Monday, January 24, 2011

Artigo escrito para a Revista Vértice, publicado em 2010

A organização de um cristal é perene na medida em que a perenidade é apenas uma forma prolongada de efemeridade. E se jazem inertes os átomos nessa “molécula infinita” que é o cristal, isso ocorre apenas enquanto se encontrem estáveis as suas posições geométricas. Ou seja, até as menos dinâmicas das formações naturais, são episodicamente fluidas. Ou dito de outra forma, a mais sólida cristalização é, na verdade, um sistema permanentemente dinâmico, embora lento.
Os eóns e as eras sucedem-se e deixam-nos ficar as marcas da efemeridade de tudo quanto até hoje povoou o planeta. O estudo da Terra, dos fenómenos que nela se desenrolam e manifestam, sejam geológicos ou biológicos, químicos ou mecânicos, e particularmente o estudo desses fenómenos à luz do tempo geológico, constitui uma ferramenta de substantiva utilidade para a leitura global dos fenómenos económicos e políticos e um instrumento valioso para a compreensão da relação, ou relações, da Humanidade com a Natureza.

I
Se a Terra, sistema complexo e dinâmico, é o substrato material em que se estabelecem as relações sociais entre os seres humanos e dela depende a economia material, por incontornável processo de interacção Humano-Terra, então a abordagem científica sobre os diversos sistemas terrestres é uma peça fundamental do puzzle que vai, inexoravelmente sendo construído pela História, pequeníssima e quase inquantificável parcela da Geohistória. É contudo evidente que à sua irrelevância temporal não corresponde menoridade social ou tampouco científica. Ter consciência do tempo geológico é, no entanto, um exercício em si mesmo interessante, para enformar a noção de relatividade no nosso raciocínio e compreender, no quadro das possibilidades da compreensão humana que a ocupação humana (Homo sapiens sapiens) do planeta se consolida nos últimos 150 a 200 mil anos e que os hominídeos mais antigos (considerando o género) surgem há cerca de 1,5 a 2,5 Milhões de anos. A primeira relativização que se impõe surge da comparação entre esses valores e a idade da Vida na Terra, que se estima situar-se próxima dos 2500 Milhões de anos, tendo em conta as mais rudimentares formas biológicas. A grande explosão da biodiversidade terrestre ocorre no Câmbrico, ou seja, desponta há 570 Milhões de anos atrás.
A Física, a Química e a Matemática são a base de todas as ferramentas científicas, a que aliamos incontornavelmente o amor pelo saber que nos traz a Filosofia. A interpretação e, mais particularmente, a transformação da realidade implicará, pois, a convocação de todas essas ferramentas para a emancipação da Humanidade. Esta discussão conduzir-nos-á directamente para o aprofundamento da metodologia científica e a sua relação muito íntima com o materialismo enquanto pilar da inteligência. De facto, só nos momentos em que se abandonam as ilusões metafísicas e se deixam cair os dogmas idealistas é que se constituem os novos patamares do Conhecimento. Independentemente do contributo histórico que constituiu o pensamento idealista para o progresso humano, por mero reconhecimento devido, poderá ainda questionar-se se não foi ele sempre um factor mais resistente e conservador do que progressista. Por um lado, o desenvolvimento histórico é em si mesmo um processo resultante da soma de múltiplos processos e, por isso mesmo, a especulação não serve como instrumento para a sua análise, assim não deixando espaço para julgar que a História estagna ou reverte o seu curso. Assim, o reconhecimento de todas as etapas da História como elementos ou fases de um percurso é meramente natural. O domínio idealista, que ainda hoje de certa forma subsiste, não impede o progresso, mas resiste-lhe. Por outro, a “cientificidade” está, de acordo com a minha opinião, ligada à perspectiva e interpretação materialistas dos fenómenos.


II
As ciências da Terra, soma conjugada das matemáticas, físicas e químicas aplicadas à compreensão e modelação dos fenómenos terrestres em todas as suas dimensões – biológicas, geológicas, atmosféricas, etc. – constituem, sem a mais pequena dúvida, uma das áreas nucleares no conjunto das ciências que hoje, pela sua ligação com a economia material, se afirmam como indissociáveis das actividades humanas e, como tal, da política. A consideração dos dados, das hipóteses e das teses que as ciências da Terra vão produzindo, não devendo ser acriticamente assimiladas, devem ser importante referência para uma análise da cena política internacional e para a construção das alternativas ao curso de auto-destruição e de sobre-exploração que a Humanidade vai imprimindo a si própria e ao planeta de que depende, por força da persistência histórica das relações sociais capitalistas.
Se a inteligência é a capacidade de adaptação a uma situação inesperada e imprevista, ela manifestar-se-á de forma suprema na capacidade de adaptação dos seres vivos e particularmente do ser humano através da capacidade de resposta e, essencialmente, da criatividade. No entanto, a adaptação é uma capacidade, fruto de processos mais ou menos complexos, que não é exclusiva do ser humano ou mesmo dos seres vivos. A lava fluida que solidifica com a diminuição das pressões e temperaturas, mais não faz do que adaptar-se às novas condições físicas a que está sujeita, criando a rocha e os minerais que a compõem. O fluído hidrotermal que vai mineralizando as paredes da falha por que percola, mais não faz do que permitir que as moléculas que o saturam, deixem de o saturar para se afirmarem como corpos agora precipitados e independentes. Da mesma forma, a rocha sujeita a elevadas temperaturas e pressões, volverá a lava ou magma e o cristal precipitado tornará a diluir-se no fluído que dele não se encontre saturado. Ora, a mais estática das formações, o cristal, não deixa de ser dinâmico. Tal como a mais estática ou aparentemente estática relação social ou económica não deixa de ser uma fase de um processo permanentemente em evolução.
Contudo, o paralelismo simplista não só não é adequado como é errado. Por um lado porque a precipitação de um cristal através da sobre-saturação de uma solução é um processo que obedece linearmente a um conjunto finito de variáveis. Por outro lado porque é inevitável não apenas o desfecho como o processo que se desenvolve. É absolutamente inevitável que a sub-saturação conduza à diluição, tal como a temperatura extrema leve à fusão. Já não é absolutamente inevitável que as relações sociais actuais sejam alteradas de forma pré-determinada e previsível. É no entanto, absolutamente inevitável que elas se alterem num sentido genericamente considerado, obedecendo a leis específicas que são, afinal de contas, o resultado interpretativo do próprio curso da história e das relações materiais que se estabelecem e se desenvolvem. Ou seja, o paralelismo linear e simplista é errado e desajustado. Todavia, existe de facto um paralelismo, ainda que meramente formal. O conteúdo e as manifestações das relações humanas, sendo tão materiais como as relações físico-químicas, de que aliás resultam, diferem essencialmente dos restantes processos naturais pela complexidade e não pela natureza.
O antropocentrismo não deve, portanto, originar um “egoísmo humano”, pois essa perspectiva, independentemente da sua bondade ou ausência dela, será sempre conducente à menorização da Natureza perante o Homem, excluindo-o dela, ao invés de criar as condições para a nossa plena integração. A absolutização do Homem como epicentro de todos os fenómenos pode constituir um obstáculo à compreensão da realidade e, particular e especialmente, um obstáculo à sua transformação. É certo que toda a abordagem e acção humana parte necessariamente de uma visão centrada no Homem. Seria no entanto redutor absolutizar a centralidade do ser humano por ser um passo para ignorar a forma como a natureza evolui e por ser, ao fim e ao cabo, uma forma de absolutizar o momento presente.

III

A economia capitalista, na busca incessante pela sua dinâmica de acumulação, tende a desmaterializar-se e a tornar-se cada vez mais distante da economia real. Isso não significa, porém, que o sistema actual, a sua organização e o seu governo global, não conheçam as limitações da especulação, mas apenas que a supremacia dos objectivos de acumulação se sobrepõe a uma interpretação e actuação racionais perante a economia real, a humanidade e a natureza. Mesmo num quadro de crescente financeirização da economia, o governo global do sistema capitalista não ignora a importância - aliás, não poderia ignorar – das ciências da Terra e o seu incontornável contributo para o desenvolvimento social e económico, mesmo na perspectiva capitalista. A evolução dos meios e métodos de produção capitalista constitui, no entanto, um património da sociedade que não será desperdiçado em fase alguma do desenvolvimento histórico, nomeadamente, nas fases históricas que venham a superar o próprio capitalismo. A relação dessa progressão tecnológica, económica e produtiva depara-se, contudo, com limitações internas e externas. Limitações internas que se prendem com as necessidades do próprio Ser Humano no que toca à distribuição da riqueza produzida e limitações externas que advêm do facto de serem incompatíveis os ritmos de renovação dos recursos naturais com os ritmos de acumulação que o capitalismo vem adquirindo.
Sendo a Terra um sistema dinâmico, com recursos tendencialmente infinitos, a sua renovação tem intervalos longos à escala temporal de referência dos humanos. Intervalos esses que são manifestamente incompatíveis com a natureza predatória do capitalismo que, como já Engels e Marx o caracterizaram – mais depressa definhará do que parará de acumular. E o que é também significativo é o facto de os ritmos de acumulação capitalista serem acelerados, ainda que inconstantemente acelerados. A renovação dos recursos naturais, porém, além de lenta tem aceleração negativa. Ou seja, dada a concentração de recursos na biosfera e nas actividades humanas, nomeadamente a relativa à transformação energética, a renovação dos recursos tende a ocorrer em intervalos de tempo cada vez mais longos. A insustentabilidade da economia capitalista, tanto material como imaterial, torna-se portanto mais do que evidente. Significará essa insustentabilidade que as limitações externas imporão a alteração de paradigma organizacional das sociedades? Não é, de todo, essa a tese que pretendo defender. As limitações externas, objectivas, convergem para um ponto de revolução e exigem-no, mas serão certamente as limitações internas, as mais directas, a determinar o comportamento do ser humano em função das relações de classe do momento. Tal como nas restantes manifestações da natureza, esta relação é profundamente dialéctica. Ou seja, as limitações internas dependem das externas e vice-versa, tal como as condições objectivas se relacionam directamente com as condições subjectivas e vice-versa.

IV
A relação do ser humano com a natureza é, no essencial, material. Atalharemos aqui aos simbolismos e relações espirituais que o Homem vem nutrindo com a natureza ao longo das épocas, pois elas são precisamente o resultado das relações materiais.
A natureza e os recursos naturais que a compõem, no sistema capitalista, representam além de um meio e de um substrato, uma nova bolsa de mercadoria, passível de ser sujeita às normas comuns do mercado. A atmosfera, o oxigénio que a compõe, a biodiversidade, a água – principalmente a água doce-, os recuros marinhos, os recursos minerais metálicos e não metálicos, o geotermalismo e outras manifestações geológicas de energia são apropriadas como se fossem meras mercadorias transaccionáveis, ultrapassando as regras habituais do próprio sistema capitalista que vinha, até há pouco tempo, considerando mercadoria apenas os objectos/serviços nos quais fosse possível estabelecer concorrência e transacção para aquisição. Ora, isso significa que o próprio conceito de mercadoria capitalista se encontra em evolução e que se alarga na medida dos anseios da acumulação dos lucros. A conversão dos recursos em lucros, particularmente dos recursos que constituem o meio material indispensável à vida e ao desenvolvimento social e económico das populações, representa mais uma forma de apropriação do trabalho, sendo que o trabalho é a única forma de relação directa entre as actividades económicas e a natureza.
Para que os recursos sejam passíveis de se tornarem em mercadorias, independentemente dos custos sociais e humanos que essa conversão possa produzir, é necessário um profundo conhecimento do funcionamento da dinâmica terrestre, compreender a física e a química do planeta. Simultaneamente, para que seja dado o passo em frente de superação do capitalismo por uma organização mais avançada e socialista, é igualmente necessária a utilização desses instrumentos do conhecimento e da ciência.
A geologia e a biologia, aplicações concretas da física e da química ao contexto natural que nos rodeia, são desde sempre áreas científicas cruciais para o desenvolvimento económico. Foram-no desde a Pré-História, já que a evolução dos processos sociais depende em grande medida da ecologia, entendida como o conjunto das relações entre os diversos agentes do meio. Desde a utilização da rocha como utensílio, esculpindo-a à medida das necessidades do Homo habilis, até ao aproveitamento da energia térmica da Terra que se faz nos dias de hoje, passando pela importância dos recursos metálicos ao longo da História da Humanidade e dos recursos não metálicos, como o sal e outros evaporitos, que chegou mesmo a ser a base das transacções no império romano, as matérias-primas foram a incontornável fonte do progresso, sem as quais nenhum processo produtivo seria possível. A consolidação do sistema capitalista mundiais, as suas novas expressões através da globalização económica, tem fortes raízes na concepção e na perspectiva que o capitalismo vem desenvolvendo sobre a natureza e sobre as suas componentes, pois a sua própria sustentação depende da capacidade que venha a revelar de capitalizar e mercantilizar a própria natureza. Nesta linha, não são irrelevantes as campanhas mundiais que os estados e os grandes grupos económicos vêm fazendo no sentido de criar dogmas para-científicos, com vista essencialmente à criação de mecanismos de apropriação e controlo das riquezas naturais, mesmo daquelas, ou até particularmente dessas, que são de utilização fundamental e incontornável para a vida humana.
A gestão dos recursos, pilar e base da economia real – embora muitas vezes relegada para o plano da irrelevância por força da sobrevalorização dos mercados financeiros e especulativos – está pois intimamente relacionada com o progresso social e a política geralmente considerada. Para uma abordagem revolucionária, que vise a evolução constante das relações sociais como fruto das tensões classistas e das conquistas por elas geradas, também não poderão ser colocadas de parte duas questões centrais:

a) A interpretação crítica da manipulação que o sistema faz do conhecimento científico para servir os seus objectivos;
b) A utilização da Ciência e das ferramentas filosóficas do raciocínio, ou seja, do materialismo dialéctico, como instrumentos de emancipação social da humanidade.

Na primeira dimensão, existem importantes movimentações do governo global capitalista, articuladas no terreno pelos estados alinhados com essa estratégia de acumulação capitalista, que se traduzem, sem excepção, na espoliação das populações. Tal como as potências ainda correspondentes a Estados exploraram continentes e povos inteiros para garantir o seu florescimento, os grandes interesses, hoje supra-estatais, exploram novas dimensões da natureza e do trabalho. A entrega da gestão de recursos naturais e a dogmatização em torno das soluções de mercado para as insuficiências geradas precisamente pelo mercado global virá a traduzir-se numa ainda maior apropriação dos meios, com efeitos numa ampliação da exploração do factor trabalho. Da mesma forma que são as populações e o povo trabalhador que depende mais directamente do substrato natural, é a classe dominante a que menos dele depende para a subsistência. Essa relação de dependências diferenciadas faz toda a diferença, pois é ela que determina que a apropriação dos meios naturais produz directa ou indirectamente a apropriação de uma maior fatia do factor Trabalho, assim garantindo a tendência da crescente acumulação, mesmo num contexto em que se continua a verificar a lei da diminuição tendencial da taxa de lucro. Aliás, é precisamente por se continuar a verificar essa lei, descrita e sistematizada por Marx, em “O Capital”, que a voracidade do sistema capitalista atinge a escala acelerada o sistema Terra. A delapidação dos recursos é apenas uma expressão da delapidação do Trabalho.
Esse contínuo antagonismo entre Trabalho e Capital está na base do desenvolvimento histórico, do qual faz parte a diferente forma como o Homem se relaciona com natureza ao longo dos tempos. A compreensão dos fenómenos naturais, particularmente dos geológicos e biológicos, está pois na base de um projecto de gestão política, social e económica novo e audacioso, que supera as relações actuais e mitiga a discrepância galopante entre o ritmo da renovação dos recursos e o da acumulação de lucro.
A tese de que a Humanidade é, em si mesma, insustentável tendo em conta o crescimento exponencial da sua população e das suas necessidades não encontra correspondência com a realidade. Por um lado porque o consumo é distribuído de forma assimétrica pela população e é precisamente a que menos se reproduz que mais consome, correspondendo aos países ocidentais e europeus do hemisfério norte, a que se junta o Japão, como pólo imperialista regional e global. A forma como a Humanidade se organiza, porém, é de facto insustentável. Ou seja, a acumulação gerada pela avidez do lucro, resultado de leis objectivas entre as quais a já referida lei da tendencial diminuição da taxa lucro, é o factor principal de estímulo à degradação e delapidação. A crise de superprodução capitalista que atravessou a humanidade nestes últimos anos, tal como as anteriores, demonstra à exaustão que o efeito stock é útil apenas para a criação de factores de acumulação e que, perante a constante desvalorização do Trabalho, apenas resulta na quebra e na ruptura dos próprios mercados capitalistas.

V
As teses que visam opor o desenvolvimento humano à natureza são, na essência, as teses que vão sustentando as inevitabilidades capitalistas. Independentemente das fórmulas que as sociedades busquem para obter energia, independentemente das tecnologias que as sustentem, as contradições e incompatibilidades entre a organização social e económica manter-se-ão. A dogmatização para-científica de um conjunto de hipóteses, estimulada precisamente por quem detém o poder económico e político, acaba por resultar, quer no plano objectivo, quer no plano subjectivo, numa paralisação racional que opõe Homem à Natureza, de forma quase incontornável.
Porém, em primeiro lugar, a tese que opõe o desenvolvimento humano à natureza deve ser desconstruída pelo simples facto de não ser o Homem a mesma coisa que o Capitalismo. Melhor dizendo, se nos dias de hoje, de facto, a Humanidade corresponde predominantemente a uma sociedade capitalista, isso não significa que esse estádio de organização seja inultrapassável ou estático. Na realidade, a concepção que opõe economia e ecologia é a que cristaliza em torno do maior dos actuais dogmas, o que nos apresenta a organização social capitalista como fim histórico de um processo de evolução da espécie e da sociedade. Além de manifestamente “egocêntrica”, essa tese tende a ignorar os milhões de operações que condicionam o estado de desenvolvimento da Humanidade, os milhões de relações que se estabelecem e os milhões de mutações que essas operações vão sofrendo diariamente. Independentemente da tendência evolutiva que podemos, ou não, identificar no rumo que a História toma, o certo é que seria errado e precipitado afirmar como fim da evolução, o estádio de organização actual. Independentemente mesmo dos sentimentos que nos possa gerar o actual estado mundial, das revoltas, das paixões, independentemente das injustiças que se verificam a cada segundo, seria disparatado pensar que o motor da história pararia apenas porque se atingem patamares de equilíbrio entre as forças. Esses patamares de equilíbrio não são mais que os momentos mais estáveis da dinâmica global que preside às relações humanas e a toda a Natureza.
A oposição, como referia, entre economia e ecologia, além de cortar radicalmente com as origens de ambos os conceitos, deve afinal de contas traduzir-se na oposição que existe entre o uso capitalista da economia e o uso capitalista da ecologia, ou seja, essa oposição é na realidade a súmula da insustentabilidade do próprio sistema. Ecologia e economia partilham o prefixo “eco” que remete para “oikos ()” “lar”, “casa”, sendo que a primeira aponta o seu estudo e a segunda a sua administração. Do ponto de vista social e do desenvolvimento colectivo da Humanidade, ecologia e economia fundem-se. Do ponto de vista da obtenção máxima do lucro, ecologia e economia fundem-se também, porém, no sentido da destruição mútua e galopante dos seus objectos. Sendo que o objecto da economia são as relações entre o Homem e o da Ecologia são as relações na Natureza, que inclui as do Homem entre si e entre os restantes recursos.
A sistematização e compreensão do ecossistema terrestre, da sua ecologia natural e economia humana, remete-nos portanto para uma posição bastante mais humilde perante a Terra e o Tempo do que aquela que actualmente se vai afirmando na comunicação de massas e que tem como objectivo único absolutizar o estado actual, o presente, o sistema. Sabem tão bem os ideólogos da classe dominante quanto os revolucionários, que a imutabilidade da história é apenas o embuste e o engodo para prolongar a exploração. É isso que fazem e farão tudo ao seu alcance para manter a correlação de forças e as relações de produção actuais, independentemente dos impactos que essas relações imponham ao conjunto dos seres humanos por força das implicações que acarretam junto dos recursos finitos que compõem o ecossistema. A ciência é, por isso mesmo, um instrumento de emancipação da Humanidade na mesma proporção em que a manipulação científica pode ser um instrumento de conservação do estado de relações, já que resulta de um processo social assim traduzindo a correlação de forças política de cada momento. O potencial transformador da utilização da Ciência, do Conhecimento, mas numa perspectiva materialista e dialéctica perante a realidade afirma-se assim sem necessidade de outras considerações.

Wednesday, January 19, 2011

Determinismo Histórico?

A forma como Marx transforma a dialéctica num instrumento ideológico revolucionário é, na minha opinião, um avanço no pensamento humano ao qual apenas se pode comparar o avanço extraordinário que a percepção humana do universo teve com as teorias da relatividade restrita e relatividade geral de Einstein. Tanto um quanto outro utilizaram instrumentos e modelos racionais que assumiam a ruptura com os raciocínios que sistematicamente levavam a Humanidade aos becos sem saída. O próprio Einstein, socialista e apologista do socialismo como solução para os problemas da sua época, afirmou que "não pode resolver-se um problema utilizando os raciocínios que o geraram". Aliás, a aplicação das leis da dialéctica a um novo materialismo, iniciada por Marx e Engels, não representa outra coisa senão o surgimento dos novos raciocínios para resolver os problemas gerados pelos antigos.

Diz-se que durante o período da Guerra Fria, os cientistas soviéticos se opuseram à concepção matemática de "singularidade" como estado inicial do universo. Hawking diz mesmo que o fizeram por "fé marxista no determinismo histórico". Curiosamente, décadas mais tarde vem a colocar-se precisamente com grande força a hipótese teórica de não ter sido, de facto, esse o estado inicial do universo. Mas não é, obviamente, esse o motivo do texto que aqui trago, até porque estaria manifestamente em terreno inóspito para o meu insignificante conhecimento em matéria de física moderna, ou clássica, para o caso tanto faz.

"o mundo só terá duas saídas, socialismo ou a barbárie." Ora esta ideia marxista, plasmada na frase de Rosa Luxemburgo, segundo me parece é tudo menos determinista até porque nem o socialismo nem a barbárie são definidos por leis imutáveis, tampouco previsíveis. Mas mais do que isso, o simples facto de ser colocada uma bifurcação histórica teórica (socialismo ou barbárie) indica um modelo não estático da evolução histórica da humanidade. Aqueles que acusam os marxistas de determinismo histórico ou, pior, como faz Hawking (independentemente da sua genialidade) os acusam de "crentes numa fé", ignoram o mais evidente facto de estarem eles próprios a incorrer num raciocínio cristalizado em torno da imutabilidade das relações sociais. Ou seja, dos que descrevem as leis elementares das relações de classe e preconizam a superação dos estádios de desenvolvimento humano em cada época através da agudização dos antagonismos de classe, diz-se que são deterministas, ainda que assumam a incerteza sobre o futuro da Humanidade em função das condições objectivas e subjectivas de cada momento histórico.

Em contrapartida, dos que assumem a total estagnação da História no estado capitalista/imperialista, diz-se que são racionais e anti-dogmáticos. A contradição é evidente. Hawking encontra-se entre os que, do lado ocidental do mundo, se afirmou no mundo da ciência também partindo das conquistas de inúmeros astrónomos e matemáticos soviéticos, muito embora com o campo socialista tenha sempre mantido a necessária distanciação que o patrocínio do império lhe exigia. Ele próprio foi vítima da dogmatização de crenças religiosas, tendo agora, felizmente, a lucidez que caracteriza os génios para questionar essas teses, abandonando crenças e fés que sempre criticou nos restantes.


A concepção marxista, materialista e dialética do mundo e do universo, que embora integrada no pensamento de Einstein nunca afectou Hawking, é tudo menos determinista no sentido estrito da palavra. Veja-se como a visão materialista dialética é efectivamente a única ferramenta filosófica que, simultaneamente passível de teste e verificação (ao contrário dos modelos idealistas)aceita o princípio da incerteza, não na escala micro, mas mesmo macro, reconhecendo a influência das infinitas variáveis materiais e subjectivas que se interpõem no curso histórico da Humanidade. No entanto, é tão determinista quanto a Física e a Matemática, no plano filosófico. Ou não são ambas as disciplinas, particularmente a Física, o corolário da aceitação genérica e específica de que o Universo - em todas as escalas - é gerido por leis passíveis de compreensão. É aliás este o motor da investigação em Matemática e em Física: a convicção de que existem leis que podem determinar o funcionamento de todo o Universo. A busca da teoria quântica da gravitação (que unificará, tanto quanto se pensa, a teoria da relatividade geral com a mecânica quântica) é isso mesmo: a busca por uma teoria que possa unificar duas que aparentemente se contradizem e se excluem mutuamente. Claro que, para um marxista, isto não representa uma dogmatização ou uma fé determinista, na medida em que sabem que, de acordo com as mais elementares leis da dialética, existe interpenetração dos contrários. Ou seja, do antagonismo aparentemente insanável resulta uma realidade irrevogável.

Quem, como Hawking faz, acusa de "crentes deterministas" aqueles que descrevem os processos com que ele se defronta diariamente só pode fazê-lo por dois motivos: má-fé e anticomunismo militante e consciente, ou incapacidade de compreensão do que realmente é determinismo, dogmatização e dialética materialista.

A conquista humana da "teoria quântica da gravitação" será um momento de consagração do materialismo dialético nas ciências e modelos.