, além das assinaláveis diferenças evolutivas entre o Homem, restantes animais e as leveduras – tão inteligentes para o efeito, quanto um cogumelo – que mesmo a análise às conclusões do estudo não é totalmente sólida. Ou seja, o facto de a população de leveduras florescer na presença de indivíduos que não produzem a enzima por insuficiente abundância energética não significa necessariamente preguiça ou egoísmo como se anuncia no Diário de Notícias, mas sim cooperação ao mais alto nível. Ou seja, uma outra perspectiva sobre este estudo e as suas conclusões, traria um raciocínio diametralmente oposto. O facto de existirem leveduras na comunidade que não produzem a enzima e se alimentam da molécula de glucose pode ser visto como preguiça, ou como opção. Pois se consomem por um lado a molécula de glucose, por outro lado, não consomem a energia necessária ao processo. Isso demonstra uma capacidade cooperativa absolutamente brilhante por parte até dos seres mais elementares dos reinos biológicos. É, aliás, uma aplicação primária de princípios de economia. Egoísmo seria consumir a energia e a glucose. Poupar a energia é apenas um exercício de gestão de recurso escasso. Melhor gestão do recurso escasso, maior crescimento da população, faz sentido.
Mesmo que esse comportamento, de não consumir energia para maximizar o alimento disponível, fosse objectivamente egoísta, o facto de isso provocar um crescimento da população jamais poderia significar que o egoísmo era o factor central para a florescência, até porque ele resulta exclusivamente do facto de existir cooperação. Mas acima de tudo: a questão que devemos colocar é muito distinta da que este estudo coloca. A questão não é se o egoísmo promove o crescimento das populações, mas se promove a justa distribuição da energia e do alimento entre a população e se prolonga o tempo da sua vida num quadro de recursos finitos.
E sobre isso, apesar das virtudes do estudo, nada se diz no jornal nem no abstract do artigo divulgado pelo instituto Max Planck.
Claro que, como sucede várias vezes nestas coisas da comunicação social de massas, a notícia não tarda em desmentir as primeiras constatações que faz. Mas ficam aquelas primeiras linhas na cabeça de muito leitor, principalmente nas daquele que - talvez sendo maioria - se fica pela leitura das gordas e das primeiras frases, em jeito de apanhado.
Adiante, veja-se bem como a ciência e a investigação científica é orientada também de acordo com as linhas mestras da doutrina da classe dominante. A cultura e os comportamentos dominantes são estimulados pela classe ou classes que deles retiram proveito, daí incutir também no espaço da Ciência, Tecnologia e Inovação o seu cunho político e de orientar a Ciência em função dos objectivos. Vejamos:
Lê-se então: "..um estudo que se debruçou sobre levedura, concluindo que a mistura de organismos preguiçosos e cooperantes cresce com maior facilidade do que populações só com cooperantes."; e ainda "Na experiência, as células cooperantes produziam uma proteína que quebrava o açucar em glucose, alimento disponível para todos. Mas alguns organismos em poupança energética faziam alguma batota, não produzindo a invertase, mas beneficiando da disponibilidade de alimento."; mais adiante "concluiu-se que o uso de açucar era mais eficaz quando este era escasso, portanto, a existência de organismos "egoístas" impedia o consumo de todo o alimento." e finalmente "também se apurou que os cooperantes estavam junto de outros cooperantes, obtendo mais glucose. Sem essa condição, os preguiçosos não traziam benefícios."
E quase não valerá a pena dizer mais nada, claro está. Porém, tirei aqui um bocadinho para ler o panfleto de abstract (resumo) do artigo do Instituto Max Planck para a Biologia Evolutiva - usando a fonte citada no Diário de Notícias.
E afinal de contas, o exercício de transpor a realidade da levedura (um dos seres vivos mais simples e pertencente ao reino dos fungos para a realidade dos seres vivos complexos, como os animais é da estrita responsabilidade do jornal em causa, sendo que o artigo começa por dizer que o Ser Humano se distingue praticamente de todos os animais por se verificar entre os humanos uma necessidade de cooperação mais acentuada para a sobrevivência. Mas vai ainda mais longe, pois afinal as conclusões deste estudo poderiam ser bem diferentes e ao invés de se ler na primeira linha que a "ideia de que a cooperação é essencial para o conjunto da população ficou algo abalada com um estudo anglo-germânico" poder-se-ia perfeitamente ler:
"a ideia de que o egoísmo pode subsistir e perseverar sem dependência da cooperação caiu por terra" e essa redacção seria bastante mais fiel e mais verdadeira.
Mas quis quem decidiu que esta notícia merecesse destaque na imprensa de massas que ela passasse outra mensagem. Que passasse a mensagem que assenta no estímulo ao individualismo e ao egoísmo.
Porém, esquece quem escreve o artigo que, além das assinaláveis diferenças evolutivas entre o Homem, restantes animais e as leveduras – tão inteligentes para o efeito, quanto um cogumelo – que mesmo a análise às conclusões do estudo não é totalmente sólida. Ou seja, o facto de a população de leveduras florescer na presença de indivíduos que não produzem a enzima por insuficiente abundância energética não significa necessariamente preguiça ou egoísmo como se anuncia no Diário de Notícias, mas sim cooperação ao mais alto nível. Ou seja, uma outra perspectiva sobre este estudo e as suas conclusões, traria um raciocínio diametralmente oposto. O facto de existirem leveduras na comunidade que não produzem a enzima e se alimentam da molécula de glucose pode ser visto como preguiça, ou como opção. Pois se consomem por um lado a molécula de glucose, por outro lado, não consomem a energia necessária ao processo. Isso demonstra uma capacidade cooperativa absolutamente brilhante por parte até dos seres mais elementares dos reinos biológicos. É, aliás, uma aplicação primária de princípios de economia. Egoísmo seria consumir a energia e a glucose. Poupar a energia é apenas um exercício de gestão de recurso escasso. Melhor gestão do recurso escasso, maior crescimento da população, faz sentido.
Mesmo que esse comportamento, de não consumir energia para maximizar o alimento disponível, fosse objectivamente egoísta, o facto de isso provocar um crescimento da população jamais poderia significar que o egoísmo era o factor central para a florescência, até porque ele resulta exclusivamente do facto de existir cooperação. Mas acima de tudo: a questão que devemos colocar é muito distinta da que este estudo coloca. A questão não é se o egoísmo promove o crescimento das populações, mas se promove a justa distribuição da energia e do alimento entre a população e se prolonga o tempo da sua vida num quadro de recursos finitos.
E sobre isso, apesar das virtudes do estudo, nada se diz no jornal nem no abstract do artigo divulgado pelo instituto Max Planck.
Wednesday, July 28, 2010
caricatura (da realidade)
Imaginem uns tipos balofos, fumando uns charutos, sentados à mesa bem guarnecida de um banquete. Ao fundo toca uma pequena orquestra de câmara para "dar ambiente". O faisão estava óptimo, a corsa divinal, o caviar foi-se num instante. Os empregados retiraram da mesa os pratos com a velocidade e prontidão com que os puseram sobre ela. Nunca na vida poderiam sequer ferrar o dente em semelhante carne ou iguarias.
Lá fora, as mudanças questionavam o facto de esses tipos, os balofos, irem mandando no mundo sem prestar contas a ninguém. Em alguns lugares do mundo, os servos e os famintos levantavam o dorso e exigiam a "democracia". Os senhores, antes que os apanhassem em falso, pensaram:
balofo 1:"que mal terá a democracia, desde que nós sejamos os eleitos?"
balofo 2:"tem toda a razão meu caro amigo. como nunca pensámos nisso?"
balofo 3:"basta então garantir que votem em nós?"
balofo 4:"não. nem sequer nos preocupemos com isso. porque não haverá outra opção real. apresentemo-nos nós, fingindo ser diferentes, e proibiremos todos os restantes"
balofo 1:"mas então isso não será democracia... nem mesmo fingida."
balofo 4:"tem toda a razão, caro amigo..." enquanto bafejava o charuto e bebia a última gota do seu cognac - "arranjaremos facilmente maneira de tapar o caminho a outros... a não ser, claro, os que nos comem à mão."
balofo 2:"de facto, somos donos de tudo. facilmente seremos os únicos na corrida. ou pelo menos será fácil criar essa ilusão. ao fim e ao cabo somos donos das rádios, dos jornais, seremos também donos das TVs. Somos donos das escolas, das fábricas, dos campos. não será difícil."
balofo 3:"muito bem. para que a democracia seja convincente não poderemos ser um só partido. Farei eu próprio o PS. proponho o amigo para fazer o PSD, semelhante em tudo mas diferente! (piscando o olho) e sugiro que se cubra todo o arco das sensibilidades, sendo o amigo o CDS e o senhor, se não se importasse de fazer essa figura, seria assim uma espécie de esquerda folclórica, diz-se radical e faz de adorno pluralista."
E foram-se rindo e gracejando sobre como iludiriam as massas e usariam a democracia para ir ainda mais longe, agora "democraticamente legitimados".
O que não sabiam é que nenhuma barreira faria cair a persistência, a preserverança e a coragem dos "outros" que não se sentavam naquela mesa e não lhes comiam à mão.
Lá fora, as mudanças questionavam o facto de esses tipos, os balofos, irem mandando no mundo sem prestar contas a ninguém. Em alguns lugares do mundo, os servos e os famintos levantavam o dorso e exigiam a "democracia". Os senhores, antes que os apanhassem em falso, pensaram:
balofo 1:"que mal terá a democracia, desde que nós sejamos os eleitos?"
balofo 2:"tem toda a razão meu caro amigo. como nunca pensámos nisso?"
balofo 3:"basta então garantir que votem em nós?"
balofo 4:"não. nem sequer nos preocupemos com isso. porque não haverá outra opção real. apresentemo-nos nós, fingindo ser diferentes, e proibiremos todos os restantes"
balofo 1:"mas então isso não será democracia... nem mesmo fingida."
balofo 4:"tem toda a razão, caro amigo..." enquanto bafejava o charuto e bebia a última gota do seu cognac - "arranjaremos facilmente maneira de tapar o caminho a outros... a não ser, claro, os que nos comem à mão."
balofo 2:"de facto, somos donos de tudo. facilmente seremos os únicos na corrida. ou pelo menos será fácil criar essa ilusão. ao fim e ao cabo somos donos das rádios, dos jornais, seremos também donos das TVs. Somos donos das escolas, das fábricas, dos campos. não será difícil."
balofo 3:"muito bem. para que a democracia seja convincente não poderemos ser um só partido. Farei eu próprio o PS. proponho o amigo para fazer o PSD, semelhante em tudo mas diferente! (piscando o olho) e sugiro que se cubra todo o arco das sensibilidades, sendo o amigo o CDS e o senhor, se não se importasse de fazer essa figura, seria assim uma espécie de esquerda folclórica, diz-se radical e faz de adorno pluralista."
E foram-se rindo e gracejando sobre como iludiriam as massas e usariam a democracia para ir ainda mais longe, agora "democraticamente legitimados".
O que não sabiam é que nenhuma barreira faria cair a persistência, a preserverança e a coragem dos "outros" que não se sentavam naquela mesa e não lhes comiam à mão.
Thursday, July 01, 2010
a educação e a formação (i)
Corre uma linguagem pelos corredores do poder capitalista, dessas que vem sendo imposta pela classe dominante ao sabor dos seus interesses, que introduz sistematicamente novos conceitos para substituir outros, a pretexto da modernidade. A gestão vai substituindo a democracia, a eficácia vai substituindo a pedagogia, a formação vai substituindo a educação. Curiosamente mesmo quando usam as palavras "democracia", "pedagogia" ou "educação", as esferas do poder político actual, e nesta circunstância específica em que vivemos, usam-nas com intenções absolutamente diversas daquelas que representam a sua verdadeira dimensão.
"Democracia" significa hoje "circo de propaganda burguesa", "pedagogia" significa "manter pais alheados das vidas dos filhos para poderem trabalhar 12 horas seguidas e branquear estatísticas a dizer que toda a gente adquiriu as competências" e "educação" significa isso mesmo: "ensinar competências para que o jovem venha a ser um trabalhador com capacidade suficiente para obedecer, mas nunca para compreender ou questionar".
Hoje, assim parece, Maria de Lurdes Rodrigues lançou um livro. Como ainda não o li não posso referir-me ao seu conteúdo, mas posso referir-me à concepção política do Governo actual e do passado, bem materializada precisamente nas políticas que MLR conduziu à frente dos destinos do Ministério da Educação. O Governo PS, Sócrates e MLR, partilham uma perspectiva política alinhada com a doutrina fascista no que toca à educação. Não quero com isto chamar-lhes fascistas, mas objectivamente, o carácter da perspectiva doutrinária para a Educação que estes protagonistas dos governos PS aplicaram no terreno às escolas portuguesas é efectivamente muito próximo da ideologia fascista. Sem qualquer tipo de ingenuidade, este Governo praticou uma política de suposta equidade no acesso e na frequência da Escola. Aliás, a Ministra MLR sempre se afirmou defensora da Escola Pública. Ela nunca disse foi que Escola Pública defendia, tal como nunca disse Sócrates. Se uma Escola Pública Democrática , Gratuita e de Qualidade para todos orientada para a formação de cidadãos e homens e mulheres livres, críticos e criativos; se uma Escola Pública meramente profissionalizante, reprodutora das assimetrias sociais e económicas existentes na sociedade capitalista.
O alargamento da escolaridade obrigatória, neste contexto, constitui um ponto de partida para uma análise importante: que escolaridade se alargou, de facto?
Tendo em conta que os filhos das camadas mais ricas e das camadas intermédias da população seguiam na generalidade os estudos até ao 12º ano e muitos até ao ensino superior, o referido alargamento trará diferenças não para esses, mas precisamente para os filhos das camadas proletárias mais empobrecidas, para os filhos dos trabalhadores mal remunerados, dos desempregados e, talvez, das camadas mais próximas do lumpen. Isso, por si só, parece deveras progressista e sugere a ideia de que a escola pública começa a cumprir o seu dever. Porém, não podemos esquecer as condições objectivas em que se dá a manutenção desses "novos estudantes" no sistema educativo.
Ao invés de criar uma escola, com pendor profissionalizante generalizado mas não dominante, capaz de integrar por igual os filhos das diferentes camadas e classes sociais e assim contribuir para a atenuação das assimetrias sociais e para a real equidade na distribuição do conhecimento, o Governo e a classe dominante insistem em criar uma via escolar para os pobres. A ofensiva e a manipulação ideológicas manifestam-se em todo o seu esplendor, já que com esta política os governos conseguem inclusivamente fingir que procedem à democratização do ensino, quando aquilo que na verdade estão a fazer é a obrigar os filhos dos pobres a tirarem cursos de formação profissional para rapidamente entrarem no mercado de trabalho, sem que o patronato tenha de pagar sequer a formação profissional do seu trabalhador. Já vem pronto a ser explorado. O patronato exime-se até do investimento a que a lei o obrigava perante o trabalhador - formação profissional - e passa esses custos para o Estado, ou seja, para os trabalhadores.
A criação de uma Escola para os pobres, orientada para a sua inserção no mercado de trabalho, independentemente da qualidade desse mercado, do emprego, da estabilidade profissional e das condições económicas e sociais que dele advêm é, na essência, concomitante com a doutrina fascista. A ilusão de que o Estado está a integrar essas camadas da população não passa disso mesmo, de uma ilusão. (continua)
"Democracia" significa hoje "circo de propaganda burguesa", "pedagogia" significa "manter pais alheados das vidas dos filhos para poderem trabalhar 12 horas seguidas e branquear estatísticas a dizer que toda a gente adquiriu as competências" e "educação" significa isso mesmo: "ensinar competências para que o jovem venha a ser um trabalhador com capacidade suficiente para obedecer, mas nunca para compreender ou questionar".
Hoje, assim parece, Maria de Lurdes Rodrigues lançou um livro. Como ainda não o li não posso referir-me ao seu conteúdo, mas posso referir-me à concepção política do Governo actual e do passado, bem materializada precisamente nas políticas que MLR conduziu à frente dos destinos do Ministério da Educação. O Governo PS, Sócrates e MLR, partilham uma perspectiva política alinhada com a doutrina fascista no que toca à educação. Não quero com isto chamar-lhes fascistas, mas objectivamente, o carácter da perspectiva doutrinária para a Educação que estes protagonistas dos governos PS aplicaram no terreno às escolas portuguesas é efectivamente muito próximo da ideologia fascista. Sem qualquer tipo de ingenuidade, este Governo praticou uma política de suposta equidade no acesso e na frequência da Escola. Aliás, a Ministra MLR sempre se afirmou defensora da Escola Pública. Ela nunca disse foi que Escola Pública defendia, tal como nunca disse Sócrates. Se uma Escola Pública Democrática , Gratuita e de Qualidade para todos orientada para a formação de cidadãos e homens e mulheres livres, críticos e criativos; se uma Escola Pública meramente profissionalizante, reprodutora das assimetrias sociais e económicas existentes na sociedade capitalista.
O alargamento da escolaridade obrigatória, neste contexto, constitui um ponto de partida para uma análise importante: que escolaridade se alargou, de facto?
Tendo em conta que os filhos das camadas mais ricas e das camadas intermédias da população seguiam na generalidade os estudos até ao 12º ano e muitos até ao ensino superior, o referido alargamento trará diferenças não para esses, mas precisamente para os filhos das camadas proletárias mais empobrecidas, para os filhos dos trabalhadores mal remunerados, dos desempregados e, talvez, das camadas mais próximas do lumpen. Isso, por si só, parece deveras progressista e sugere a ideia de que a escola pública começa a cumprir o seu dever. Porém, não podemos esquecer as condições objectivas em que se dá a manutenção desses "novos estudantes" no sistema educativo.
Ao invés de criar uma escola, com pendor profissionalizante generalizado mas não dominante, capaz de integrar por igual os filhos das diferentes camadas e classes sociais e assim contribuir para a atenuação das assimetrias sociais e para a real equidade na distribuição do conhecimento, o Governo e a classe dominante insistem em criar uma via escolar para os pobres. A ofensiva e a manipulação ideológicas manifestam-se em todo o seu esplendor, já que com esta política os governos conseguem inclusivamente fingir que procedem à democratização do ensino, quando aquilo que na verdade estão a fazer é a obrigar os filhos dos pobres a tirarem cursos de formação profissional para rapidamente entrarem no mercado de trabalho, sem que o patronato tenha de pagar sequer a formação profissional do seu trabalhador. Já vem pronto a ser explorado. O patronato exime-se até do investimento a que a lei o obrigava perante o trabalhador - formação profissional - e passa esses custos para o Estado, ou seja, para os trabalhadores.
A criação de uma Escola para os pobres, orientada para a sua inserção no mercado de trabalho, independentemente da qualidade desse mercado, do emprego, da estabilidade profissional e das condições económicas e sociais que dele advêm é, na essência, concomitante com a doutrina fascista. A ilusão de que o Estado está a integrar essas camadas da população não passa disso mesmo, de uma ilusão. (continua)
Wednesday, June 02, 2010
o capitalismo cai de podre?
Um economista, disse-me o Jorge Machado, profetizava o fim da globalização por força da escalada dos custos dos transportes, relacionada com o aumento do preço dos combustíveis. Ele estava a ler um jornal de negócios ou um suplemento de economia e contou-me isso. Confesso que nao fui ler o referido artigo. No entanto, há duas ou três questões que julgo úteis para analisar ou tentar profetizar o que quer que seja e, principalmente, quando se trata de decretar o fim de alguma coisa. As análises lineares e simplistas já decretaram o fim do meu Partido milhares de vezes, incontáveis vezes, e até hoje nunca vingaram. Tal como decretaram o sucesso capitalista desmedido e o progresso imparável e inesgotável do neo-liberalismo. E até hoje a história nos vem provando o contrário.
Então o aumento dos preços dos combustíveis determinará directamente o fim da globalização? Qual globalização? O que é aliás, a globalização nos termos hoje praticada?
1. Há hoje mais reservas petrolíferas do que nunca e a tendência é para que continuem a aumentar.
2. O preço de exploração e os custos de produção energética descem a pique desde a revolução industrial.
3. A globalização hoje é essencialmente baseada na globalização de capitais.
4. O futuro não está escrito e muito menos aprisionado a tecnologias baseadas na queima de hidrocarbonetos, como tal, pode não ser estritamente relacionável a dinâmica do mercado mundial (financeiro ou material) com os custos finais do petróleo e derivados.
Partindo dessas questões há que fazer também uma abordagem política sobre o que representa a globalização actualmente e quais as suas implicações nas relações de classe e na acumulação de capitais. A globalização implica aumento da exploração da mão-de-obra, numa perspectiva capitalista. A globalização não assenta na livre circulação de bens e pessoas, antes na livre circulação de capitais e de exploração. Ou seja, na prática, a globalização capitalista é a materialização das leis mais elementares do capitalismo. No entanto, ligar tão intimamente os custos económicos do petróleo ao fim do transporte de mercadorias assenta num erro de análise da cena política actual e parece ignorar os confrontos de classe que actualmente definem o curso da história. Ora, dizia-se que o capitalismo chegará à conclusão de que o fim do transporte de mercadorias é economicamente mais viável e lucrativo do que continuar a assumir os custos do petróleo e o seu encarecimento.
Não me parece ajustado o raciocínio por alguns motivos correlacionados.
i. o capitalismo não se sacrifica a si próprio, ou melhor, a classe dominante, sendo competitiva, é no essencial, solidária.
ii. a grande divisão política que determina o sucesso de um empreendimento capitalista não está de igual forma colocada sobre todos os factores de produção. A força do capital e dirigida especificamente para a desvalorização do factor trabalho e não para a desvalorização dos restantes custos dos factores de produção, sendo que, no essencial, eles são propriedade da classe dominante. Ou seja, é o factor trabalho que tende a ser desvalorizado na medida directa da valorização e encarecimento dos restantes custos de produção.
iii. para o capitalismo, o encarecimento dos custos de transporte serão, não uma limitação á globalização capitalista mas um estímulo à sua intensificação para aumentar as taxas de exploração.
iv. o sistema capitalista é um sistema racional do ponto de vista dos seus objectivos. Esses objectivos, porém, não são racionais do ponto de vista da sustentabilidade das actividades humanas e da subsistência da espécie. Por isso mesmo, a delapidação dos recursos e a intensificação da exploração da mão-de-obra poderão ser resultados de uma estratégia insustentável, mas não será por isso que o sistema capitalista abdicará dela.
v. é óbvio que o capitalismo poderá proceder a alterações na configuração da sua arquitectura global e que poderá arriscar a globalização a bem da sua própria sustentação. Isso não ocorrerá, no entanto, por força de factores que ele próprio controle. Porque a globalização da produção e a distribuição das mercadorias são o garante da capacidade de exploração por parte dos grandes grupos e corporações.
vi. os custos do petróleo atingem hoje o preço que atingem precisamente pelo valor objectivo que tem essa matéria-prima na economia global, mas esse preço é essencialmente proporcional, não ao aumento dos custos de mão-de-obra, nem dos custos de exploração geológica, mas essencialmente ao crescimento dos lucros. É hoje mais barata a produção de um kW do que sempre, no entanto, ela é paga pelo consumidor a preços nunca antes vistos. Da mesma forma, é hoje mais barata a extracção de petróleo e gás natural do que em qualquer outro ponto da história. Em termos relativos, os custos de produção baixam genericamente junto dos grandes grupos económicos, enquanto aumentam junto de sectores médios e pequenos da economia, particularmente os produtivos porque também implicam mais consumos. No entanto é um facto que o petróleo é negociado cada vez mais acima.
vii. seria, no entanto, demasiado ingénuo pensar que o sistema capitalista não buscará e encontrará as próprias soluções técnicas e alternativas ao esgotamento dos combustíveis. Basta que para tal, se torne mais lucrativo buscar essa tecnologia do que continuar a utilizar os hidrocarbonetos e o oxigénio atmosférico.
Só mesmo a luta dos povos, dos trabalhadores organizados para a disputa e conquista do poder político, só mesmo o posicionamento do proletariado como classe dominante, poderá representar objectivamente a valorização do factor Trabalho, em detrimento dos restantes factores de produção. Fora dessa nova organização social e política, o trabalho será sempre o factor sacrificado para a manutenção dos circuitos capitalistas de acumulação. Só com a luta dos trabalhadores e a sua organização em Estado e em direcção política da sociedade será possível pôr fim à globalização capitalista para a substituir por uma globalização do bem-estar e dos direitos, assegurando a distribuição justa e solidária da riqueza produzida e o fim da acumulação capitalista.
Então o aumento dos preços dos combustíveis determinará directamente o fim da globalização? Qual globalização? O que é aliás, a globalização nos termos hoje praticada?
1. Há hoje mais reservas petrolíferas do que nunca e a tendência é para que continuem a aumentar.
2. O preço de exploração e os custos de produção energética descem a pique desde a revolução industrial.
3. A globalização hoje é essencialmente baseada na globalização de capitais.
4. O futuro não está escrito e muito menos aprisionado a tecnologias baseadas na queima de hidrocarbonetos, como tal, pode não ser estritamente relacionável a dinâmica do mercado mundial (financeiro ou material) com os custos finais do petróleo e derivados.
Partindo dessas questões há que fazer também uma abordagem política sobre o que representa a globalização actualmente e quais as suas implicações nas relações de classe e na acumulação de capitais. A globalização implica aumento da exploração da mão-de-obra, numa perspectiva capitalista. A globalização não assenta na livre circulação de bens e pessoas, antes na livre circulação de capitais e de exploração. Ou seja, na prática, a globalização capitalista é a materialização das leis mais elementares do capitalismo. No entanto, ligar tão intimamente os custos económicos do petróleo ao fim do transporte de mercadorias assenta num erro de análise da cena política actual e parece ignorar os confrontos de classe que actualmente definem o curso da história. Ora, dizia-se que o capitalismo chegará à conclusão de que o fim do transporte de mercadorias é economicamente mais viável e lucrativo do que continuar a assumir os custos do petróleo e o seu encarecimento.
Não me parece ajustado o raciocínio por alguns motivos correlacionados.
i. o capitalismo não se sacrifica a si próprio, ou melhor, a classe dominante, sendo competitiva, é no essencial, solidária.
ii. a grande divisão política que determina o sucesso de um empreendimento capitalista não está de igual forma colocada sobre todos os factores de produção. A força do capital e dirigida especificamente para a desvalorização do factor trabalho e não para a desvalorização dos restantes custos dos factores de produção, sendo que, no essencial, eles são propriedade da classe dominante. Ou seja, é o factor trabalho que tende a ser desvalorizado na medida directa da valorização e encarecimento dos restantes custos de produção.
iii. para o capitalismo, o encarecimento dos custos de transporte serão, não uma limitação á globalização capitalista mas um estímulo à sua intensificação para aumentar as taxas de exploração.
iv. o sistema capitalista é um sistema racional do ponto de vista dos seus objectivos. Esses objectivos, porém, não são racionais do ponto de vista da sustentabilidade das actividades humanas e da subsistência da espécie. Por isso mesmo, a delapidação dos recursos e a intensificação da exploração da mão-de-obra poderão ser resultados de uma estratégia insustentável, mas não será por isso que o sistema capitalista abdicará dela.
v. é óbvio que o capitalismo poderá proceder a alterações na configuração da sua arquitectura global e que poderá arriscar a globalização a bem da sua própria sustentação. Isso não ocorrerá, no entanto, por força de factores que ele próprio controle. Porque a globalização da produção e a distribuição das mercadorias são o garante da capacidade de exploração por parte dos grandes grupos e corporações.
vi. os custos do petróleo atingem hoje o preço que atingem precisamente pelo valor objectivo que tem essa matéria-prima na economia global, mas esse preço é essencialmente proporcional, não ao aumento dos custos de mão-de-obra, nem dos custos de exploração geológica, mas essencialmente ao crescimento dos lucros. É hoje mais barata a produção de um kW do que sempre, no entanto, ela é paga pelo consumidor a preços nunca antes vistos. Da mesma forma, é hoje mais barata a extracção de petróleo e gás natural do que em qualquer outro ponto da história. Em termos relativos, os custos de produção baixam genericamente junto dos grandes grupos económicos, enquanto aumentam junto de sectores médios e pequenos da economia, particularmente os produtivos porque também implicam mais consumos. No entanto é um facto que o petróleo é negociado cada vez mais acima.
vii. seria, no entanto, demasiado ingénuo pensar que o sistema capitalista não buscará e encontrará as próprias soluções técnicas e alternativas ao esgotamento dos combustíveis. Basta que para tal, se torne mais lucrativo buscar essa tecnologia do que continuar a utilizar os hidrocarbonetos e o oxigénio atmosférico.
Só mesmo a luta dos povos, dos trabalhadores organizados para a disputa e conquista do poder político, só mesmo o posicionamento do proletariado como classe dominante, poderá representar objectivamente a valorização do factor Trabalho, em detrimento dos restantes factores de produção. Fora dessa nova organização social e política, o trabalho será sempre o factor sacrificado para a manutenção dos circuitos capitalistas de acumulação. Só com a luta dos trabalhadores e a sua organização em Estado e em direcção política da sociedade será possível pôr fim à globalização capitalista para a substituir por uma globalização do bem-estar e dos direitos, assegurando a distribuição justa e solidária da riqueza produzida e o fim da acumulação capitalista.
Wednesday, May 12, 2010
dúvidas e certezas
começou como um desabafo na autoridadenacional mas os comentários dos visitantes, levaram-me para um desabafo mais ideológico. o espaço desse debate é também aqui no império. Ora tomem lá.
Friday, April 23, 2010
A revolução de abril e os direitos dos jovens
A consagração de um conjunto de direitos para a juventude não é de forma alguma dissociável do carácter e da natureza revolucionária e de classe do 25 de Abril de 1974. Independentemente de existir uma concepção alargada de política de juventude, da qual os comunistas portugueses foram percursores quando, em 1995 lançam o termo "política transversal de juventude" através de um conjunto de campanhas nacionais inseridas na preparação das eleições legislativas de então, a questão de existir um conjunto de direitos constitucionalmente consagrados aos jovens portugueses não é alheia à natureza da própria revolução.
Ou seja, a contemplação da juventude no quadro constitucional, tal como é feita, resulta directamente do posicionamento político de classe do próprio texto constitucional que, afinal, plasma de certa forma os resultados da correlação de forças que lhe dá origem.
Por que motivo um texto constitucional consagra normas específicas para a juventude num conjunto de matérias tão importantes quanto a "educação, o desporto, a cultura, a habitação"? E a questão deve ir mais longe: de que resulta objectivamente a consagração constitucional, da forma como é feita, desses direitos? Ela resulta do facto de a constituição da república portuguesa não ser neutra e de assimilar legislativamente a realidade que consiste no facto de não existir nenhuma igualdade entre patrão e trabalhador, entre capital e trabalho. A insistência que alguns têm feito em acusações à Constituição visam precisamente criar o caldo de cultura da igualdade que não tem correspondência com a realidade e com a forma como se desenvolvem as relações de produção no mundo actual.
A ilusão de que existe uma igualdade entre o patrão, ou melhor "o empregador", e o trabalhador, ou melhor "o colaborador", é a falácia em que assenta toda a aceitação do capitalismo moderno e dos Estados neo-liberais. O conjunto dos cidadãos, dos trabalhadores, passa a estar perante a lei numa situação de igualdade nivelada com o patronato, situação que não corresponde à realidade. Ou seja, para que seja possível ao Estado privilegiar o conjunto da população, este deve assumidamente priorizar direitos e políticas. Direitos mais sólidos, particularmente para os que são a parte frágil das relações sociais e laborais, sendo que são precisamente estes os afectados pelo desequilíbrio real entre as forças. Esta constatação resulta da mais ingénua das observações da realidade. Impor que a lei trate de outra forma as relações entre trabalho e capital, em pé de igualdade, por exemplo, resulta directamente no acentuamento da fragilidade da posição do trabalho, com os custos sociais e humanos que isso acarreta.
Por que motivos não pode Abril dissociar-se dos direitos dos jovens portugueses?
Em primeiro lugar porque resulta directamente da revolução, pelos motivos óbvios que resultam do facto de pré-existir uma ditadura fascista durante a qual os direitos da juventude, como das restantes camadas populares, foram pura e simplesmente subjugados, eliminados e considerados inexistentes. Mas em segundo e mais importante lugar, porque a natureza da revolução e o seu pendor político eram efectivamente classistas. Só isso explica que, no quadro legislativo constituinte, tenha surgido a necessidade de tomar o partido dos trabalhadores, numa perspectiva de desenvolvimento social e político que se orientava para o socialismo. A protecção da juventude não nasce de uma casualidade, de um espírito bondoso da assembleia constituinte, tampouco da popularidade dos discursos que usam a juventude como mote. Esse é infelizmente o lugar que se quer reservar aos jovens dos dias de hoje, sendo que são exactamente esses quem sustenta, como uma bolsa, a exploração crecente do trabalho que o capital vem levando a cabo, apadrinhado pelos PS's, PSD's, CDS's e, em certa medida, pelos grupos esquerdistas que minam a unidade entre o proletariado e as camadas exploradas da população e contribuem para o revisionismo histórico, elemento fundamental do aprofundamento das ofensivas de classe dirigidas contra os trabalhadores.
A defesa especial da juventude resulta do facto político e social de que so jovens são uma camada popular mais exposta à exploração capitalista, tendo em conta as suas características transitórias, resultantes das relações materiais que estabelecem com o meio durante essa fase da sua vida. Particularmente as relações materiais que são inexistentes, dada a inexistência de meios de subsistência ou propriedade. Ou seja, pelas condições peculiares do trajecto do jovem no mundo capitalista, a fase juvenil é despojada de propriedade ou de meios de subsistência, o que significa que esta é a camada mais "proletarizável" de todas.
Ou seja, a contemplação da juventude no quadro constitucional, tal como é feita, resulta directamente do posicionamento político de classe do próprio texto constitucional que, afinal, plasma de certa forma os resultados da correlação de forças que lhe dá origem.
Por que motivo um texto constitucional consagra normas específicas para a juventude num conjunto de matérias tão importantes quanto a "educação, o desporto, a cultura, a habitação"? E a questão deve ir mais longe: de que resulta objectivamente a consagração constitucional, da forma como é feita, desses direitos? Ela resulta do facto de a constituição da república portuguesa não ser neutra e de assimilar legislativamente a realidade que consiste no facto de não existir nenhuma igualdade entre patrão e trabalhador, entre capital e trabalho. A insistência que alguns têm feito em acusações à Constituição visam precisamente criar o caldo de cultura da igualdade que não tem correspondência com a realidade e com a forma como se desenvolvem as relações de produção no mundo actual.
A ilusão de que existe uma igualdade entre o patrão, ou melhor "o empregador", e o trabalhador, ou melhor "o colaborador", é a falácia em que assenta toda a aceitação do capitalismo moderno e dos Estados neo-liberais. O conjunto dos cidadãos, dos trabalhadores, passa a estar perante a lei numa situação de igualdade nivelada com o patronato, situação que não corresponde à realidade. Ou seja, para que seja possível ao Estado privilegiar o conjunto da população, este deve assumidamente priorizar direitos e políticas. Direitos mais sólidos, particularmente para os que são a parte frágil das relações sociais e laborais, sendo que são precisamente estes os afectados pelo desequilíbrio real entre as forças. Esta constatação resulta da mais ingénua das observações da realidade. Impor que a lei trate de outra forma as relações entre trabalho e capital, em pé de igualdade, por exemplo, resulta directamente no acentuamento da fragilidade da posição do trabalho, com os custos sociais e humanos que isso acarreta.
Por que motivos não pode Abril dissociar-se dos direitos dos jovens portugueses?
Em primeiro lugar porque resulta directamente da revolução, pelos motivos óbvios que resultam do facto de pré-existir uma ditadura fascista durante a qual os direitos da juventude, como das restantes camadas populares, foram pura e simplesmente subjugados, eliminados e considerados inexistentes. Mas em segundo e mais importante lugar, porque a natureza da revolução e o seu pendor político eram efectivamente classistas. Só isso explica que, no quadro legislativo constituinte, tenha surgido a necessidade de tomar o partido dos trabalhadores, numa perspectiva de desenvolvimento social e político que se orientava para o socialismo. A protecção da juventude não nasce de uma casualidade, de um espírito bondoso da assembleia constituinte, tampouco da popularidade dos discursos que usam a juventude como mote. Esse é infelizmente o lugar que se quer reservar aos jovens dos dias de hoje, sendo que são exactamente esses quem sustenta, como uma bolsa, a exploração crecente do trabalho que o capital vem levando a cabo, apadrinhado pelos PS's, PSD's, CDS's e, em certa medida, pelos grupos esquerdistas que minam a unidade entre o proletariado e as camadas exploradas da população e contribuem para o revisionismo histórico, elemento fundamental do aprofundamento das ofensivas de classe dirigidas contra os trabalhadores.
A defesa especial da juventude resulta do facto político e social de que so jovens são uma camada popular mais exposta à exploração capitalista, tendo em conta as suas características transitórias, resultantes das relações materiais que estabelecem com o meio durante essa fase da sua vida. Particularmente as relações materiais que são inexistentes, dada a inexistência de meios de subsistência ou propriedade. Ou seja, pelas condições peculiares do trajecto do jovem no mundo capitalista, a fase juvenil é despojada de propriedade ou de meios de subsistência, o que significa que esta é a camada mais "proletarizável" de todas.
Friday, February 12, 2010
o exemplo
A lei é afinal de contas, o fruto escrito da luta de classes em cada momento. Se bem que, muitas das vezes, as classes agem à margem dela. Assim é e assim será. Os comunistas lutaram à margem da lei quando ela plasmava a norma fascista, tal como os capitalistas e traidores de Abril precisaram (e em alguns casos ainda precisam) mover-se à margem da lei para atingir os seus objectivos numa altura em que ela - a lei - começou a escrever-se noutras tintas que não a das suas balofas penas. Ainda hoje, tal foi a dimensão das conquistas do povo português em Abril, muitos grupos precisam mover-se à margem, ou na linha de fronteira, da lei para levarem a sua estratégia de domínio adiante.
Imaginemos um mundo sem lei nenhuma escrita, em que a única lei seria o nosso sentido de justiça. Nesse mundo um dia alguém roubou a todos os restantes um pedaço de terra e disse dele que era "seu". Apropriou-se, roubou o que era de todos. Nesse mundo, um dia alguém tomou posse sobre todas as terras, de tal forma que obrigou os restantes a trabalharem as terras agora decretadas privadas. E esse alguém criou um banco para guardar os frutos das colheitas, tal como um banco para guardar os salários dos empregados. Esse alguém tirava, a cada dia, um pouco mais dos frutos para si próprio, enquanto pagava cada vez menos aos restantes. O banco que era uma casa, passou a ser um quarteirão.
E esse alguém, que à luz do mais elementar bom-senso não é outra coisa senão ladrão, é hoje o exemplo a seguir.
Imaginemos um mundo sem lei nenhuma escrita, em que a única lei seria o nosso sentido de justiça. Nesse mundo um dia alguém roubou a todos os restantes um pedaço de terra e disse dele que era "seu". Apropriou-se, roubou o que era de todos. Nesse mundo, um dia alguém tomou posse sobre todas as terras, de tal forma que obrigou os restantes a trabalharem as terras agora decretadas privadas. E esse alguém criou um banco para guardar os frutos das colheitas, tal como um banco para guardar os salários dos empregados. Esse alguém tirava, a cada dia, um pouco mais dos frutos para si próprio, enquanto pagava cada vez menos aos restantes. O banco que era uma casa, passou a ser um quarteirão.
E esse alguém, que à luz do mais elementar bom-senso não é outra coisa senão ladrão, é hoje o exemplo a seguir.
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