A intervenção dos comunistas, assente numa perspectiva materialista e simultâneamente pragmática e dialéctica, tem como objectivo principal a alteração, ou melhor, a superação, da actual forma de relações sociais para e por uma outra, mais avançada, fruto da primeira.
Em debate promovido pela Freguesia dos Anjos, realizado dia 21 de Outubro à noite no Mercado do Forno de Tijolo, tive oportunidade de ouvir em directo a interpretação que o BE faz da cena política actual na sua dimensão actual, pela voz de um dos participantes no debate: José Gusmão, actualmente deputado à Assembleia da República pelo BE. Estou certo de que não estaremos perante um quadro qualquer, mas um dirigente e um representante das correntes dominantes da doutrina desse grupo político.
Ora, a determinada altura, a pretexto do domínio cultural da burguesia através dos meios de comunicação social (expressão da minha responsabilidade), José Gusmão traz-nos para a conversa a noção de "hegemonia". Esse conceito, que em si mesmo não comporta absolutamente nenhum aspecto que me mereça crítica, foi, no entanto, utilizado pelo BE da forma mais retrógrada. Segundo o BE, a alteração da actual correlação de forças passaria pela criação e consolidação de um novo "sujeito político", que não se verifica nem no PCP, nem no BE, segundo o próprio José Gusmão. Por isso mesmo, importa criar uma plataforma de entendimento "à esquerda" que seja capaz de agregar os diversos quadrantes dessa esquerda (presumo eu) e que possa contribuir para a alteração da "hegemonia", cultural no caso.
Esta visão, que na minha perspectiva, resulta de uma má-interpretação das pouquíssimas teses Gramscianas, acaba por se revelar profundamente reaccionária e cede às pressões idealistas sobre o materialismo e o marxismo. É, porém, uma visão política que caracteriza bem a natureza burguesa do BE e da sua interpretação da realidade e acção sobre ela. Para o BE, as condições materiais da Humanidade e as relações sociais não são o substrato do desenvolvimento histórico, mas sim resultado da hegemonia. Isso é bem ilustrativo através de aspectos muito concretos da intervenção do BE no meio operário e proletário, nomeadamente na introdução - pelo BE - de uma clivagem no movimento operário entre aquilo a que chamam "o precariado" e os "trabalhadores com contrato", como se existisse qualquer tipo de diferença material entre uns e outros e não fosse "o precariado" apenas o conjunto dos trabalhadores que sofrem o refluxo na legislação laboral. A definição do "precariado" como classe é anti-materialista e favorece clivagens no movimento operário, enquanto simultaneamente fragiliza o movimento sindical. O trabalhador com vínculo precário é um trabalhador, precisamente na mesma medida em que qualquer outro, independentemente da duração do vínculo, dado que ambos estão dependentes da procura da sua força de trabalho para que possam vendê-la e assim sobreviver. Aliás, o contrato de trabalho, a estabilidade laboral e profissional são conquistas que não nasceram com o proletariado, mas com a luta do proletariado.
Mas José Gusmão, ao colocar o factor decisivo na hegemonia e no surgimento de um novo "sujeito político", centra a transformação social na super-estrutura, nas movimentações partidárias e na alteração da cultura dominante. Não é a primeira vez que ouço o BE, à semelhança de muitos outros esquerdistas dos mais variados sectores, colocarem as questões políticas decisivas no campo das ideias. Se a batalha ideológica é, sem sombra de dúvidas, importante, a questão da hegemonia coloca-se, entretanto, num outro patamar. A revolução não nasce da alteração da hegemonia. Aliás, a revolução não resulta necessariamente de uma subversão ou alteração da cultura dominante, pelo simples facto de que o estado revolucionário suplanta o estado conservador que determina a cultura dominante.
É correcto dizer-se que a hegemonia determina as relações sociais?
É correcto dizer-se que as relações sociais determinam a hegemonia?
Como podem os opostos ser simultaneamente verdadeiros?
Todavia, são-no.
Mas numa persepctiva materialista, a segunda afirmação sobrepõe-se à primeira, porque, embora aparentemente se neguem, a primeira não pode ser verdadeira sem que se verifique a segunda.
Por isso mesmo, o BE esquece uma questão absolutamente determinante quando faz a sua análise super-estrutural e idealista da realidade: o "sujeito político" já existe. O sujeito político é o povo trabalhador, o proletariado, independentemente da natureza do seu vínculo laboral. O "sujeito político" não será um partido, nem qualquer outra forma de organização política, muito menos um Manuel Alegre ou qualquer outro cavalo de corrida em que o BE aposte. A questão que se coloca à esquerda revolucionária é, não a da constituição de um novo sujeito, mas a da consciencialização do único verdadeiramente capaz de conduzir os destinos da Humanidade ao futuro.
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2 comments:
Eu estive lá no Debate, promovido pela Junta de Freguesia dos Anjos, e concordo em absoluto com o teor do seu texto, estimado Pedras Contra Canhões.´
E acho que devemos pôr os pontos nos is nas questões ideológicas ( com tradução, depois, na prática ) naquilo que nos separa do BE. E acho que o Miguel Tiago o fez em mais do que uma ocasião. Mas também me parece que a clivagem agora ( este governo, este Orçamento, etc, etc ) passa pelo combate à direita e aos seus mandantes: o capital.
Óptimo blogue, meu amigo!
Luís Almeida
Exactamente.
E a luta de classes?
Essa "coisa" da hegemonia junta-se a outras distracções úteis. Muito sabe a ideologia (pre)dominante...
Um abraço
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