Thursday, March 06, 2014

até à maior das liberdades: a de não ser explorado



No Capítulo sobre Cooperação d’ O Capital[1], Marx relembra as palavras de Giovanni Carli “ «A força de cada homem é mínima, mas a reunião das forças mínimas forma uma força total, maior ainda do que a soma das mesmas forças, ao ponto de as forças, por estarem reunidas, poderem diminuir o tempo e acrescentar o espaço da sua acção.» O proletariado português tem um partido há exactamente 93 anos e nesse Partido o trabalho colectivo, a reunião das forças, foram características indissociáveis da sua natureza, é certo, mas também da sua indestrutibilidade.

O Partido Comunista Português nasce em 1921, não como uma secção ou divisão da social-democracia, mas como uma expressão organizada radicada directamente nos anseios, aspirações e lutas da classe operária portuguesa. As suas raízes anarco-sindicalistas, apesar de ultrapassadas, marcam a sua história, sem a envergonharem. Foi o trabalho colectivo que ultrapassou as dificuldades geradas por essas tendências. Tal como foi o trabalho colectivo que permitiu a aplicação dos princípio resultantes, em primeiro lugar da reorganização de 1929 e mais tarde o seu aprofundamento e desenvolvimento com a reorganização de 1940-41. Essa reorganização fundou o partido comunista nas massas, no povo e tornou-o invencível, porque se é possível destruir uma forma, uma administração, um qualquer partido, não é possível destruir a expressão concreta do sentimento desse povo. Num encontro com Álvaro Cunhal, recordo, ainda que eventualmente distorcidas, as suas palavras: “a classe operária terá sempre um partido revolucionário, é como os espinhos das rosas. Tornam a crescer mesmo se os cortam, porque são a sua defesa natural. Assim é com o partido comunista, mesmo que tenha outro nome qualquer.” O que a reorganização de 1940-41 trouxe à classe operária foi uma organização muito mais estável, menos sujeita a ser “cortada” para ter de “nascer outra vez”, mais apta a suportar os golpes – na altura desferidos com a brutalidade de um fascismo em ascensão que dispunha, não só das mais bárbaras metodologias, como do aparelho para as colocar em prática.

O Partido Comunista Português tem 93 anos. E depois da reorganização de 1940-41 consegue alcançar uma nova dimensão do trabalho de massas. Não sendo uma organização de massas, por isso ser manifestamente impossível no contexto da clandestinidade, orientou todos os seus esforços para a concretização de linhas de orientação concretas, palpáveis, tangíveis e verosímeis. A aglutinação do proletariado nas greves de 42-43 e 44 não teria sido possível sem essa forma de estar do PCP, resultado essencialmente da sua nova forma de organizar e dirigir. O trabalho de ligação às massas, que é em si-mesmo uma espécie de trabalho colectivo, foi a âncora de um partido que não entende vanguarda como “iluminação”, mas antes como “dedicação” e que confiou, nos vários momentos da sua vida, na capacidade transformadora do povo.

São 93 anos que têm rostos. Rostos de camaradas que nunca conheci, de outros que tive a felicidade de conhecer e de milhares com quem tenho a honra de trabalhar.

“…o colectivo faz nascer uma nova força. Não é apenas o somatório de pessoas, nem tampouco o somatório das suas forças, mas uma completamente nova, muito mais poderosa força. No seu capítulo sobre cooperação, Marx escreve sobre a força material. Mas quando, partindo dessa análise, a unidade da consciência e da vontade florescerem, essa força torna-se ilimitada.”[2]

Esses rostos não são formados em agências de marketing. Não são pessoas de plástico buscando fama e glória. Esses rapazes e raparigas das juventudes comunistas (que fazem igualmente 93 anos de existência) e esses homens e mulheres do PCP não estudam o discurso para disfarçar mentiras, nem treinam a retórica para enganar com mais facilidade. Esses rostos desprezam a política como desfile de vaidades e desprezam o poder como objectivo em si-mesmo. Esses rostos são os que não viraram as costas à luta nas alturas em que nenhum benefício material ou pessoal poderiam tirar de ser comunistas e em que, pelo contrário, colocavam em risco a sua integridade física e a própria vida. Esses rostos têm nomes escritos a sangue no Tarrafal, nas salas de interrogatório e tortura da PIDE, nas calçadas da Ajuda e esses são os nomes que honram a história do povo português.

Hoje não somos presos, nem assassinados. Mas somos perseguidos nos locais de trabalho, despedidos sempre que exista a possibilidade, caricaturados diariamente pela burguesia e pelos seus meios de difusão. Não há benefício resultante de ser comunista a não ser o maior de todos os benefícios que é o de viver sabendo que se está do lado certo de uma luta que não tem espectadores, sentir que a nossa felicidade é uma expressão complexa da felicidade dos que nos rodeiam.

93 anos de trabalho colectivo, de direcção e acção colectivas. 93 de unidade, dentro do Partido e fora do Partido. Unidade em torno dos objectivos concretos. Unidade dos portugueses contra os seus inimigos. 93 anos de luta, de imprensa partidária, de estudo e discussão teóricas, de prática revolucionária. 93 anos de duras derrotas e radiosas conquistas. Mas acima de tudo, não são 93 anos de passado que sirvam de bandeira para encher o peito com ar já respirado: são 93 anos que perpassam vigorosamente para os dias de hoje e que são, cada um desses 33.945 dias, uma arma mais para a luta que se trava hoje.

Comemorar o 6 de Março não é assinalar uma data, como ritual, é transportar para hoje o que os nossos camaradas já aprenderam, para que se não perca a riqueza da sua experiência, o valor da sua coragem, a dignidade do seu trabalho.

“Olhos no futuro”[3].

Não é, como é simples dizer, que a melhor forma de comemorar seja continuar a lutar. É que continuar a lutar é obrigação política e moral que não decorre de nenhuma comemoração. Mas a comemoração é parte dessa obrigação, porque nos capacita, porque nos fortalece, porque sem a compreensão do passado, não transformamos o presente e não construímos o futuro.

A luta é a que se exige de nós a cada momento. A soberania do nosso povo foi capturada, a democracia sequestrada. A economia é devastada diariamente como mecanismo de intensificação da espoliação e da exploração capitalista. Abril ficou inacabado e agora sofre golpes que podem vir a ser mortais. A convocatória para a luta está em cada canto, em cada fábrica, escola, ou bairro, mas para que seja cumprida tem de lá estar o Partido Comunista Português.

Aos que hesitam, dizemos: junta-te ao PCP.

E os comunistas estão, como estiveram, na afirmação da resposta necessária para o resgate da democracia e para o cumprimento de uma democracia avançada com os valores de Abril no Futuro de Portugal, com os “olhos no futuro”: o Socialismo e o Comunismo.






[1] O Capital, Livro Primeiro, Décimo Segundo Capítulo
[2] Nadezhda Krupskaya, em carta dirigida a A. M. Gorki de Setembro de 1932.
[3] Álvaro Cunhal, discurso na chegada ao aeroporto de Lisboa, 30 de Abril de 1974