Wednesday, July 16, 2008

Unidade

"O que é a unidade?" - os desafios do blog aleatório motivaram-me divagações.
Julgo que o actual momento político tem motivado divagações e especulações em torno de "unidades", partindo de um conceito de unidade formal e meramente partidário. A questão, aliás, as questões que se colocam, porém, são de ordem bastante mais complexa que a mera simbologia partidária. A unidade política não é uma formulação estanque e não pode nunca ser encurralada no estreito âmbito partidário.

Antes de mais a "unidade" deve ser definida para que o vocabulário corresponda a um conceito explícito. Sei que nenhuma definição deve ser feita pela sua negação, mas começarei exactamente por aí e, por isso, peço perdão.

i. a "unidade" de esquerda não é a junção formal de símbolos, nem tampouco de forças para efeitos conjunturais sem planificação estratégica e revolucionária.
ii. a "unidade" não se faz apenas em torno de práticas, ou de ideologias, nem mesmo de estilos de organização, mas sim por objectivos.
iii. a "unidade" não é a união ou coligação de partidos, grupos ou movimentos.

A "unidade política" é antes mais a conjugação e articulação do trabalho com as massas, independentemente da partidarização subjacente, ou mesmo sem partidarização subjacente. A actuação de um comunista é antes mais levada a cabo em unidade com a comunidade em que se insere. A unidade é das massas, dos estudantes, dos trabalhadores, do povo. A um partido revolucionário cabe a preservação e fortalecimento dessa "unidade" para a organização cada vez mais consciente de cada indivíduo e do colectivo. Agir em unidade é actuar em cada momento de acordo com as diversas tendências com que se trabalha, rumo a um objectivo comum. É o objectivo que determina a unidade não a unidade que determina o objectivo.

Por isso, falar de unidade de esquerdas, ou de qualquer outro tipo de unidade, antes de esclarecer o "objectivo da unidade" é apenas disparar um tiro no escuro, sem perspectiva revolucionária.

Por exemplo: as manobras que algumas franjas da esquerda têm promovido, têm um objectivo bastante diverso do da criação de unidade política. Por um lado, porque não estabelecem objectivos políticos de transformação da actual situação, por outro porque são convergências de interesses conjunturais com perspectivas essencialmente eleitorais. As movimentações do Bloco de Esquerda têm o objectivo claro, não de criar unidades, mas de comer as bases de esquerda do Partido Socialista, numa jogada essencialmente mediática. Não existe um envolvimento das bases nessa decisão, não existe uma concertação em torno de objectivos. O Bloco ensaia tolerância e unidade com alguns sectores do PS apenas na medida em que se quer afirmar como o destinatário dos correspondentes votos. Isso, pode ser muita coisa, inclusivamente táctica política ou estratégia mediática, mas não é "unidade".

A unidade, numa perspectiva revolucionária, é antes de mais com as massas, no sentido de alcançar um determinado objectivo. Em função disso, adoptam-se formas de trabalho unitárias. A imagem deturpada do que significa "unidade" em contexto político remete-nos para um cenário tipo negocial, em que os dirigentes deste e daquele partido discutem contrapartidas partidárias no quadro de coligações ou outras formas de acção em conjunto. De facto, a esse cenário pode corresponder uma verdadeira unidade nas bases, nas massas sem partido, com o projecto ali discutido. Mas por si só, essa negociação de contrapartidas entre direcções não representa nenhuma espécie de "unidade". Pode representar inclusivamente a quebra de pontes de trabalho unítário entre as estruturas em causa, ou pode representar a exclusão e a criação de clivagens profundas entre os movimentos e partidos.

No quadro objectivo em que escrevo, a união conjuntural e tácita de alguns dirigentes do Bloco de Esquerda com personagens que corporizam esperanças perdidas das bases do PS, não representa nenhuma unidade, nenhuma ponte entre as tendências de esquerda. Na verdade, representam apenas a afirmação de um Partido - o BE - perante o eleitorado de outro - ou seja - uma objectiva disputa, sem a discussão de um rumo de convergências de objectivos políticos. Para um revolucionário, para um comunista, o actual momento não se compadece com uniões conjunturais que possam significar retrocessos na consciência colectiva, que possam divertir ou iludir as massas, sem lhes apresentar uma solução coesa. Esse caminho alternativo começa no momento em que se afirme a ruptura profunda e democrática com as políticas de direita. E lança-se no momento em que se afirme a vontade de superação da fase histórica em que nos encontramos: a fase imperialista do capitalismo com recurso ao neo-liberalismo enquanto instrumento político.

Assim, a unidade de "partidos de esquerda" só pode resultar de uma verdadeira unidade em torno de um objectivo comum, aceite por todas as partes, em estreita ligação com as massas sem partido.

Se unidade fosse apenas "agir em conjunto", por exemplo, poderíamos afirmar que existe uma frente unitária de esquerda na Assembleia da República que junta três partidos - PCP e BE. No entanto, tal não é verdade. Porquê? Pese embora o facto de o PCP e o BE apresentarem nessa Assembleia muitas propostas semelhantes e de votarem de forma semelhante muitas das questões que ali são votadas, não existe uma ligação de unidade, no sentido em que não se verifica convergência nos objectivos de cada força política.

A manipulação mediática de descontentamentos e a tentativa de capitalização da aura de uma figura, independentemente do seu verdadeiro papel, sem nenhum compromisso servindo de base, afasta a população do necessário esclarecimento, branqueando papéis históricos, iludindo as massas sobre a verdadeira natureza do sistema e apenas resulta na mediatização e mistificação da política, remetendo-a para a esfera da novela de entretenimento.

A unidade entre partidos é, portanto, apenas uma expressão da unidade criada entre os partidos e as massas sem partido em torno de objectivos concretos traçados colectivamente, e sobre os quais se firmam compromissos para o alcance. No seio da "unidade" as disputas esbatem-se porque o objectivo é comum. Isto significa que um partido ou movimento, um grupo ou um grupelho, não pode criar unidade com outras entidades, nem mesmo com as massas sem partido, não verificando unidade no seu interior. A adopção de formas de organizãção dos partidos burgueses, coluna vertebral da organização interna de partidos como o BE e PS, fere a unidade extra-partido.

Dentro do PS cruzam-se e confrontam-se os interesses de poleiro, de clientelismo e de aparelhismo, defrontam-se lobbies e concorrem interesses privados. Ou seja, os interesses do mercado repassam directamente para as frentes que se degladiam no seio do Partido, numa notável permeabilidade entre aquilo que são os choques de interesses capitalistas e os choques de cada "ala" do partido.

Dentro do BE, degladiam-se - por vezes nutrindo entre si próprias um ódio ideológico assinalável - correntes de pensamentos e de acção distintas, cuja único ponto de união é efectivamente o anti-comunismo, ali expresso por um intestinal ódio ao PCP e às massas trabalhadoras. Na verdade o cimento que une as correntes do BE é mesmo a sobranceria intelectual perante as massas e o ódio anti-comunista. Entre essas correntes, tendências, facções, fracções ou alas, não existe unidade. Na verdade, entre elas verificam-se objectivos diferentes, formas de acção diferentes, julgamentos e análises políticas diferentes, ideologias diferentes, enfim. Obviamente que foi possível e até pode ser hoje ou tornar a ser no futuro, em determinados contextos históricos, criar unidade entre tendências sociais-democratizantes e revolucionárias, por exemplo. Mas não quando estas não colocam no seu plano de acção o mesmo objectivo e, muito menos quando deixam de observar um objectivo social e político para passar a ter como principal objectivo a disputa interna ou a concorrência entre si próprias.

A "unidade" conseguida em torno de uma figura, por mais sólida que seja a figura, é sempre uma unidade frágil, débil e condenada a não ser que seja consolidada em torno de objectivos e ultrapasse o indivíduo. A "unidade" em torno de objectivos eleitorais não é, no sentido mais amplo, uma verdadeira unidade, na medida em que os resultados eleitorais não são das massas sem partido. A "unidade" em torno de objectivos políticos, em torno de um projecto concreto, mesmo que expressa eleitoralmente, essa sim, transforma-se em plena "unidade".

Unidade, unitário, não significam mera união, mas também agir como um só sujeito histórico, ainda que multifacetado.

Quanto vale a palavra dos vermes?

Depois de ter assumido o compromisso de que nenhum professor seria remetido para a situação de mobilidade especial da função pública (o novo quadro de supranumerários), o Governo faz publicar um Decreto-Lei que força todos os professores declarados incapazes para a função docente a requerer a sua passagem a esse regime.

Professores com horário zero também.

O Governo mostra uma vez mais duas das suas principais características, com o Ministério da Educação - como sempre - na vanguarda:

i. que despreza os direitos dos trabalhadores, que são apenas um obstáculo à destruição dos serviços públicos.
ii. que mente persistentemente para esconder os seus verdadeiros objectivos.

Professores doentes, declarados incapazes, serão obrigados a requerer a sua passagem à mobilidade especial, sob pena de serem reclassificados e reconvertidos profissionalmente. Aqueles que não obtenham da Caixa Geral de Aposentações a luz verde para a reforma, serão colocados ao serviço já não como professores, mas como técnicos superiores ou técnicos assistentes. Caso contrário, têm bom remédio: mobilidade especial ou licença sem vencimento de longa duração. Tudo isto, voluntariamente, claro!

Monday, July 14, 2008

Ora vejam lá se apanham esta na TV

Como seria, no mínimo, correcto que todos quantos se preocuparam com a tal de ingrid betancourt, agora se preocupassem de facto com o que se passa na Colômbia.

Monday, July 07, 2008

ainda sobre uribe

obrigado, vítor. assim é mais fácil.
documentos norte-americanos sobre Uribe.

voto fascista

Eu não ia dizer nada sobre isto. Mas depois de o anónimo ter lançado um desafio à racionalidade e à rectidão crítica, achei que umas palavras sobre o assunto não viriam em demasia.

A libertação de Ingrid Betancourt podia ser um motivo de regozijo político e constituir, de facto, um momento importante para a procura de soluções para a questão colombiana. Qual questão colombiana?, perguntarão todos quantos sorvam a desinformação da comunicação social dominante com a mesma avidez com com que os putos mamam nas mamas das prestáveis mães. Para esses, será bom procurar algo mais. Será bom tentarem saber onde estão as sete dezenas de activistas sindicais assassinadas pelo Governo neo-fascista de uribe; será talvez útil ler e tentar buscar as posições daqueles que, no terreno da colômbia, lutam contra um presidente ilegítimo apoiado pela grande potência americana por representar uma fonte inesgotável de cristais de cocaína; talvez também possa ser-vos útil saber que o regime de extrema direita de uribe negoceia directamente os actos dos paramilitares e de outros mercenários assassinos que esventram diariamente a colômbia, pilhando, saqueando, sequestrando e matando. As papas desinformativas que nos dão à boca já mastigadas na TV e nos jornais não excplicam os fenómenos políticos que nos rodeiam. Basta prestar a mínima atenção para descobrir a cada passo, uma nova mentira ou incongruência.

O que se passou na Assembleia da República com o voto de congratulação pela libertação de Ingrid Betancourt foi apenas uma manobra de aproveitamento político com vista ao isolamento do PCP e ao branqueamento do papel do regime uribista. PS, CDS e PSD uniram-se na apresentação de um voto intelectual e politicamente desonesto, cujo objectivo não era saudar a libertação de Ingrid, mas apenas louvar o fascista uribe e condenar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército Popular. Seria bom relembrar que as FARC libertaram um vasto conjunto de prisioneiros nos passados meses, num processo de libertação unilateral intermediado pelo Presidente Chávez e que ninguém saudou tal acto, tão demonstrativo que foi da verdadeira vontade que as FARC apresentam para buscar solução pacífica para o conflito.

Seria bom relembrar que nos cárceres do regime uribista estão centenas de prisioneiros políticos, entre os quais comunistas e sindicalistas e que não houve até ao momento nenhuma libertação desses presos políticos.

A estes a Assembleia da República não dirigiu palavras de apoio. Ao regime uribista a Assembleia da República dirigiu um clamoroso aplauso, bafiento, mas eficaz. PS, CDS e PSD demonstram uma vez mais a quem servilmente obedecem e ajoelham às orientações norte-americanas. Brasil, Venezuela, Cuba, Bolívia e outros países vizinhos não identificam as FARC como forças terroristas, mas Portugal quer mostrar bom serviço à embaixada norte-americana e eis que, bem-comportado, apresenta trabalho feito.

A Assembleia da República poderia ter saudado a libertação para estimular a resolução pacífica do conflito que se vive na colômbia. Mas não o fez. Preferiu acicatar o regime uribista para a aniquilação da guerrilha revolucionária. Tal como antes, nós (comunistas portugueses) éramos terroristas; tal como che e fidel foram terroristas, como mandela foi temido terrorista, tal como todos os movimentos de libertação foram terroristas, agora o são as FARC.

O Bloco de Esquerda, absteve-se no voto do PCP que saudava a libertação e apelava à solução pacífica do conflito, colocando sempre como principal objectivo a paz. Aliás, o voto do PCP, rejeitado pelo PS, CDS e PSD, era o únco que mencionava a palavra "PAZ" e que fora apresentado de facto para saudar a libertação de Ingrid Betancourt. Já o voto da direita e da extrema-direita, apoiado pelo Bloco de Esquerda não tinha outro objectivo senão sentenciar a luta armada do povo colombiano e de ajoelhar perante o narcopresidente uribe.

Assim se vê.

Thursday, July 03, 2008

dignidade

Porque existirão forças que até se dizem de esquerda que defendem a liberalização, legalização, normalização e regulamentação das diversas formas de prostituição?

A libertação do Homem, a libertação da Mulher, pressupõe antes de tudo a conquista da mais elementar das liberdades: a de não ser explorado. A exploração laboral é uma das mais importantes formas de exploração do Homem pelo homem e é, no essencial, a que define as regras em que a actual sociedade capitalista se enquadra.

A exploração sexual, ao contrário do que muitos nos pretendem fazer crer, não é uma exploração laboral, na medida em que a entrega do corpo - recipiente principal da nossa própria entidade e racionalidade - não é um trabalho. Na verdade, aceitar a venda do corpo como um trabalho, seria consagrar como mercadoria o acto sexual e os seus resultados, nomeadamente, o prazer, o amor, a satisfação física. Mas mais que isso, seria aceitar que o conjunto do lumpenproletariat que recorre à prostituição para satisfação, quer seja de vícios ou de necessidades vitais, é patrão de si próprio. Caso contrário, aqueles que defendem a prostituição como forma de trabalho, considerarão que são prostitutos e prostitutas são "trabalhadores" por conta de outrém, não dispondo assim de auto-determinação no uso e posse da ferramenta de trabalho, nem tampouco da organização do seu próprio trabalho. Ora se assim é, então deve aceitar-se que estes "trabalhadores" não são sequer donos do seu próprio corpo, despojando-se da sua própria vontade e alma*.

Quem defende a regulamentação da exploração sexual, quem complacente e oportunisticamente, tolera sequer a ideia de apadrinhamento pelo Estado de uma exploração desta Natureza, manifesta o mais profundo desprezo pela dignidade humana. Quem aceita que seja possível, em qualquer circunstância, vender ou submeter a exploração por outrém, o seu próprio corpo sexual, aceita implicita, mas intoleravelmente, a mercantilização do amor e da relação sexual. Mais que isso, aceita implicitamente a separação idealista que o capitalismo nos impõe entre o corpo e o raciocínio, entre o físico e o ideal. A consideração da prostituição como um trabalho passível de ser considerado no plano é exactamente aceitar que a mercantilização do corpo é uma solução de recurso para a sobrevivência.

A esquerda, qualquer esquerda, qualquer força progressista, minimamente humanista não pode em momento algum abandonar a luta pelo direito à auto-determinação do ser humano, não pode abandonar a luta pela dignidade e pelos direitos ao trabalho, ao salário, ao descanso, e a uma vida digna em todas as suas dimensões: económica, social, política e cultural. É puramente incompatível a aceitação da venda do corpo humano com a defesa intrasigente dos direitos do povo, dos homens, das mulheres, dos jovens e das crianças.

A prostituição e o proxenetismo são apenas vertentes da relação da sociedade capitalista com o lumpen, em que o próprio sistema, principalmente através das suas operações obscuras mas também absurdamente lucrativas, remete para a condição de objectos os homens e mulheres que, por uma outra condicionante das suas vidas, foram obrigados a viver de comportamentos parasitários e não produtivos. Aceitar a prostituição, é abandonar a luta pela criação de condições para a extinção do lumpen e a luta por uma sociedade em que ninguém se prostitua.

Quem quiser, em acto consciente e voluntário, distribuir amor ou prazer a parceiros que em liberdade escolhe, mesmo aleatoriamente, manifesta apenas um comportamento sexual fetichista, porventura saudável (desde que protegido). Quem quiser praticar para si próprio ou para quem escolha a pornografia e o erotismo, mais não faz senão procurar as formas que mais lhe aprazem para o amor e o prazer. Quem, por força das circunstâncias, se submeter aos circuitos parasitas da prostituição de sobrevivência ou de contemplação de vício ou doença, não merece dos humanistas outra postura que não a da solidariedade para a luta com vista à sua libertação.


*alma - uso a palavra com consciência. Não na perspectiva idealista ou espiritual do termo que pressupõe a separação entre corpo e alma (espírito), mas exactamente no sentido oposto, partindo do princípio de que são indissociáveis corpo e alma, na medida em que a alma é a expressão racional e emocional do corpo humano, resultado sempre de uma interacção permanente entre o corpo e os estímulos exteriores.