Thursday, April 11, 2013

notas sobre o Sistema Científico e Tecnológico Nacional


A Ciência e Tecnologia, e as actividades que delas resultam ainda na esfera experimental (a Investigação e Desenvolvimento) são elementos fundamentais do desenvolvimento económico na medida em que representam o patamar da concepção do desenvolvimento dos meios de produção. A Ciência e a Tecnologia são portanto um conjunto de saberes que é colocado ao serviço de um conjunto de objectivos.
Dos quatro vectores do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (Laboratórios de Estado, Universidades, Empresas, Instituições Privadas Sem fins lucrativos), só dois deles estão sujeitos directamente ao controlo colectivo e por isso subordinados ao interesse nacional. Se compreendemos que, no actual contexto, não faz sentido o Estado (o colectivo) determinar as linhas de investigação e desenvolvimento e a política de C&T para uma empresa privada ou para uma instituição privada sem fins lucrativos caso essas entidades realizem essa investigação sem apoios públicos; já não podemos compreender a desestruturação de uma política de C&T para o sector das universidades e dos laboratórios de estado.

O que é uma política de C&T para os sectores estatais?

A política de C&T para os sectores estatais não é uma política de controlo, mas sim de liberdade e de autonomia. A liberdade e autonomia são condições fundamentais para uma investigação liberta de constrangimentos económicos, de imposições ou concepções que visem satisfazer interesses circunscritos e são a melhor forma de assegurar o interesse público e colectivo do trabalho da academia e dos laboratórios de estado no que à I&D diz respeito. A política para o sector não pode, pois, ser uma de imposição de linhas de investigação, mas uma de estímulo à liberdade e à criatividade, às sinergias, à difusão do conhecimento e da tecnologia, acompanhada por uma visão estratégica que ligue os tecidos industriais e académicos, bem como os tecidos industriais e laboratoriais, na perspectiva do desenvolvimento após a investigação. A supressão do aparelho produtivo levará inexoravelmente à supressão do tecido académico e, principalmente, à eliminação da figura de laboratório de estado. Pelo contrário, uma política estratégica de desenvolvimento económico, industrial, agrícola, piscatório e mineiro, é em si mesma uma estratégia para a I&D do sector estatal, disponibilizando o saber e a técnica para a solução de problemas concretos e para inovar perante a necessidade de constante desenvolvimento dos meios de produção.

Que estratégia para os Laboratórios de Estado e para a Universidade?

Não podendo existir intervenção directa do Estado (não devendo – embora hoje exista) na componente científica da Academia e dos LLEE, a forma como esses dois sectores de C&T se articulam com a Economia é a da existência de uma plataforma rotativa entre a Academia, os LLEE e a Economia, essa sim, com forte intervenção do Estado. A posse colectiva dos meios de produção eliminaria qualquer possibilidade de intromissão privada nas orientações de I&D do sector estatal, mas mesmo num contexto de coexistência entre Público e Privado, como estabelece a Constituição da República Portuguesa, o Estado pode condicionar as actividades privadas e submete-las ao interesse nacional, tal como pode disponibilizar-lhes a estrutura de I&D de que dispõe no sentido de assegurar a dinâmica da economia nacional. A única plataforma de desenvolvimento e de inovação pública que existia em Portugal era o Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, antes Laboratório Nacional de Engenharia, Tecnologia e Indústria, extinto e pulverizado.

A indústria, pública ou privada, não tem hoje outras fontes para a I&D que não um seu laboratório próprio, um laboratório privado (como o ISQ) ou a Universidade. Ora, surge a questão fundamental sobre o papel da Universidade neste contexto: a Universidade presta hoje serviços de I&D com relativa intensidade, tanto a públicos como a privados, captando linhas de financiamento a projectos e assegurando por essa via o seu próprio funcionamento, acompanhada essa via por outras fontes de financiamento como as propinas. A Universidade surge assim como um agente economicamente desajustado em dois planos. No primeiro plano a Universidade concorre directamente com estruturas que são mais capazes e mais vocacionadas para Investigação Aplicada, como os LLEE. No segundo plano, a Universidade concorre com empresas de base tecnológica que não podem disputar um mercado cujo concorrente é um gigante.

Preocupemo-nos com ambos os planos. A Universidade perde em todas as frentes que lhe deviam caber prioritariamente ao estender a sua acção à área da I&D. Não pode isso significar que a Universidade não pode realizar I&D. Isso seria, por si só, incompatível também com a sua missão fundamental que é a de gerar saber e difundi-lo. Mas pode significar que a tarefa principal da Universidade não é a de intervir directamente como agente económico, sob pena de condicionar a liberdade científica pelas necessidades do mercado em que a Universidade entretanto se alojou. A autonomia universitária fica claramente amputada quando a Universidade enceta o caminho da dependência de quaiquer receitas que não as do financiamento directo pelo Estado – mesmo a propina é uma condicionante ao seu financiamento e, como tal, à sua autonomia.

A intrusão da Universidade no trabalho das empresas e dos LLEE não é benéfica para a Universidade. Mas também não é benéfica para os sectores intruídos. Na verdade, a competição por financiamento para missões diferentes gera uma desigualdade matricial e um desvio, ainda que involuntário por parte dos profissionais (técnicos, professores e investigadores), na concretização das suas tarefas. A Universidade pode centrar as suas linhas de I&D em financiamento por projectos, mas não é justo coloca-la no patamar da prestação de serviços como sucede, entrando em clara disputa com a empresa tecnológica e com o LE. O Laboratório de Estado, empurrado para um papel cada vez mais secundário por inexistência de substrato económico (indústria), vê-se forçado – impedindo a liminar extinção – a recorrer a financiamento por projecto e a submeter-se à lógica das publicações (até com efeitos perniciosos na avaliação de desempenho de um investigador dos LLEE) para responder à ausência de um financiamento de base para o seu funcionamento regular.

Uma academia universitária autónoma, sem dependência de propinas nem de financiamento privado, com professores livres e órgãos democráticos. Uma Universidade onde o professor/investigador não tenha qualquer limitação na sua investigação, na criação livre do saber e na livre produção de ciência, sem quaisquer subordinação. Uma Universidade assim precisa de um financiamento robusto, de um corpo docente com vínculo de nomeação definitiva, um corpo de estudantes dinâmico, participativo e equipamentos técnicos. Só a autonomia financeira da Universidade lhe permite liberdade académica.


Que missão está a ser subtraída aos LLEE?

A missão de realização de tarefas classificadas como Outras Actividades de Ciência e Tecnologia (OAC&T) e a realização de tarefas relacionadas com a soberania nacional, nos planos mais diversos, nomeadamente no plano económico. Igualmente, a missão de funcionar como charneira entre a I&D e a inovação, como fonte de criatividade e de soluções industriais. Ou seja, os LLE, ao invés de como sucede hoje, dedicarem grande parte do seu tempo e consumirem grande parte do horário dos seus investigadores ao preenchimento de formulários e à apresentação a candidaturas de projectos junto da Fundação para a Ciência e Tecnologia, devem passar a ter um financiamento programado, plurianual e que estabeleça a base para a realização das suas tarefas fundamentais. Por exemplo, não se pode exigir a um Laboratório com tarefas no controlo da saúde pública que apenas proceda a colheitas ou análises quando o excedente de um qualquer projecto da FCT lhe permite. Ou que o controlo da radioactividade em território nacional esteja dependente da participação dos investigadores do LE num projecto europeu. Da mesma forma, não podemos fazer depender a planificação das campanhas de pesca e a gestão das comunidades de pescado da existência de um projecto de doutoramento na área.

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A colocação dos sectores públicos do SCTN ao serviço do interesse nacional é absolutamente fundamental, não apenas para a sua salvaguarda, mas para o próprio desenvolvimento económico do país. Sendo o desenvolvimento económico a base do desenvolvimento social e cultural, a existência de uma política de defesa e valorização da independência e soberania nacionais no que à gestão das actividades de C&T diz respeito, torna-se matéria de especial relevo. Nenhuma dessas questões, nenhuma orientação, se desliga do projecto capitalista para Portugal e do projecto socialista. A escolha é clara: entre um país dependente, atrasado económica e socialmente, que use o seu potencial de I&D para satisfazer necessidades de outros países e de outros interesses; ou a de um país desenvolvido económica e socialmente e que coloque o seu potencial de I&D ao serviço do povo e do bem-estar de todos, afirmando a sua soberania num contexto de livre, cooperativa e solidária relação com todos os restantes povos do mundo.

Monday, April 01, 2013

De novo sobre a Escola Dual

Do papel da Escola, já muito escrevemos nestas linhas ao longo dos anos. Sobre o papel do Ensino Profissional também. Ao longo do mandato dos últimos três governos essa questão deve-se-nos colocar ainda com mais intensidade e merecer ainda mais reflexão. Sócrates, primeiro com Maria de Lurdes Rodrigues, depois com Isabel Alçada e agora Passos Coelho e Portas, com Nuno Crato, aplicam em Portugal nos últimos tempos uma estratégia de desfiguração profunda da Escola Pública tal como resultante da Revolução.

Não é de estranhar. É natural que o capital monopolista tenha na Educação interesses absolutamente diversos daqueles que teve o Povo Português e que foram manifestados na Revolução. Não é de estranhar que a Revolução, no sentido do aprofundamento da Democracia, conceba a Escola como um espaço para a formação da cultura integral do indivíduo, para a emancipação individual e colectiva do ser humano e para a eliminação das assimetrias sociais  e que o capital monopolista conceba a Escola como um espaço para a reprodução das assimetrias sociais, para a perpetuação das relações sociais de classe e para a desoneração dos seus custos com formação de trabalhadores.

Ou seja, enquanto que perante a Constituição da República e para um comunista, a Escola Pública tem um papel de destaque como pilar da democracia, como garante da igualdade no acesso ao conhecimento, sendo o instrumento principal para a elevação da consciência de cada um, para que todos aprendam, em igualdade, a utilizar o pensamento como factor de melhoria das suas condições de vida individuais e colectivas; o capital concebe a escola como um espaço em que os filhos da classe dominante aprendem os instrumentos da exploração e os filhos das classes dominadas aprendem a trabalhar.

Os últimos governos de PS, PSD e CDS, em Portugal, têm trabalhado arduamente para reconstruir o modelo de escola dual que existia antes da Revolução, utilizando para tal como exemplo os piores modelos do mundo no que à elitização diz respeito, como por exemplo o alemão e o austríaco, assim recuperando o mesmo ensino da escola comercial e técnica e do liceu, mas agora travestido de modernidade europeia.

A divergência na concepção da escola, do seu papel, centra-se logo na primeira pergunta:

Para que serve a escola pública?
a) Para aprender a pensar?
b) Para aprender a desempenhar tarefas?
c) Ou ambas?

Para o capitalismo, a escola tem papéis diferenciados. Ou seja, para as classes dominantes, a escola deve assegurar o domínio dos mecanismos básicos do pensamento filosófico, explicar o funcionamento do sistema capitalista e permitir que se aceda aos mais elevados graus do conhecimento e da técnica. Para as classes dominadas, a escola é apenas um instituto de formação profissional rápida e desqualificada que alimenta as necessidades de trabalho em função do lucro. Isto significa que, num regime capitalista, a escola tem sempre um papel dual, daí se traduzir esse papel da escola na sua própria forma, no seu funcionamento. A escola capitalista tem um papel dual e isso representa-se através de um sistema materialmente dualizado. A resposta, no quadro do domínio capitalista é a) para os filhos das classes exploradoras e b) para os filhos das classes exploradas.

Numa perspectiva socialista, a própria resposta é diferente logo nesta primeira questão. Ou seja, tendo em conta que o estado se posiciona ao serviço da classe maioritária, a explorada, a Escola Pública é concebida como instrumento para a atenuação e eliminação das assimetrias e para a anulação das relações de exploração de uma classe por outra. Assim sendo, em nenhum contexto, quer no socialismo, quer no comunismo, fará sentido dar outra resposta àquela pergunta que não a resposta c). Ou seja, quer num contexto de luta de classes, quer num contexto de inexistência de classes, o progresso é sempre mais rapidamente atingido se todos, independentemente da classe a que pertencem, estiverem dotados dos meios para pensar, raciocinar, agir criativa e criticamente, e ao mesmo tempo, capacitados para compreender parte das tarefas do quotidiano, do trabalho.

Muito mais se pode dizer sobre que tipo de aprendizagem de tarefas, de competências e de conhecimento, cabe à escola assegurar e que outro tipo cabe ao mundo do trabalho. Ou seja, mesmo numa perspectiva de contacto com tarefas e competências, faz sentido que seja a escola pública a investir em maquinaria que existe apenas numa unidade industrial apenas para assegurar que os jovens partem para o mercado de trabalho sem necessidade de formação adicional? Ou fará mesmo sentido criar espaços de colocação dos jovens em períodos de aprendizagem (retribuídos ou não) em contexto laboral, ainda no âmbito da sua escolaridade obrigatória, desviando recursos da escola pública para a formação profissional que deveria caber ao patronato?

Portanto, na resposta que damos a algumas perguntas, surgem imediatas novas questões, novos graus de profundidade para cada questão. E, tendo em conta a complexidade do sistema educativo, do seu papel, funcionamento, do relevo das ideologias na sua concepção

A implantação gradual de vias de ensino profissionalizantes, coloca-nos agora questões ainda mais complexas, tendo em conta a impossibilidade de eliminação imediata, por desastrosa, dessas vias.

Mas ainda assim, urge reflectir sobre elas e sobre que propostas e que modelos poderiam ser aplicados na construção de uma democracia avançada. Aceitando que a primeira resposta está dada à pergunta "para que serve a escola?", então poderemos iniciar uma nova reflexão, mais concreta e objectiva em torno das diversas questões que não deixam de se colocar por termos respondido àquela questão.

Em primeiro lugar, a entrada precoce no mundo do trabalho não me parece que possa servir como indicador para o estado de progresso de uma sociedade. Bem pelo contrário, quanto mais tarde o jovem necessitar de entrar no processo produtivo, melhor. Dito de outra forma, quanto mais tempo puder cada jovem dedicar à sua formação enquanto ser humano, enquanto homem ou mulher, melhor. Todavia, a economia, socialista ou capitalista, não se compadece com a perpetuação dos indivíduos em escolas ou laboratórios. Ora, existem duas formas de não desvalorizar nenhum dos patamares em causa: o trabalho e o estudo. A primeira forma é a elevação dos salários e dos direitos do operariado e dos trabalhadores em geral, não permitindo qualquer desvalorização social do trabalho. A segunda forma é a da valorização de todas as vias de ensino, equiparando-as e unificando-as ao ponto de que só um adulto é confrontado com a escolha de prosseguir estudos ou participar directamente no processo produtivo.

A forma como hoje, no contexto de um capitalismo em expansão, quer trabalho, quer estudos de massas, são abordados mostra bem a radical diferença: não só o trabalho não é valorizado, como é diariamente desvalorizado económica e socialmente e as vias de ensino são cada vez mais distintas, sendo que a esmagadora maioria delas é sujeita a uma igual degradação da qualidade e cada vez mais orientada estritamente para o desempenho de tarefas específicas. O capitalismo desvaloriza o trabalho e desvaloriza a escola, convertendo-a na antecâmara do trabalho mal-pago ou do desemprego, o que lhe permite também investir muito menos dinheiro na formação dos trabalhadores.

Portanto, a escola dual, a estrita e clara distinção entre o prosseguimento de estudos e o ingresso no mundo do trabalho, é um instrumento de aprofundamento da hierarquização de classe das aprendizagens. Nesse sentido, a bifurcação escolar é, para o capitalismo, um momento tanto melhor quanto mais precoce, enquanto que num sistema socialista seria sempre melhor quanto mais tarde ocorresse. Quanto mais tempo estivermos em igualdade na aquisição do conhecimento e das competências, mais possibilidade teremos de contribuir para o progresso com a nossa inteligência e mais possibilidades teremos de desempenhar em igualdade de circunstâncias, os diferentes papéis da sociedade. Ao contrário, para o capital, quanto menos tempo tiver o filho do operário acesso à formação ampla, ao conhecimento e quanto menos profundo for o seu contacto com a racionalidade, o pensamento criativo e crítico, e maior for o tempo de contacto com a ferramenta e o trabalho, melhor. São duas visões e práticas radicalmente distintas da Escola Pública e do Ensino.

Dizem-nos, não poucas vezes, que se não fosse o ensino profissional, muitos milhares de jovens estariam nas ruas e não nas escolas. E dizem-nos que apenas os cursos profissionais foram capazes de cativar aqueles jovens porque eles não têm condições para aprender a matemática, a filosofia, e outras coisas do género que só os dotados de inteligência e dedicação podem compreender. Essa perspectiva encerra duas visões classistas e elitistas, sem no entanto deixar de ser verdade que muitos destes jovens não estão nas ruas porque existe ensino profissional. Para compreender todo este fenómeno, e as suas contradições, devemos também esforçarmo-nos para tentar romper com as imposições de circunstância e de lógica que o próprio sistema nos coloca. Sendo verdade que muitos jovens estão nas escolas devido à diversidade dos percursos escolares, isso só é verdade porque existem muitos jovens em risco de abandono e de insucesso. Ou seja, só existe a necessidade de criar uma via alternativa porque existem fenómenos profundos de exclusão social, de desigualdade e iniquidade.

Como não podemos alterar a primeira condição de um dia para o outro, impõe-se que a escola tenha de facto condições para fazer frente a tais realidades. Todavia, de que forma devemos fazê-lo? Cedendo à pressão e chantagem de classe: ou formação profissional ou abandono escolar? Ou devemos exigir que a escola mobilize todos os esforços para que nenhuma dessas vias seja imposta ao estudante?
Na verdade, um estudante filho de pais ricos, não terá de fazer essa escolha. Ele terá sempre meios de ultrapassar as suas próprias limitações. Pelo contrário, o estudante filho de desempregados, de operários, ou de classes mais empobrecidas e exploradas, será forçado a tomar a decisão muito precocemente, muito jovem, sem meios para ultrapassar as suas limitações.
Ora, tendo em conta que nada indica que a distribuição da inteligência obedeça a um padrão social de concentração de riqueza, ou seja: nada indica que os pobres sejam imbecis e os ricos plenos de capacidades; então exige-se uma escola que disponibilize a todos, independentemente da sua capacidade económica, a mesma dignidade de conteúdos e a mesma quantidade de aprendizagens.

Aceitar que a Escola crie respostas desqualificadas para os que não conseguem ultrapassar as dificuldades por motivos económicos ou sociais, é abrir uma linha de cedência com a pressão do capital. Ou seja, se é preciso tirar jovens das ruas e salvaguardá-los de situações de abandono e insucesso, então é preciso que as escolas disponibilizem apoio escolar, explicações, desporto, alimentação, psicólogos, diversão, tudo gratuito para que os jovens que não podem ter essas componentes da sua formação e equilíbrio em casa, possam tê-lo de qualquer forma, na escola ou fora dela. O que não é aceitável é que o capitalismo exclua os pais do jovem, os desempregue ou lhes retire salários, casa, lhe retire possibilidade de colocar os filhos nas aulas de piano, ou violino, ou futebol, ou ginástica ou ballet, lhe retire meios para comprar os livros necessários, não lhes permita contratar explicadores privados ou comprar computadores com internet e depois dizer que existe uma via de ensino que combate o abandono. Na verdade, só assegurando que esse jovem tem acesso a uma via de ensino plena de dignidade e qualidade é que podemos criar as condições para que ele próprio não seja confrontado com uma "escolha" semelhante para a vida dos seus filhos.

A dualização das vias de ensino é uma velha aspiração, de reconstituição dos privilégios que reinavam antes de Abril de 1974, e está hoje em profundo desenvolvimento. A direita no poder concretiza esse plano diariamente. A suposta dimensão social do ensino profissional, a degradação da situação económica e social e a necessidade de lhe dar uma resposta, torna mais árdua a construção da alternativa. A rejeição do ensino profissional tem o caminho barrado pela situação de crise que atravessamos e pela composição social do meio. Ou seja, criticar o ensino profissional, as vias profissionalizantes, é facilmente deturpado para ser convertido numa crítica elitista contra o "ensino dos pobres". Com isso, a doutrina dominante demonstra bem como concebe esse ensino, mas ainda assim, conquista a simpatia de professores, estudantes e famílias. Por isso mesmo, a forma de não hostilizar, ou de não dar espaço a essa deturpação da mensagem contra o ensino profissional talvez resida na afirmação de uma Escola Pública valorizada para todos, sem distinções e num sistema de via única, independentemente das especificidades das formações.

Sem aceitar que cabe à escola realizar a formação profissional e que os jovens devem ingressar no mercado de trabalho ainda crianças, podemos facilmente, enquanto comunistas aceitar que os jovens podem integrar no seu processo de aprendizagem, o contacto com o mundo do Trabalho. O trabalho é o principal factor de progresso e evolução, uma necessidade social do Homem e, como tal, nada impede objectivamente que os rapazes e raparigas conheçam o funcionamento das tarefas manuais, do mundo do trabalho, das aplicações técnicas do conhecimento. Todavia, uma tal visão impõe uma ruptura radical com a prática actual.

Uma visão de real contacto com as aplicações da técnica rompe necessariamente com a elitização do ensino e com o modelo dual ou qualquer outro que se lhe aproxime. A única forma de assegurar um contacto assim é a que consiste na expansão de disciplinas técnicas a todos, independentemente da sua origem social. Se o contacto com o trabalho é tão bom, não faz sentido alhear os filhos das camadas ricas ou exploradoras desse excelente momento das suas aprendizagens. Valorizar a escola é também assegurar a todos o acesso às diversas componentes da formação da cultura integral do indivíduo. A escola não tem de ensinar a trabalhar, mas deve disponibilizar ao jovem todas as ferramentas intelectuais e a destreza física para que esteja apto a realizar qualquer tarefa que venha a querer desempenhar ou que a sociedade lhe exigir. Isso coloca-se tanto ao filho do patrão como ao filho do operário.

Uma escola democrática, com meios materiais e humanos, moderna, um espaço de criatividade e igualdade entre todos. Uma escola com dignidade nas formações e que tenha como objectivo estimular o gosto pelo conhecimento em todos os jovens, estabelecendo o acesso ao mais alto grau de ensino possível como fasquia e não a inserção no mercado de trabalho. Uma escola com currículos que usem as artes, as letras, as ciências, as técnicas, como ferramentas de elevação da consciência do aluno e que disponibilizem o contacto com a electricidade, a mecânica, a química, a carpintaria, a contabilidade, o secretariado, e todo um vasto conjunto de áreas da técnica, sem que signifique isso aprender a trabalhar, mas sim a dominar a técnica. Uma escola que faça passar por todo esse percurso, os filhos do pescador, os filhos do desempregado, os filhos do mineiro, os filhos do comerciante, os filhos do taxista, os filhos do empregado de mesa, os filhos do informático, os filhos pequeno patrão e os filhos do banqueiro. Assim, e só assim, me parece que se possa dizer, de facto, que a escola promove a igualdade, ainda que apenas a igualdade de oportunidades.