Wednesday, January 19, 2011

Determinismo Histórico?

A forma como Marx transforma a dialéctica num instrumento ideológico revolucionário é, na minha opinião, um avanço no pensamento humano ao qual apenas se pode comparar o avanço extraordinário que a percepção humana do universo teve com as teorias da relatividade restrita e relatividade geral de Einstein. Tanto um quanto outro utilizaram instrumentos e modelos racionais que assumiam a ruptura com os raciocínios que sistematicamente levavam a Humanidade aos becos sem saída. O próprio Einstein, socialista e apologista do socialismo como solução para os problemas da sua época, afirmou que "não pode resolver-se um problema utilizando os raciocínios que o geraram". Aliás, a aplicação das leis da dialéctica a um novo materialismo, iniciada por Marx e Engels, não representa outra coisa senão o surgimento dos novos raciocínios para resolver os problemas gerados pelos antigos.

Diz-se que durante o período da Guerra Fria, os cientistas soviéticos se opuseram à concepção matemática de "singularidade" como estado inicial do universo. Hawking diz mesmo que o fizeram por "fé marxista no determinismo histórico". Curiosamente, décadas mais tarde vem a colocar-se precisamente com grande força a hipótese teórica de não ter sido, de facto, esse o estado inicial do universo. Mas não é, obviamente, esse o motivo do texto que aqui trago, até porque estaria manifestamente em terreno inóspito para o meu insignificante conhecimento em matéria de física moderna, ou clássica, para o caso tanto faz.

"o mundo só terá duas saídas, socialismo ou a barbárie." Ora esta ideia marxista, plasmada na frase de Rosa Luxemburgo, segundo me parece é tudo menos determinista até porque nem o socialismo nem a barbárie são definidos por leis imutáveis, tampouco previsíveis. Mas mais do que isso, o simples facto de ser colocada uma bifurcação histórica teórica (socialismo ou barbárie) indica um modelo não estático da evolução histórica da humanidade. Aqueles que acusam os marxistas de determinismo histórico ou, pior, como faz Hawking (independentemente da sua genialidade) os acusam de "crentes numa fé", ignoram o mais evidente facto de estarem eles próprios a incorrer num raciocínio cristalizado em torno da imutabilidade das relações sociais. Ou seja, dos que descrevem as leis elementares das relações de classe e preconizam a superação dos estádios de desenvolvimento humano em cada época através da agudização dos antagonismos de classe, diz-se que são deterministas, ainda que assumam a incerteza sobre o futuro da Humanidade em função das condições objectivas e subjectivas de cada momento histórico.

Em contrapartida, dos que assumem a total estagnação da História no estado capitalista/imperialista, diz-se que são racionais e anti-dogmáticos. A contradição é evidente. Hawking encontra-se entre os que, do lado ocidental do mundo, se afirmou no mundo da ciência também partindo das conquistas de inúmeros astrónomos e matemáticos soviéticos, muito embora com o campo socialista tenha sempre mantido a necessária distanciação que o patrocínio do império lhe exigia. Ele próprio foi vítima da dogmatização de crenças religiosas, tendo agora, felizmente, a lucidez que caracteriza os génios para questionar essas teses, abandonando crenças e fés que sempre criticou nos restantes.


A concepção marxista, materialista e dialética do mundo e do universo, que embora integrada no pensamento de Einstein nunca afectou Hawking, é tudo menos determinista no sentido estrito da palavra. Veja-se como a visão materialista dialética é efectivamente a única ferramenta filosófica que, simultaneamente passível de teste e verificação (ao contrário dos modelos idealistas)aceita o princípio da incerteza, não na escala micro, mas mesmo macro, reconhecendo a influência das infinitas variáveis materiais e subjectivas que se interpõem no curso histórico da Humanidade. No entanto, é tão determinista quanto a Física e a Matemática, no plano filosófico. Ou não são ambas as disciplinas, particularmente a Física, o corolário da aceitação genérica e específica de que o Universo - em todas as escalas - é gerido por leis passíveis de compreensão. É aliás este o motor da investigação em Matemática e em Física: a convicção de que existem leis que podem determinar o funcionamento de todo o Universo. A busca da teoria quântica da gravitação (que unificará, tanto quanto se pensa, a teoria da relatividade geral com a mecânica quântica) é isso mesmo: a busca por uma teoria que possa unificar duas que aparentemente se contradizem e se excluem mutuamente. Claro que, para um marxista, isto não representa uma dogmatização ou uma fé determinista, na medida em que sabem que, de acordo com as mais elementares leis da dialética, existe interpenetração dos contrários. Ou seja, do antagonismo aparentemente insanável resulta uma realidade irrevogável.

Quem, como Hawking faz, acusa de "crentes deterministas" aqueles que descrevem os processos com que ele se defronta diariamente só pode fazê-lo por dois motivos: má-fé e anticomunismo militante e consciente, ou incapacidade de compreensão do que realmente é determinismo, dogmatização e dialética materialista.

A conquista humana da "teoria quântica da gravitação" será um momento de consagração do materialismo dialético nas ciências e modelos.

3 comments:

jal said...

Parece-me que colocas bem a questão determinismo/dialéctica e o avanço que o materialismo dialéctico significou e significou para a humanidade.

Apenas uma dúvida que nada acrescenta à tua reflexão, a frase "o mundo só terá duas saídas, socialismo ou a barbárie" ´que atribuis a Marx, não será de Rosa Luxemburgo, no Panfleto Junius, de 1916?

Anonymous said...

É uma vergonha...
Em Évora existe um call-center que explora os jovens alentejanos, com contratos precários... há muitos anos... usando-se o sistema de rescindir com uma empresa e fazer contrato com outra.
Trabalhamos com todos os sistemas informáticos do grupo caixa seguros, Império Bonança, Fidelidade Mundial e Multicare, mas não temos o direito a receber um preço mais justo pelo nosso trabalho, tal como os funcionários das Companhias?
Quando contactamos os clientes das Companhias é como se fossemos funcionários destas Companhias, mas para recebermos ordenado já não nos identificamos como tal.
Limitamo-nos a receber entre € 400,00 a € 500,00 e somos tratados como máquinas, pior ainda… pois quando os computadores não funcionam, não existe remédio… quando estamos a precisar de ir à casa de banho, já temos tempos estipulados e a correr depressa.
O Call-center já funciona há muitos anos, muitas empresas passaram muitos “escravos” ficaram…
Agora que mudaram a gestão do Call Center, para uma empresa de escravatura dos tempos modernos, denominada Redware, do grupo Reditus, decidiram inaugurar… vejam lá… inaugurar o Call Center, que devia-se chamar Senzala.
Este grande acontecimento vai acontecer amanhã, dia 25 de Março, e vai ter direito à visita do Secretário de estado para a inovação Carlos Zorrinho, do Presidente da Câmara de Évora José Ernesto Ildefonso Leão de Oliveira, do Presidente da Caixa Geral de Depósitos Fernando Faria de Oliveira, do Presidente das Companhias de Seguros do Grupo Caixa Seguros Jorge Magalhães Correia e as suas comitivas.
E pergunto-me vão inaugurar o quê, mais uma fase da exploração de pessoas, que têm que se sujeitar às condições destes empregos porque não existe mais nada?
Mas não somos pessoas?
Não devíamos ter direito a usufruir de condições mais justas pelo nosso trabalho, para termos direito a viver?
Até quando é que o nosso Pai, a nossa Mãe, o nosso Tio, a nossa Tia,… poderão ajudar-nos?
Mas depois é ver a publicidade destas empresas, em que parecem todos bons rapazes e muito solidários, eis um exemplo http://www.gentecomideias.com.pt/gentecomideias/Pages/MensagemdoPresidente.aspx
Sr. Presidente da Câmara, tenha vergonha em pactuar com esta forma de escravatura… ponha a mão na sua consciência, isto se ainda a tiver…

João Valente Aguiar said...

«Aqueles que acusam os marxistas de determinismo histórico ou, pior, como faz Hawking (independentemente da sua genialidade) os acusam de "crentes numa fé", ignoram o mais evidente facto de estarem eles próprios a incorrer num raciocínio cristalizado em torno da imutabilidade das relações sociais. Ou seja, dos que descrevem as leis elementares das relações de classe e preconizam a superação dos estádios de desenvolvimento humano em cada época através da agudização dos antagonismos de classe, diz-se que são deterministas, ainda que assumam a incerteza sobre o futuro da Humanidade em função das condições objectivas e subjectivas de cada momento histórico.»

De antologia meu caro. Os exercícios de desmontagem das contradições e ambiguidades da prática e do pensamento burgueses são das coisas mais importantes na luta teórico-ideológica.

Grande texto e com grande compreensão da dialéctica. Vais para sucessor do Barata-Moura? :-)

abraço