Wednesday, September 09, 2009

da inteligência colectiva (i)

Quase no seguimento do último texto aqui deixado, surgem questões que se ramificam por um sem-fim de áreas, sociais, filosóficas, políticas, culturais, como não poderia deixar de ser quando abordamos o comportamento humano, esse mapa oculto para o sucesso da vida em comunidade.

Não raras vezes se ouve, da boca de sábios encartados, doutores e fazedores de opinião, muitos políticos ou activistas, bem como de muitos comuns influenciados pela hegemonia cultural que "o povo é burro" e que "tem de abrir os olhos". Esta concepção, típica dos que se julgam iluminados por alguma espécie de clarividência divina não é mais do que uma demonstração de uma de duas coisas: ou de ignorância ou de premeditada intenção para manipular o receptor da mensagem.

Se inteligência é a capacidade de um ser vivo se adaptar a situações e condições novas, ultrapassando obstáculos e enigmas desconhecidos, ela não deixa de ser também reflectida na capacidade de utilizar as ferramentas e o somatório das experiências e estímulos como instrumentos para a resolução de um determinado problema. Por isso mesmo, o ser humano - posicionado como o mais inteligente dos animais terrestres - é capaz de resolver situações novas, tanto melhor quantas mais experiências tiver realizado ao longo da vida. Cada experiência é, ao fim e ao cabo, o resultado da interpretação de um conjunto de estímulos e respostas que estruturam pensamentos no indivíduo e, consequentemente, no colectivo que ele compõe.

Ora, se os homens (e peço desculpa por utilizar o termo para determinar a Humanidade, mas é o correcto do ponto de vista biológico) são seres que interpretam os estímulos com capacidade de com base neles construir respostas e arquétipos de raciocínio, e se a sua inteligência é também determinada em grande parte pela capacidade que têm de transpôr essa interpretação para a resolução de problemas, natural será que, quanto mais intensas forem as manifestações de inteligência humana, maior será a resposta aos estímulos envolventes, ou seja: aos estímulos ambientais.

Que estímulos ambientais serão esses nos dias de hoje?

i. certamente os estímulos naturais, que se acumulam no património de experiência colectiva do homem, que reflectem os instintos mais primários e determinam os nossos comportamentos elementares.

ii. os estímulos sociais, que resultam do ambiente social e familiar em que nos encontramos e que podem estimular sentimentos e comportamentos sociais, quer nas relações próximas, quer nas relações com o conjunto da sociedade.

iii. os estímulos culturais, que resultam da hegemonia cultural de classe de cada momento histórico, em função das relações de classe que se verifiquem e onde se incluem os impactos da educação de massas, da comunicação de massas e da doutrina cultural dominante.

iii. os estímulos económicos que, não sendo mais do que o resultado dos anteriores, são determinantes tendo em conta as relações materiais de que Homem carece para a sobrevivência.

Neste quadro, de uma Humanidade "burra", esperar-se-ia que não interprestasse esses estímulos de forma compreensível. Ora o que se passa e precisamente ocontrário: os seres humanos interpretam a realidade precisamente com os instrumentos de que dispõem e em função deles agem na sociedade e no meio. A lucidez política de um colectivo ou de um indivíduo não se mede, portanto, na proporção da sua inteligência mas sim, e especialmente, na quantidade, qualidade e variedade dos instrumentos disponíveis.

Como ser inteligente, funciona em relação directa com os estímulos que recebe e, nesse sentido, toda a humanidade vai efectivamente demonstrando que é possuidora de um potencial de inteligência absolutamente fascinante. Por isso mesmo, a questão não está em aumentar a inteligência dos homens e das mulheres que, segundo os iluminados,andam "adormecidos" mas sim em determinar a alteração significativa da hegemonia, ou seja, alterando o conjunto de estímulos a que está sujeita a Humanidade, introduzindo diferentes qualidades, maiores quantidades e mais variedade de estímulos que permitam ao sujeito, ao indivíduo e ao colectivo, alcançar maior espectro de soluções possíveis para os problemas com que se depara.

No entanto, a inteligência não determina o carácter, nem vice-versa. Daí que a disponibilidade de informação e de instrumentos racionais não determine directamente o posicionamento político de cada ser humano. O que o faz é essencialmente a sua posição de classe no sistema produtivo e a sua relação com os produtos materiais. Daí que a alteração da hegemonia cultural a que o proletariado está sujeito pode ser um factor determinante para a sua capacidade de resposta aos problemas que se lhe colocam. O proletariado, sendo a soma mais significativa de seres humanos, representa pois o maior reservatório de inteligência individual e colectiva no interior da Humanidade e também aquela que detém a força potencial para a criação das condições para a construção de um mundo novo. A instrução do proletariado, mais do que de qualquer outra classe é então uma tarefa da maior importância para os revolucionários de todas as épocas do capitalismo.

Para os cérebros burgueses, centros nevrálgicos do egoísmo e do egocentrismo - sejam eles ditos de esquerda ou de direita - o proletariado e povo, genericamente considerado, é "burro" porque não percebe como eles percebem a realidade. Na verdade, o proletariado e o povo manifestam inteligência humana a cada dia que reagem aos estímulos a que estão sujeitos. Se a doutrina dominante apresenta apenas como solução para a actual situação política, económica e social, o aprofundamento do capitalismo e da exploração, se na escola aprendemos que o socialismo e o comunismo são iguais, senão piores, ao nazi-fascismo, se na televisão, nos jornais, nas rádios, nos jogos de vídeo tudo nos estimula num detreminado sentido, então o que revelaria uma falta de inteligência estranha seria as populações terem um comportamento desenquadrado dos estímulos que recebem.