Wednesday, April 16, 2008

O espectador-praticante

Portugal é o país da União Europeia com maiores taxas de obesidade infantil e de sedentarismo (70-78%), com uma das maiores incidências letais de doenças cardio-vasculares e com menores hábitos de actividade desportiva regular entre as mulheres. Na verdade, entre as mulheres, a prática desportiva formal ou informal representa menos de metade da dimensão da prática masculina.

A política para o desporto não é, no entanto, inexistente. Na verdade, significativos esforços económicos públicos são dirigidos ao desporto, ainda que apenas dirigidos para um espectro muito estreito de modalidades e quase todos adstritos à sua vertente profissional.
Por um lado, podemos afirmar que a verba do Orçamento do Estado para o Desporto é escassa e podemos mesmo acusar os sucessivos governos de fazerem sistematicamente depender essa verba das receitas dos jogos chamados sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Ou seja, o Governo não investe uma verba, um esforço, perante o desporto, mas atribuí-lhe uma verba flutuante cuja dimensão nem pode controlar, inflacionar ou diminuir. Mas por outro lado, tendo em conta que todo este esforço financeiro é dirigido para o desporto profissional, excluindo ainda assim o desporto feminino e o desporto por deficientes (que recebem apenas pequenas parcelas do total), podemos dizer que o desporto profissional e competitivo recebe a fatia de leão do financiamento público.
No entanto, perante a actual situação, seria de esperar exactamente o contrário. Só com a afectação de verbas muito significativas e com um sério investimento político, poderia o país passar de uma situação de défice desportivo estrutural para uma situação de verdadeiro crescimento e desenvolvimento desportivo.

Também nesta área se exige uma ruptura democrática e de esquerda com a actual política. Uma ruptura que recentre o desporto e a actividade física no plano dos direitos do povo português. Actualmente vivemos, portanto, um momento de aparente desenvolvimento desportivo, que é catapultado para a opinião pública através de uma promoção absolutamente hiperbólica do futebol profissional, mas que promove exclusivamente o desenvolvimento do desporto para espectadores e não para atletas. A generalização da posição de espectador de sofá significa directamente a diminuição do tempo de prática desportiva e o estímulo ao sedentarismo passivo. O desporto passa a entretenimento e deixa a categoria de direito de cada cidadão.

As políticas dos governos, ao invés de encorajarem a prática desportiva, mesmo sem punir o desporto profissional – o futebol, digamos - , optam por punir o desporto democrático e popular, através do estrangulamento financeiro e acantonamento político das colectividades de cultura desporto e recreio, clubes e associações desportivas, que são os verdadeiros promotores do desporto para praticantes e os verdadeiros parceiros do Estado no cumprimento do objectivo constitucional da garantia do direito ao desporto e através da promoção e estímulos financeiros, políticos e legislativos ao futebol profissional, fora esse o único eixo do desporto nacional.

Com estas políticas, o Governo faz mais uma vez o seu papel de comissário dos interesses do grande capital e do capital financeiro: promove a concentração de capitais e a dinamização de um mercado brutal e avassalador que cria lucros sem produção e que explora vastas camadas da população, particularmente as mais pobres e que, simultaneamente, contribui para um estratégico objectivo do capital – a alienação de massas e a promoção da apatia acrítica. A venda dos direitos de transmissão televisiva e radiofónica, a venda de merchandising, a venda de patrocínios e de materiais desportivos, a venda da imagem de este ou aquele jogador, treinador ou emblema clubístico, a venda de imprensa especializada, etc., são apenas exemplos das componentes várias de um mundo de lucro improdutivo que além das referidas tem íntimas ligações em diversos países do mundo com a especulação imobiliária a corrupção política e financeira, a mercantilização do desporto, a dopagem, o tráfico de influências e o trabalho infantil.
Estas são as vertentes degradantes do desporto.
Ou seja, são o resultado da apropriação do desporto e da sua conversão em diversão de massas enquanto agente espectador e não praticante. O desporto enquanto direito popular e prática libertadora e formadora do Homem, na perspectiva da cultura integral do indivíduo é assim substituído por um voyeurismo de TV, doentio e estupefaciente que afasta as massas da realidade em que se inserem e que cria mecanismos de acumulação de lucros gigantescos.

É urgente uma política desportiva que tenha como principal objectivo o desenvolvimento desportivo, como a assumida em 1974-1976, que estabeleça objectivos claros para o crescimento e alargamento da prática desportiva entre os jovens, os trabalhadores, os homens e as mulheres, os deficientes e os idosos.
É urgente romper com a política de clientelismos e amiguismos, romper com a política do desporto para espectadores e promover o desporto verdadeiro, nas ruas e nas ciclovias, no mar, nos rios e nas serras, nos ginásios, nos half-pipes e circuitos, nos parques, nos estádios, nas pistas, nos pavilhões. Para isso é preciso que existam ruas e ciclovias em vez de apenas estradas; é preciso que existam possibilidades de aceder ao mar e aos rios, é preciso ter serras em vez de apenas cimenteiras; é preciso ter infra-estruturas para caminhantes e montanhistas; é preciso que existam ginásios em vez de apenas oficinas da carne onde batidos, hormonas e esteróides anabolizantes substituem a prática física saudável e o convívio; é preciso que existam half-pipes e circuitos de skate e de roller-blade em vez de apenas prédios e cimento; para isso é preciso que existam parques e não apenas alcatrão e betão; é preciso que existam estádios, pistas e pavilhões abertos a todos como utentes e não apenas como clientes e espectadores.

Friday, April 04, 2008

"se fosse meu filho partia-lhe os braços"

A violência nas escolas e a indisciplina são fenómenos intemporais e persistentes. Não se compadecem com a atenção que, por um motivo ou outro, a comunicação social lhes dá apenas em determinados momentos. A forma como se tentam criar ondas de histerismo em torno de um problema que está ali há tanto tempo deve levar-nos a reflectir. Que interesses servem estes espasmos mediáticos, estes escatológicos agoiros?

Em torno de um vídeo no Youtube tem-se feito uma novela de dimensões que, não fora a seriedade do problema, se aproximariam do ridículo. A violência nas escolas, a indisciplina, as armas, etc. A sic faz especiais, o problema dura há duas semanas nas páginas dos jornais. Mais uma vez a comunicação fortemente apostada em criar um clima de desânimo e desesperança a apelar àquele sentimento famoso do "no meu tempo não era assim"...

Todas as gerações têm por hábito dizer que a juventude está perdida, que no seu tempo as coisas "não eram assim". Se fôssemos a julgar o actual estado da Humanidade e das sociedades pela súmula dos comentários das sucessivas gerações em relação às juventudes, diríamos estar perante o caos absoluto, perante uma sociedade de regressão civilizacional e tecnológica.

A julgar pela degradação moral, estética, social e cultural de que acusam a juventude de agora na sequência de terem sido no passado acusados tal e qual como fazem agora, estaríamos pois perante a mais javarda das épocas da história da Humanidade, estaríamos provavelmente próximos da Era do Verme Mentecapto. Mas curiosamente isso não se verifica. Estamos pelo contrário, perante a mais desenvolvida das épocas do Homem, onde a inteligência é a matéria-prima de um conjunto de processos que nunca antes tinham tido tanta expansão. Apesar do sistema capitalista, os dias contemporâneos donde não excluímos as experiências socialistas são os dias do Homem.

Esta é uma era de degradação material para uns e de enriquecimento para outros. Mas é inequívoco o crescimento do somatório da criatividade e capacidade humana.

E, no entanto, há uma pressão brutal que a todo o custo visa desacreditar a juventude, que visa criar uma sensação de desnorte moral e social. Que visa acima de tudo justificar as opções que já se preparam de regressão a um passado político que não esquece mesmo quem o não viveu.
O sistema precisa de uma componente cada vez mais hiper-vigilante, mais controladora, securitária e autoritária. O sistema precisa desse controlo permanente como forma de condicionar o comportamento humano, como forma de eliminar os comportamentos revolucionários, críticos e dinamizadores do pensamento colectivo. O sistema precisa disso na medida em que precisa da exploração. O sistema sabe melhor que as classes trabalhadoras que a exploração é insustentável no longo prazo e que, inevitavelmente, essas classes tomarão consciência transformadora. A questão é retardar.

Criar a ideia de que a escola é um meio violento, no seio do qual os estudantes não podem ser livres porque são vândalos é o primeiro passo para instigar medidas securitárias e autoritárias. No dia em que justificamos a videovigilância nas escolas, o cartão magnético, o controlo total sobre a vida do estudante, estamos a aceitar implicitamente e a médio prazo que o mesmo aconteça com os trabalhadores no local de trabalho. Daí é um passo até à expansão do modelo securitário para toda a sociedade.

À margem de tudo, continuam os problemas sociais e as irresponsabilidades acumuladas dos sucessivos governo e que são a verdadeira causa radical dos fenómenos de exclusão e violência escolares. À margem de tudo isso continuam os esforços dos estudantes e dos professores para construir uma escola democrática e inclusiva. À margem da Comunicação Social e da fúria histerizante dos especiais da tv e das capas dos jornais continuam as propostas do PCP na Assembleia da República.

Thursday, April 03, 2008

alguém me explica?

alguém me pode explicar por que raio algum partido votaria contra isto???
é que o Partido Socialista, com a sua maioria absoluta acaba de rejeitar uma política de mera prevenção de impactos dos sismos e de diminuição da vulnerabilidade sísmica do edificado em Portugal, com todos os restantes partidos a votarem favoravelmente.

Wednesday, April 02, 2008

a gestão como política

A glorificação do conceito de "gestão" é hoje uma das dimensões da ofensiva ideológica que vai entando encobrir as estratégias políticas da classe dominante. O esforço para iludir o carácter de classe das políticas que orientam os nossos governos é cada vez mais intenso e isso mesmo também se verifica na forma como se vai, na linguagem sitemática da ideologia burguesa, associando simbioticamente o conceito de "gestão" ao conceito de "política". Com isto, sucessivamente se justifica a submissão dos princípios políticos aos princípios do economicismo mercantil.

A gestão, por seu lado, é-nos apresentada como uma ciência, um objecto e um objectivo em si-mesma. A gestão enquanto instrumento social e económico ao serviço do bem comum é substituída por uma concepção de "gestão" cujo significado é objectiva, embora disfarçadamente, "gestão capitalista". Desta forma, os governos remetem para a esfera do inevitavel, do incontornavel e do facto consumado todas as políticas que entendem, limitando a dimensão da política a um estreito conceito de "gestão". Isto consolida a perspectiva do Governo-administração, funcionando como o Conselho de Administração. O Governo torna-se portanto um mero gestor, que gere consoante as orientações do mercado e as condições que o cenário em que se move lhe impõe. As opções de classe e a dimensão democrática e participativa que a "política" comporta são completamente arrasadas para dar lugar a uma prática empresarial.

Com isto, todo o país é sujeito às maiores injustiças em nome da "gestão" e para trás fica, cada vez mais distante, a democracia.

Mais "gestão" é hoje menos democracia.