Não é questão totalmente resolvida a do papel e posição dos criadores artísticos, indiviuais e colectivos, perante a sociedade. Essa questão está em constante evolução e coloca-se quer para o actual estadio de desenvolvimento, quer para os que se lhe sucedam, socialismo e comunismo. Se por um lado, o sistema capitalista encontra na cultura e na arte, instrumentos de difusão da doutrina dominante e dos comportamentos que lhe estão associados, não deixa de existir uma intenção material, além da ideológica.
Na verdade, uma é outra: a intenção ideológica de afirmação e consolidação da hegemonia cultural serve o aumento da capacidade de exploração dos grandes grupos económicos e dos monopólios. Mas no que à Cultura diz respeito, tal como em algumas outras áras, nem tudo se resume ao lucro directo, já que os grupos económicos compreendem o valor ideológico, filosófico e imaterial do domínio cultural, apesar de esse poder não gerar, por si só, mais-valia passível de apropriação. No entanto, em última análise, no curso do desenvolvimento das relações capitalistas, a cultura e a arte preencherão simultaneamente ambos desígnios: lucro e hegemonia. Facilmente tal se antevê pelo simples facto de estar já em curso uma política que subsome a oferta cultural à oferta de mercado.
Tal opção, de classe, satisfaz amplamente os anseios dos grupos económicos:
por um lado assegura uma cultura dominante que reproduz as lições filosóficas e ideológicas da classe dominante destinadas às classes exploradas, por outro assegura o domínio da difusão cultural por monopólios, com a consequente proletarização do artista e dos profissionais das artes e a apropriação das correspondentes mais-valias. A evolução desse processo criará dois mercados distintos qualitativa e quantitativamente, ambos lucrativos: o mercado cultural das elites e o mercado cultural de massas; o primeiro - adorno, o segundo - agente entorpecedor.
Estamos, pois, nesta circunstância nos dias que correm, presenciamos um processo que se desenvolve no sentido da supressão da criação artística livre e da concretização de uma monocultural global para as massas. Qual a resposta? Qual o papel da Cultura ante a Constituição da República Portuguesa? Quais as soluções no contexto da construção do socialismo?
A intervenção do Estado na política cultural é decisiva. Para os comunistas, e em Portugal para o PCP, especificamente, essa intervenção não pode ser concreta, nem directa. Ou seja, o Estado não é produtor de conteúdos culturais, nem de obras, nem actua especialmente como agente programador. Para os liberais, o Estado, enquanto instrumento da classe dominante, deve usar todos os seus meios para sufocar a produção independente, deve retirar-se dos apoios à produção e distribuição e deixar única e exclusivamente esse papel para os privados que escolherão em função dos seus objectivos e dos seus potenciais lucros.
Ora, como garantir a intervenção do Estado na medida certa, sem intromissão de gosto e de classe, permitindo que sejam as massas a criar e a moldar a própria arte e cultura? A CRP responde com uma tremenda criatividade e acertada justeza: delega no movimento associativo o papel de criar, distribuir e exibir, de produzir e promover, a elevação cultural da comunidade e a própria diversidade. Ou seja, a Constituição consagra o papel das massas na política cultural, tal como em outras áreas da vivência comum e responsabiliza o Estado enquanto organização pelas condições necessárias para a concretização desse papel do movimento associativo.
É um documento audaz, fruto de uma construção audaz do povo português - a revolução de 1974 e suas conquistas - e é de uma beleza política extraordinária: é uma constituição da república que preconiza o estado como organização e as massas, o povo, como o verdadeiro objecto do Estado. Na política cultural, essa concepção está bem clara.
A prática política tem vindo, no entanto, a distanciar-se cada vez mais das formulações constitucionais, força das políticas de direita que vêm reconstituindo o poder dos monopólios e destruindo paulatinamente as conquistas da revolução e as várias dimensões da democracia portuguesa.
A posição do artista, do trabalhador das artes e da cultura, à luz da constituição da república é claramente próxima da solução que se adoptaria num sistema socialista. O artista, colectivo ou individual, é política e estéticamente autónomo mas conta com o apoio do Estado para concretizar o seu trabalho, na medida em que, assegurando um direito fundamental dos seres humanos (criar e fruir) não pode estar sujeito ao acolhimento dos mercados geridos pelos grandes interesses económicos. A concretização da liberdade de criação - valor humano - é pois dependente da verificação das condições próprias para a realização da criação artística como trabalho - valor social.
A resposta do capital é a da proletarização, da sujeição do trabalhador das artes ao gosto e ao desígnio ideológico do proprietário dos meios de produção, assim comprometendo da sobrevivência do criador, que passa a depender estritamente de uma relação precária e sem espaço de autonomia criativa. Essa resposta tem um obstáculo claro na Constituição Portuguesa, mas um aliado firme nos partidos da burguesia.
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