A Ciência e Tecnologia, e as actividades que delas resultam
ainda na esfera experimental (a Investigação e Desenvolvimento) são elementos
fundamentais do desenvolvimento económico na medida em que representam o
patamar da concepção do desenvolvimento dos meios de produção. A Ciência e a Tecnologia
são portanto um conjunto de saberes que é colocado ao serviço de um conjunto de
objectivos.
Dos quatro vectores do Sistema Científico e Tecnológico
Nacional (Laboratórios de Estado, Universidades, Empresas, Instituições
Privadas Sem fins lucrativos), só dois deles estão sujeitos directamente ao
controlo colectivo e por isso subordinados ao interesse nacional. Se
compreendemos que, no actual contexto, não faz sentido o Estado (o colectivo)
determinar as linhas de investigação e desenvolvimento e a política de C&T
para uma empresa privada ou para uma instituição privada sem fins lucrativos caso
essas entidades realizem essa investigação sem apoios públicos; já não podemos
compreender a desestruturação de uma política de C&T para o sector das
universidades e dos laboratórios de estado.
O que é uma política de C&T para os sectores estatais?
A política de C&T para os sectores estatais não é uma
política de controlo, mas sim de liberdade e de autonomia. A liberdade e
autonomia são condições fundamentais para uma investigação liberta de
constrangimentos económicos, de imposições ou concepções que visem satisfazer
interesses circunscritos e são a melhor forma de assegurar o interesse público
e colectivo do trabalho da academia e dos laboratórios de estado no que à
I&D diz respeito. A política para o sector não pode, pois, ser uma de
imposição de linhas de investigação, mas uma de estímulo à liberdade e à criatividade,
às sinergias, à difusão do conhecimento e da tecnologia, acompanhada por uma
visão estratégica que ligue os tecidos industriais e académicos, bem como os
tecidos industriais e laboratoriais, na perspectiva do desenvolvimento após a
investigação. A supressão do aparelho produtivo levará inexoravelmente à
supressão do tecido académico e, principalmente, à eliminação da figura de
laboratório de estado. Pelo contrário, uma política estratégica de desenvolvimento
económico, industrial, agrícola, piscatório e mineiro, é em si mesma uma
estratégia para a I&D do sector estatal, disponibilizando o saber e a
técnica para a solução de problemas concretos e para inovar perante a
necessidade de constante desenvolvimento dos meios de produção.
Que estratégia para os Laboratórios de Estado e para a
Universidade?
Não podendo existir intervenção directa do Estado (não
devendo – embora hoje exista) na componente científica da Academia e dos LLEE,
a forma como esses dois sectores de C&T se articulam com a Economia é a da
existência de uma plataforma rotativa entre a Academia, os LLEE e a Economia,
essa sim, com forte intervenção do Estado. A posse colectiva dos meios de
produção eliminaria qualquer possibilidade de intromissão privada nas
orientações de I&D do sector estatal, mas mesmo num contexto de
coexistência entre Público e Privado, como estabelece a Constituição da
República Portuguesa, o Estado pode condicionar as actividades privadas e submete-las
ao interesse nacional, tal como pode disponibilizar-lhes a estrutura de I&D
de que dispõe no sentido de assegurar a dinâmica da economia nacional. A única
plataforma de desenvolvimento e de inovação pública que existia em Portugal era
o Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, antes Laboratório
Nacional de Engenharia, Tecnologia e Indústria, extinto e pulverizado.
A indústria, pública ou privada, não tem hoje outras fontes
para a I&D que não um seu laboratório próprio, um laboratório privado (como
o ISQ) ou a Universidade. Ora, surge a questão fundamental sobre o papel da
Universidade neste contexto: a Universidade presta hoje serviços de I&D com
relativa intensidade, tanto a públicos como a privados, captando linhas de
financiamento a projectos e assegurando por essa via o seu próprio
funcionamento, acompanhada essa via por outras fontes de financiamento como as
propinas. A Universidade surge assim como um agente economicamente desajustado
em dois planos. No primeiro plano a Universidade concorre directamente com
estruturas que são mais capazes e mais vocacionadas para Investigação Aplicada,
como os LLEE. No segundo plano, a Universidade concorre com empresas de base
tecnológica que não podem disputar um mercado cujo concorrente é um gigante.
Preocupemo-nos com ambos os planos. A Universidade perde em
todas as frentes que lhe deviam caber prioritariamente ao estender a sua acção
à área da I&D. Não pode isso significar que a Universidade não pode
realizar I&D. Isso seria, por si só, incompatível também com a sua missão
fundamental que é a de gerar saber e difundi-lo. Mas pode significar que a
tarefa principal da Universidade não é a de intervir directamente como agente
económico, sob pena de condicionar a liberdade científica pelas necessidades do
mercado em que a Universidade entretanto se alojou. A autonomia universitária
fica claramente amputada quando a Universidade enceta o caminho da dependência
de quaiquer receitas que não as do financiamento directo pelo Estado – mesmo a
propina é uma condicionante ao seu financiamento e, como tal, à sua autonomia.
A intrusão da Universidade no trabalho das empresas e dos
LLEE não é benéfica para a Universidade. Mas também não é benéfica para os
sectores intruídos. Na verdade, a competição por financiamento para missões
diferentes gera uma desigualdade matricial e um desvio, ainda que involuntário
por parte dos profissionais (técnicos, professores e investigadores), na concretização
das suas tarefas. A Universidade pode centrar as suas linhas de I&D em
financiamento por projectos, mas não é justo coloca-la no patamar da prestação
de serviços como sucede, entrando em clara disputa com a empresa tecnológica e
com o LE. O Laboratório de Estado, empurrado para um papel cada vez mais
secundário por inexistência de substrato económico (indústria), vê-se forçado –
impedindo a liminar extinção – a recorrer a financiamento por projecto e a
submeter-se à lógica das publicações (até com efeitos perniciosos na avaliação
de desempenho de um investigador dos LLEE) para responder à ausência de um
financiamento de base para o seu funcionamento regular.
Uma academia universitária autónoma, sem dependência de propinas nem de financiamento privado, com professores livres e órgãos democráticos. Uma Universidade onde o professor/investigador não tenha qualquer limitação na sua investigação, na criação livre do saber e na livre produção de ciência, sem quaisquer subordinação. Uma Universidade assim precisa de um financiamento robusto, de um corpo docente com vínculo de nomeação definitiva, um corpo de estudantes dinâmico, participativo e equipamentos técnicos. Só a autonomia financeira da Universidade lhe permite liberdade académica.
Uma academia universitária autónoma, sem dependência de propinas nem de financiamento privado, com professores livres e órgãos democráticos. Uma Universidade onde o professor/investigador não tenha qualquer limitação na sua investigação, na criação livre do saber e na livre produção de ciência, sem quaisquer subordinação. Uma Universidade assim precisa de um financiamento robusto, de um corpo docente com vínculo de nomeação definitiva, um corpo de estudantes dinâmico, participativo e equipamentos técnicos. Só a autonomia financeira da Universidade lhe permite liberdade académica.
Que missão está a ser subtraída aos LLEE?
A missão de realização de tarefas classificadas como Outras
Actividades de Ciência e Tecnologia (OAC&T) e a realização de tarefas
relacionadas com a soberania nacional, nos planos mais diversos, nomeadamente
no plano económico. Igualmente, a missão de funcionar como charneira entre a I&D e a inovação, como fonte de criatividade e de soluções industriais. Ou seja, os LLE, ao invés de como sucede hoje, dedicarem
grande parte do seu tempo e consumirem grande parte do horário dos seus
investigadores ao preenchimento de formulários e à apresentação a candidaturas
de projectos junto da Fundação para a Ciência e Tecnologia, devem passar a ter
um financiamento programado, plurianual e que estabeleça a base para a
realização das suas tarefas fundamentais. Por exemplo, não se pode exigir a um
Laboratório com tarefas no controlo da saúde pública que apenas proceda a
colheitas ou análises quando o excedente de um qualquer projecto da FCT lhe
permite. Ou que o controlo da radioactividade em território nacional esteja
dependente da participação dos investigadores do LE num projecto europeu. Da
mesma forma, não podemos fazer depender a planificação das campanhas de pesca e
a gestão das comunidades de pescado da existência de um projecto de
doutoramento na área.
A colocação dos sectores públicos do SCTN ao serviço do
interesse nacional é absolutamente fundamental, não apenas para a sua
salvaguarda, mas para o próprio desenvolvimento económico do país. Sendo o
desenvolvimento económico a base do desenvolvimento social e cultural, a
existência de uma política de defesa e valorização da independência e soberania
nacionais no que à gestão das actividades de C&T diz respeito, torna-se
matéria de especial relevo. Nenhuma dessas questões, nenhuma orientação, se
desliga do projecto capitalista para Portugal e do projecto socialista. A
escolha é clara: entre um país dependente, atrasado económica e socialmente,
que use o seu potencial de I&D para satisfazer necessidades de outros
países e de outros interesses; ou a de um país desenvolvido económica e
socialmente e que coloque o seu potencial de I&D ao serviço do povo e do
bem-estar de todos, afirmando a sua soberania num contexto de livre,
cooperativa e solidária relação com todos os restantes povos do mundo.