Wednesday, February 20, 2013

A dialéctica evolutiva de classe

Há uma pequena fábula sobre a natureza matricial de cada ser: O sapo deu boleia ao escorpião para atravessar uma ribeira. A meio, o escorpião ferrou o sapo que, sucumbindo ao veneno, lhe perguntou por que o havia feito. O escorpião, como sentisse a razão do sapo, responde "que dizer? está na minha natureza.

As classes sociais têm em si mesmas a génese do seu fim. A sua ascensão social e política, a consolidação do seu domínio económico, são simultanemante as sementes da sua própria destruição.

Tal como o proletariado, quando assume o poder e ascende ao domínio global sobre as relações sociais, deixa de ser proletariado, na medida em que deixam de se verificar as condições que assim o caracterizam, também a burguesia, no processo de evolução da sua hegemonia, se liquida.

A burguesia liquida-se essencialmente por dois processos, ambos gerados fundamentalmente pela sua própria intervenção nas relações sociais:

i. pela constante necessidade de acumulação capitalista que determina a inexorável constituição do monopólio, eliminando a diversidade empresarial e concentrando meios de produção e rendimentos da exploração num pólo cada vez mais restrito da grande burguesia.

ii. pela socialização do processo produtivo, mutação incontornável que se verifica com a sua evolução e com o aprofundamento do carácter social da produção, apesar das variações introduzidas pela distribuição internacional do Trabalho.

A questão nacional, contudo, não tem um efeito desprezável no traçado geral desta evolução. Ela não é constante e linear, mas antes alvo de fluxos e refluxos, ligados intimamente também com os ganhos e perdas das classes exploradas. Se é verdade que a burguesia se auto-liquida por natureza, é igualmente verdade que tal só sucede porque essa natureza se revela num contexto de luta de classes em constante agudização. Ou seja, a burguesia não se extingue por si só, mas sim porque a sua natureza não lhe permite sobreviver indefinidamente no quadro da luta de classes. Na hipotética inexistência de luta de classes, o capitalismo não tenderia para o imperialismo e para a cartelização monopolista, nem a socialização da produção teria qualquer impacto político.

Significa isto que a burguesia, trazendo no bojo o veneno que a liquidará, não cairá por si, mas porque esse veneno alimenta uma luta de classes dinâmica, onde as próprias classes, seus volumes e seu poder económico e político são variáveis e constantemente em modificação. É nesta arquitectura de leis do capitalismo que é legítimo afirmar, sem que se contradigam as duas seguintes preposições:

a. a burguesia tem uma natureza auto-liquidatária, e
b. a ascensão do proletariado liquida a burguesia.
estas duas não são contraditórias porque:
c. é a exploração do Trabalho de que a burguesia não pode abdicar que motiva a ascensão do proletariado.

Portanto, as três leis da dialéctica aplicam-se de forma evidente na compreensão deste aparente paradoxo. Por um lado, a quantidade e a proporção determinam grandemente a qualidade do poder (1ª lei).
Por outro, os opostos interpenetram-se (2ª lei) e a dupla negação determina o definhamento pela ascensão (3ª lei).

A questão nacional pode implicar variebilidade assinalável neste processo, como vemos ao longo da história da humanidade em diversas ocasiões. As disputas intra-classistas e as temporárias alianças entre a burguesia e o proletariado num determinado país para resistir a uma supressão nacional podem introduzir acelerações ou desacelerações do processo de liquidação da burguesia e de ascensão do proletariado. Em Portugal, estando a burguesia nacional a aceitar sem resistência o plano de acumulação monopolista imposto pelo grande capital estrangeiro, o proletariado não encontra apoios nessa classe no plano nacional. A burguesia nacional escolheu, como é mais habitual do que o inverso, o seu aliado de classe e não o seu aliado nacional. Com isso, a própria burguesia nacional decide a sua liquidação enquanto classe dominante.
A pequena-burguesia, porém, começa a vacilar e a olhar à volta, algo perdida, em busca de aliados nacionais.

Ontem, em reunião com a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), o Grupo Parlamentar do PCP alertou para o carácter suicidário da estratégia da pequena e média burguesia nacional ao escolher aliar-se ao capital transnacional ao invés de se aliar ao proletariado. A grande burguesia já não é nacional e dela não se poderiam esperar alianças neste contexto histórico. A CIP compreendeu bem o que o PCP quis dizer. Aliás, sabe que o PCP tem razão. Mas, que dizer? Está na sua natureza.