Friday, November 28, 2008

desfiguração

O Estado, enquanto instrumento da classe dominante, adquire as características que a classe lhe imprime. Um Estado proletário é necessariamente diferente de um Estado Burguês e, perdoem-me o arrojo "Estado de todo o Povo" é coisa que não existe enquanto subsistir a mínima clivagem classista, ou pelo menos, enquanto subsistirem classes com interesses antagónicos.

O Estado burguês não tem sido, no entanto, um ente estático na História da Humanidade. Pelo contrário, tem sido agilmente mutável e evolutivo, capaz de se adaptar às irrefragáveis alterações e desenvolvimentos, particularmente dos meios de produção. O desenvolvimento dos meios de produção, aliado à evolução das necessidades da burguesia (objectivas e subjectivas) tem introduzido significativas alterações no comportamento dos estados burgueses. As máquinas de opressão e dominância que são os estados adaptam-se, como não poderia deixar de ser, às novas ambições da classe a que obedecem.

É isto que vamos presenciando em Portugal, à imagem do que se vai passando em todo o mundo. A estratégia de desfiguração do Estado cumpre assim dois desígnios: adaptar os mecanismos de dominação burguesa ao actual estádio de desenvolvimento dos meios de produção e criar as condições para o crescimento do poder burguês, aumentando os âmbitos do seu lucro e desmontando quaisquer "pactos com o espectro".*



* "pacto com o espectro" - metáfora marxiana para a ilustração da entrega de alguns serviços elementares para a sobrevivência das massas trabalhadoras aos estados e à propriedade e gestão comunitária, previsivelmente quebrado no exacto momento em que a prestação desses serviços deixa de ser meramente instrumental e passa a ser objectivamente lucrativa, constituindo um mercado.

Thursday, November 27, 2008

poetas descomprometidos

O que são as novas esquerdas? talvez importasse tentar enquadrar estas "movimentações" no cenário da luta de classes, descodificando as suas matrizes genéticas e, mais do que isso, o seu comportamento à luz do actual momento histórico.

Os instrumentos ideológicos do sistema são cada vaz mais diversos e encontram formas cada vez mais adaptadas às necessidades do interesses que sustentam o capitalismo e que o capitalismo, por sua vez, sustenta retribuindo. A procura de novas soluções para a contenção dos descontentamentos e das revoltas, sempre num quadro de aprofundamento das relações capitalistas implica apenas o ajustamento do ritmo de crescimento do capitalismo. Sendo característica essencial do sistema capitalista, a acumulação, a suposta humanização do regime passa apenas e exclusivamente pelo abrandamento do grau de exploração. Ou seja, desacelerar a fúria neo-liberal, suster o crescimento e a acumulação capitalistas do lucro para assegurar a própria sobrevivência do sistema. É um pouco como folgar a linha de pesca para não perder o peixe.

E o que o mundo cada vez mais precisa é que se corte a linha e se liberte o peixe.

O aparecimento preparado de determinadas figuras, estimulado e promovido pelo próprio sistema, com recurso à comunicação social dominante tem um significado muito próprio. Em várias dimensões. Temos verificado com alguma regularidade a fabricação de destacadas figuras públicas, partindo do nada e às vezes assistimos mesmo a uma reabilitação e branqueamento histórico de algumas outras. Serão vários os exemplos deste último paradigma de reabilitação pública: Manuela Ferreira Leite, Cavaco Silva, Paulo Portas, Santana Lopes, Durão Barroso, Mário Soares, entre outros, todos sinistras figuras da democracia portuguesa, altos responsáveis pelo estado em que o país se encontra e pela degradação da qualidade de vida da população. Todos confessados inimigos da Constituição da República e todos eivados do mais profundo espírito revanchista que moldou os sucessivos 25's de Novembro.

O outro grupo, o dos que vêm "do nada" são os encartados analistas e doutores da praça pública que por aí são promovidos como se fossem movidos por uma qualquer força do bem sem nenhuma ligação à hegemonia cultural da classe dominante. Eles são muitos e pululam nos programas televisivos, autorizados a falar de tudo e ainda mais alguma coisa.

Depois há um outro grupo a que o capital recorre sempre que necessita. Chamar-lhes-emos os "plano B". São esses os oportunistas que se escondem e desenvolvem na sombra do sistema, parasitando as suas falhas. Os neo-fascistas e os esquerdistas, bem como alguns "humanistas" descomprometidos, mas virados para guiar o barco do capitalismo nas horas difíceis, afastando-o dos recifes e dos baixios da luta organizada dos trabalhadores, desses perigosos rochedos e icebergs anti-capitalistas qu~e são constituído pela ideologia revolucionária comunista, marxista-leninista por sinal.

Ao sinal de instabilidade, o capitalismo prepara os seus planos B - que o que importa é manter a funcionalidade da máquina, independentemente do nome que se dá ao motor. Sejam eles as derivas direitistas e autoritárias que enformam o fascismo, ou as soluções atabalhoadas de esquerdas novas e humanistas que mais não fazem que assegurar o funcionamento da mesma máquina, mudando-lhe as caractérísticas tópicas. Incomparável, claro está, será o estilo de governação de um governo fascista ou proto-fascista com um Governo dito da nova esquerda, mas para o caso pouco importa que a função dessas gentes não será governar a não ser em casos de todo extraordinários. Não, a função dessas gentes não é governar. Antes é criar as condições para que os mesmos que hoje governam, o continuem fazendo. Antes é desconcentrar o descontentamento e a revolta, desorganizar a luta e espalhar a desesperança, esconder as alternativas anunciando a quatro ventos que a alternativa são eles próprios. O sistema capitalista, na manutenção da sua hegemonia, na difusão da sua cultura de massas, joga trunfos de se lhe tirar o chapéu e este é mais um deles. Se o povo quer uma alternativa, o próprio capitalismo lhe oferece uma. E coloca-a à frente do povo agigantando-a de tal forma que nos bloqueia a vista para as verdadeiras alternativas. É como se eu procurasse uma luz ao fundo do túnel mas que alguém me pintasse uma parede branca a dois palmos do meu nariz, iludindo o meu caminho, sossegando a minha procura.

São manueis alegres, franciscos louças, são esquerdistas, outros tais de "humanistas", que se juntam em torno de fogachos mediáticos - desligados de qualquer expressão de massas, os que materializam os planos B do actual sistema capitalista. São outros tantos que se pintam das cores da "esquerda" para encobrir a direita.

Que reflexos objectivos têm esses "poemas de amor" cantados pela esquerda bonita nas massas? de que movimento partem efectivamente? que realidade reflecte os sorrisos dos poetas e outros artistas que se juntam como quem vai a passear na noite dos óscares para ser visto, fotografado e idolatrado? O que é certo é que, mais ou menos bonitos, esses sorrisos, esses entendimentos, estão à margem das relações objectivas no terreno da luta de classes. Estão afastados dos trabalhadores, do povo. Acabam resultando numa gala de vaidades, num desfile de individualidades promovido pelo próprio sistema, a bem de uma tal de alternativa que ainda não teve sequer a coragem de dizer com o que rompe e o que mantém na actual política do governo. Uma esquerda que se vai construindo pelos mesmos que hoje se desmarcam de uma política que apadrinharam desde sempre.

Começa a tornar-se óbvia a tentativa de criar uma alterantiva cosmética que não assume nada, que apenas desvia as atenções do essencial. Isso torna-se tanto mais óbvio quanto maior é a obsessão manifestada pela exclusão do PCP. Pois está aos olhos de todos a impossibilidade de construir uma alternativa de esquerda sem a maior força de esquerda nacional que é, sem dúvida, o PCP.

Friday, November 21, 2008

Thursday, November 20, 2008

pausa de 2008

a todos os que gostam de dar por aqui um salto de vez em quando (o que agradeço), peço compreensão para tão prolongada ausência. Injustificada do ponto de vista político, tendo em conta que o que por aí não falta são bons e maus motivos para escrever.

Infelizmente, são principalmente os maus que me impedem de aqui trazer os "ensaios do costume". É pois o principal motivo da ausência o famigerado orçamento do estado para 2009 que aprofunda a política de direita, que afecta com cortes brutais o Financiamento do Ensino Superior; que acentua a política discriminatória e elitista do Ministério da Educação; que estimula a acumulação de capital e agrava o fosso sentido na distribuição de riqueza; que sufoca as instituições públicas de investigação e desenvolvimento, que determina a venda à peça do território nacional, dos seus recursos hídricos e geológicos; que mantém as pensões e reformas de miséria; que aumenta os custos com Educação e Saúde; que corta o apoio ao arrendamento por jovens; que estende a mão à banca e ao capital financeiro; que dá mais a quem menos precisa e menos a quem mais precisa.

Por tudo isto, "e o mais que se não diz por ser verdade", é que a pausa que se vertifica nos rabiscos deste blog pede compreensão.

O mais importante é que o Congresso do Partido Comunista Português será um momento de resposta à altura da ofensiva. E que a luta continua! E esses sim, bons motivos para a pausa na escrita.

Wednesday, November 05, 2008

não há intelectuais inocentes

O desenvolvimento e a adaptação da doutrina do capitalismo, da criação da nova ordem mundial, exigem a criatividade intelectual de um importante conjunto de servos do sistema, que nele se alimentam e das suas relações de exploração se parasitam.

A intelectualidade política, económica social e cultural, das mais diversas esferas da sociedade desempenha um papel substantivo na busca de soluções que possibilitem a evolução ou que sustentem a estagnação sem colapso.

O próprio sistema capitalista, e todas as suas faces, é na sua essência um modelo social anti-humano, porque centra na concentração, no grupo, no indivíduo, os seus objectivos, as suas análises. É um sistema anti-social porque se baseia na destruição das relações entre os homens, porque abole a cooperação, porque substitui a visão de colectivo pela visão de indivíduo, ainda que a subsistência de um implique a eliminação do outro. Os intelectuais, por vários motivos, mas também por desempenharem perante a sociedade um papel de vanguarda no contacto com o conhecimento, transportam uma especial responsabilidade perante a sociedade. Porque deles se espera um contributo importante para a teoria, para o estudo, para a indicação de soluções para os problemas da humanidade.

Os intelectuais, no seu conjunto, têm essa noção. Mas a doutrina do capitalismo, a hegemonia da propaganda e a subversão de comportamentos, a promoção do individualismo e dos protagonismos, contagiou como nenhuma outra, as forças intelectuais da sociedade. "A cultura dominante é a cultura da classe dominante." E os intelectuais que, pertencendo ou não à classe dominante se subjugam voluntariamente a essa cultura funcionam como centros de difusão e redistribuição da doutrina, à semelhança do que vão fazendo os meios de comunicação social. A hegemonia cultural, a normalização da cultura e do pensamento da classe são levadas a cabo através de um elaborado sistema. O Estado, o Sistema Educativo, a Comunicação de massas, a propaganda, a actividade empresarial e as regras das relações laborais desempenham o papel de amplificadores do sinal emitido pelas classes dominantes: estimular o individualismo, dividir as massas trabalhadoras e acentuar a exploração e a concentração do lucro.

Por vários motivos, vão surgindo figuras de destaque no âmbito da propagação da doutrina venenosa da burguesia. Sejam os chamados "politólogos", ou "comentadores políticos", sejam os "pensadores modernos", todos são promovidos pelo próprio sistema. Muitos são catapultados directamente do anonimato para a ribalta pelo simples motivo de que estão disponíveis para repetir o catecismo ideológico do capitalismo diariamente em antena aberta.

Outros, ainda no anonimato ou nos limiares da visibilidade pública, rastejam perante as classes dominantes, disputam a atenção do sistema capitalista e dos seus centros de decisão. Esses subscrevem de cruz a doutrina dominante, aprofundam-na e apresentam o seu contributo diariamente para o reforço da estabilidade do sistema capitalista. Repetem à exaustão as falas dos donos, não hesitam em ser correias de transmissão dessa cultura dominante, atacando sempre que possível o materialismo, o socialismo e o marxismo, validando as actuais relações de produção e a actual relação classista mundial. Há, neste grupo de sabujos intelectuais, um outro conjunto: o dos silenciosos. Aqueles que, mesmo dispondo de todos os meios para fazerem a análise concreta e materialista da história e das relações sociais, mesmo dispondo da capacidade para concretizarem o combate ao sistema capitalista, dessa tarefa se demitem, preferindo o silêncio. São cúmplices das injustiças e dos crimes.

O último grupo, talvez até não menor que os restantes, é o dos intelectuais actuantes, decididos e determinados: os silenciados. Aqueles que, no processo constante de desenvolvimento do seu conhecimento intelectual e cultural, vão colocando ao serviço da evolução colectiva da humanidade as suas capacidades. Aqueles que abdicam das luzes da ribalta entre os anafados patrões, aqueles que não subscrevem as teses e doutrinas do idealismo, do individualismo. Aqueles que souberam escolher o seu lado na luta de classes em favor do progresso e da superação desta fase actual da história. Aqueles que se posicionaram corajosamente como revolucionários, arriscando o seu próprio trabalho, mas entregando um generoso contributo para o avanço da luta dos povos rumo ao fim da exploração do homem pelo homem.

Um intelectual, particularmente aquele que está ainda distante da proletarização e que está ainda nas esferas de produção do conhecimento, transporta um importante património de conhecimento, uma capacidade analítica privilegiada, uma posição de confiança pública de alta responsabilidade e potencialidades máximas.

Por isso mesmo, não existem intelectuais inocentes. Um intelectual que difunde ou aprofunda a cultura dominante é uma peça actuante do sistema, um instrumento voluntário do capitalismo e das suas políticas. Um intelectual silencioso é um cúmplice. Um intelctual silenciado, mas que nunca se cala, é um Homem.