Wednesday, July 28, 2010

caricatura (da realidade)

Imaginem uns tipos balofos, fumando uns charutos, sentados à mesa bem guarnecida de um banquete. Ao fundo toca uma pequena orquestra de câmara para "dar ambiente". O faisão estava óptimo, a corsa divinal, o caviar foi-se num instante. Os empregados retiraram da mesa os pratos com a velocidade e prontidão com que os puseram sobre ela. Nunca na vida poderiam sequer ferrar o dente em semelhante carne ou iguarias.

Lá fora, as mudanças questionavam o facto de esses tipos, os balofos, irem mandando no mundo sem prestar contas a ninguém. Em alguns lugares do mundo, os servos e os famintos levantavam o dorso e exigiam a "democracia". Os senhores, antes que os apanhassem em falso, pensaram:

balofo 1:"que mal terá a democracia, desde que nós sejamos os eleitos?"

balofo 2:"tem toda a razão meu caro amigo. como nunca pensámos nisso?"

balofo 3:"basta então garantir que votem em nós?"

balofo 4:"não. nem sequer nos preocupemos com isso. porque não haverá outra opção real. apresentemo-nos nós, fingindo ser diferentes, e proibiremos todos os restantes"

balofo 1:"mas então isso não será democracia... nem mesmo fingida."

balofo 4:"tem toda a razão, caro amigo..." enquanto bafejava o charuto e bebia a última gota do seu cognac - "arranjaremos facilmente maneira de tapar o caminho a outros... a não ser, claro, os que nos comem à mão."

balofo 2:"de facto, somos donos de tudo. facilmente seremos os únicos na corrida. ou pelo menos será fácil criar essa ilusão. ao fim e ao cabo somos donos das rádios, dos jornais, seremos também donos das TVs. Somos donos das escolas, das fábricas, dos campos. não será difícil."

balofo 3:"muito bem. para que a democracia seja convincente não poderemos ser um só partido. Farei eu próprio o PS. proponho o amigo para fazer o PSD, semelhante em tudo mas diferente! (piscando o olho) e sugiro que se cubra todo o arco das sensibilidades, sendo o amigo o CDS e o senhor, se não se importasse de fazer essa figura, seria assim uma espécie de esquerda folclórica, diz-se radical e faz de adorno pluralista."

E foram-se rindo e gracejando sobre como iludiriam as massas e usariam a democracia para ir ainda mais longe, agora "democraticamente legitimados".

O que não sabiam é que nenhuma barreira faria cair a persistência, a preserverança e a coragem dos "outros" que não se sentavam naquela mesa e não lhes comiam à mão.

Thursday, July 01, 2010

a educação e a formação (i)

Corre uma linguagem pelos corredores do poder capitalista, dessas que vem sendo imposta pela classe dominante ao sabor dos seus interesses, que introduz sistematicamente novos conceitos para substituir outros, a pretexto da modernidade. A gestão vai substituindo a democracia, a eficácia vai substituindo a pedagogia, a formação vai substituindo a educação. Curiosamente mesmo quando usam as palavras "democracia", "pedagogia" ou "educação", as esferas do poder político actual, e nesta circunstância específica em que vivemos, usam-nas com intenções absolutamente diversas daquelas que representam a sua verdadeira dimensão.

"Democracia" significa hoje "circo de propaganda burguesa", "pedagogia" significa "manter pais alheados das vidas dos filhos para poderem trabalhar 12 horas seguidas e branquear estatísticas a dizer que toda a gente adquiriu as competências" e "educação" significa isso mesmo: "ensinar competências para que o jovem venha a ser um trabalhador com capacidade suficiente para obedecer, mas nunca para compreender ou questionar".

Hoje, assim parece, Maria de Lurdes Rodrigues lançou um livro. Como ainda não o li não posso referir-me ao seu conteúdo, mas posso referir-me à concepção política do Governo actual e do passado, bem materializada precisamente nas políticas que MLR conduziu à frente dos destinos do Ministério da Educação. O Governo PS, Sócrates e MLR, partilham uma perspectiva política alinhada com a doutrina fascista no que toca à educação. Não quero com isto chamar-lhes fascistas, mas objectivamente, o carácter da perspectiva doutrinária para a Educação que estes protagonistas dos governos PS aplicaram no terreno às escolas portuguesas é efectivamente muito próximo da ideologia fascista. Sem qualquer tipo de ingenuidade, este Governo praticou uma política de suposta equidade no acesso e na frequência da Escola. Aliás, a Ministra MLR sempre se afirmou defensora da Escola Pública. Ela nunca disse foi que Escola Pública defendia, tal como nunca disse Sócrates. Se uma Escola Pública Democrática , Gratuita e de Qualidade para todos orientada para a formação de cidadãos e homens e mulheres livres, críticos e criativos; se uma Escola Pública meramente profissionalizante, reprodutora das assimetrias sociais e económicas existentes na sociedade capitalista.

O alargamento da escolaridade obrigatória, neste contexto, constitui um ponto de partida para uma análise importante: que escolaridade se alargou, de facto?

Tendo em conta que os filhos das camadas mais ricas e das camadas intermédias da população seguiam na generalidade os estudos até ao 12º ano e muitos até ao ensino superior, o referido alargamento trará diferenças não para esses, mas precisamente para os filhos das camadas proletárias mais empobrecidas, para os filhos dos trabalhadores mal remunerados, dos desempregados e, talvez, das camadas mais próximas do lumpen. Isso, por si só, parece deveras progressista e sugere a ideia de que a escola pública começa a cumprir o seu dever. Porém, não podemos esquecer as condições objectivas em que se dá a manutenção desses "novos estudantes" no sistema educativo.

Ao invés de criar uma escola, com pendor profissionalizante generalizado mas não dominante, capaz de integrar por igual os filhos das diferentes camadas e classes sociais e assim contribuir para a atenuação das assimetrias sociais e para a real equidade na distribuição do conhecimento, o Governo e a classe dominante insistem em criar uma via escolar para os pobres. A ofensiva e a manipulação ideológicas manifestam-se em todo o seu esplendor, já que com esta política os governos conseguem inclusivamente fingir que procedem à democratização do ensino, quando aquilo que na verdade estão a fazer é a obrigar os filhos dos pobres a tirarem cursos de formação profissional para rapidamente entrarem no mercado de trabalho, sem que o patronato tenha de pagar sequer a formação profissional do seu trabalhador. Já vem pronto a ser explorado. O patronato exime-se até do investimento a que a lei o obrigava perante o trabalhador - formação profissional - e passa esses custos para o Estado, ou seja, para os trabalhadores.

A criação de uma Escola para os pobres, orientada para a sua inserção no mercado de trabalho, independentemente da qualidade desse mercado, do emprego, da estabilidade profissional e das condições económicas e sociais que dele advêm é, na essência, concomitante com a doutrina fascista. A ilusão de que o Estado está a integrar essas camadas da população não passa disso mesmo, de uma ilusão. (continua)