Monday, February 20, 2006

Fascismo revisitado

O espaço da extrema-direita

Um olhar sobre a história recente da humanidade denuncia as tendências do capitalismo, por ter sido também este a dominá-la. Analisar a história do século XX é, em grande parte, olhar o capitalismo, da sua fase infantil após as embrionárias da revolução industrial, à sua fase mais avançada que hoje ainda tem expressão. Claro que a história do século XX é marcada pela maior insurreição dos trabalhadores que o mundo já conheceu, uma insurreição que daria origem a um Estado Proletário, no rumo do socialismo e do comunismo.

No entanto, é inegável que também merece bastante destaque o avanço do capitalismo, a sua consolidação, contando claro, com as adversidades com que sempre se deparou no quadro da luta de classes, e dos obstáculos anti-capitalistas e anti-imperialistas com que se foi cruzando.

Claro que o que mais marca a história, ainda hoje, é exactamente o confronto incontornável entre as classes de interesses antagónicos, entre os dois pólos das relações de produção, trabalhadores e os detentores de capital. Mas as grandes experiências socialistas fracassaram perante a dimensão titânica que os estados do capital conseguiram alcançar e perante, claro, outros mecanismos que conseguiram criar.

A luta de classes continua a ser o eixo fundamental da história, quer durante os avanços, quer durante os recuos ou crises do capitalismo. Se atentarmos às mais graves crises do capitalismo, veremos que o sistema está disposto a procurar e utilizar formas de organização e exercício políticas que, não sendo as suas opções primárias, constituem os seus braços fortes em ocasiões de desequilíbrio.

O capitalismo, na senda da sua perpetuação enquanto sistema dominante e no aprofundamento da sua capacidade predatória não hesita em recorrer a métodos de ofensiva aberta, deixando a sua posição mais típica em que aplica uma ofensiva mais encapotada.

Perante os graves desequilíbrios dos anos 30, por exemplo, o capitalismo viu-se forçado a criar e a promover forças políticas fascistas, que foram em muitos casos o garante da sobrevivência do próprio sistema. O Capitalismo poderia ter enfrentado uma derrota irrecuperável caso não tivesse existido o contrabalanço do nazi-fascismo, que veio repor privilégios perdidos do capital e das classes que o sustentam, com ramificações por toda a Europa.

O capitalismo, após essa sua fase de promoção da extrema-direita de forma acentuada, preferiu recorrer a métodos menos claros, utilizando, em muitos casos, o próprio sistema democrático, apoiando ditadores, como foi hábito em países espalhados por todo o mundo. Um outro recurso foi a intervenção militar e a agressão, garantindo que o sistema capitalista se podia apoderar de recursos e riquezas naturais dos países mais fracos.

No entanto, só precedendo grandes crises do capitalismo, o próprio sistema decide atribuir importância à extrema-direita, ou melhor, decide deixar-lhe espaço para proliferar e para crescer. No geral, o sistema capitalista consegue sustentar-se na base das falsas democracias, das chamadas democracias ocidentais. Nestes espaços, o poder capitalista consegue, no essencial, promover a sua política, simultaneamente, alimentando a necessidade de qualidade de vida das burguesias em que assenta e aumentando a sua influência sobre outros países que se situam fora da esfera dos ditos civilizados.

No entanto, em períodos de grande crise, as democracias burguesas podem não ser suficientes para garantir o controlo de massas que o capitalismo exige em determinados momentos de maior desequilíbrio no seu próprio sistema. Nesses casos, o leque de recursos do capitalismo abre-se significativamente. A violência, a repressão, a opressão, a censura, a tortura, a eliminação tornam-se instrumentos comuns. Por outras palavras, quando a guerra, as invasões, o saque e a predação não são suficientes para restabelecer o equilíbrio no sistema capitalista, o fascismo e o nazismo servem bastante bem esse desígnio.

O que presenciamos neste momento, na “terra dos valores novos e humanos” – Europa – é exactamente o recrudescer do mais intolerante fascismo. O capital está, de certo modo, a conseguir incutir uma moral como raramente conseguirá ter feito. São muitos aqueles que já alimentam a guerra entre Ocidente e Oriente, Cristo e Maomé, Deus e Alá, Bíblia e Corão nas suas próprias cabeças. E é isso que representa um avanço da extrema-direita. A forma irascível como este assunto tem vindo a ser tratado na comunicação social, pelos próprios governos, pelos clarividentes de algibeira, oops perdão, comentadores políticos, revela exactamente que se tem tentado por todos os meios, exaltar os ódios de ambos os lados.

A extrema-direita, frente de batalha do imperialismo nos momentos mais duros, aí está em força a cumprir o seu papel. Espalhar o ódio e o fundamentalismo. Aqui e lá. É que aqui também existe fundamentalismo e fanatismo, não é só no médio-oriente.

Basta atentar à forma como nos consideramos socialmente superiores aos países do Islão, para detectar fundamentalismo. Basta olhar as páginas dos jornais e ver homens e mulheres chorando e rastejando pelo chão pedindo milagres a nossa senhora em fátima… que pensariam estes se um qualquer cartoonista espetasse com a irmã Lúcia a torturar prisioneiros em Guantanamo?

Friday, February 10, 2006

liberdade de imprensa...

Deixo já claro que não sou particular estudioso das questões políticas e sociais do médio-oriente; não sou nem tenho qualquer qualificação que me permita ter o rigor necessário para estabelecer verdades sobre essa matéria; não pretendo no entanto, como outros, fazer crer que possuo tais credenciais. Prefiro que fique já o registo desta advertência. E digo isto porque recorrentemente a televisão e os jornais trazem aos seus programas ou colunas os mesmo do costume, com as opiniões do costume revestidos da esplêndida capa de especialistas disto e daquilo, sem, na verdade, mais não fazerem que veicular as posições oficiais do imperialismo e dos seus directores nevrálgicos.

As questões que se têm vindo a colocar de forma gradativamente mais preocupante em torno de países e povos do médio-oriente, particularmente no que toca ao dito choque ou confronto cultural e religioso com os países ocidentais não têm deixado de nos preocupar sobremaneira. Todos os dias, a cada minuto nos entra de rajada uma notícia, um artigo de opinião, uma foto sobre o que supostamente se passa nesses países árabes. Com a velocidade da modernidade, já nem paramos, muitas vezes, para questionar o lado de cá desta história.

1. Desde há décadas que se tem vindo a criar junto das sociedades ocidentais que o conceito de civilização é-lhes exclusivo, remetendo, implicitamente, todos os países que não reproduzam os seus métodos de organização ou religião para o estatuto de incivilizados ou, à velha moda romana, de bárbaros.
2. A cada notícia que passa consolida-se a linguagem ofensiva aos povos que, diferentemente dos da maioria da Europa e da América, não sustentam a sua visão do mundo nas dicotomias do cristianismo, e também àqueles que não partilham da sua mecânica económica capitalista.
3. O conceito de terrorismo começa a alargar-se e a estender-se a movimentos de defesa patriótica, a movimentos revolucionários e a lutas populares de libertação e conquista.
O terrorismo serviu sempre ao longo da História para justificar as incursões agressivas dos mais fortes, tipicamente transformados em mártires.
4. Conceitos como o de “fanatismo” e “terrorismo”, aludindo a uma inexplicável demência colectiva circunscrita ao islamismo, são cada vez mais irradiados e, sem darmos por isso, começamos a relacionar a tez escurecida, a barba e o turbante com bombas. É curioso, no entanto, que não o façamos quando imaginamos as estrelas e as riscas da bandeira dos EUA que, sozinhos já mataram, por via também do terrorismo organizado, muitos mais seres humanos que todos árabes juntos.
5. A última ofensiva ideológica que nos tem sido dirigida (a dos Cartoons) não tem outro objectivo senão o de criar o caldo cultural e de opinião que permita a caracterização ocidental do Islão como um cancro planetário que urge erradicar. De alguma forma faz-se parecer de todo incompreensível que povos muçulmanos não saibam brincar… Souberam os católicos reagir decentemente quando espetaram, num cartoon português, com um preservativo no nariz do papa? Souberam os católicos manter a dignidade democrática quando passou “a última tentação de Cristo” nas salas de cinema de Roma? E souberam esses ditos civilizados acolher a liberdade de expressão quando Saramago publica um livro que ficciona mordazmente em torno da vida do seu profeta?
6. A liberdade de expressão e de imprensa é um direito inalienável nos países ocidentais é-o porque se enquadra no modelo de sociedade que aqui se tem vindo a construir. Isso não significa que se exija igual aplicação ou compreensão do princípio em países, culturas e povos radicalmente diferentes. Essa liberdade tem vindo a ser o estandarte ocidental deste novo confronto. Aqui. Lá existirá outro.
7. O que importa neste momento ao imperialismo é criar as condições subjectivas que sirvam de pano de fundo a novas agressões, liquidando o direito á diferença, partindo contra os povos que não mostram total submissão. Daí, na Europa nos dizerem que estamos perante um ataque inadmissível à liberdade de imprensa. Daí também os líderes religiosos e políticos árabes utilizaram a raiva à nossa intolerância para justificar a sua.
8. Aqueles que participam nos ataques às embaixadas dinamarquesas e que acalentam a raiva, o ódio, a xenofobia e o confronto titânico dos deuses de uns contra os deuses de outros são tão criminosos quanto aqueles que provocaram os desequilíbrios. O capitalismo é global e a sua influência no ocidente não é diferente daquela que tem no médio-oriente, ainda que, obviamente, com expressões e interesses concretos diferentes.
No entanto, todos os que promovem este caldo de ódio são directa ou indirectamente lacaios do grande e poderoso polvo do capital e do imperialismo norte-americano que, com tudo isto, já se posiciona ávido de arrancar para a sua nova cruzada, babando qual predador perante a presa.

Com isto, lucram os senhores do petróleo de todo o mundo. Lucram os governos corruptos, islâmicos e ocidentais. Lucram as grandes corporações. Com isto, derrama-se o sangue dos povos, manipulados ou não. Perdem-se vidas necessárias para construir um futuro novo.