Thursday, December 15, 2005

Valha-nos a razão que não temos

Não encontrei texto épico que pudesse ser base de sustento para o episódio que vivemos actualmente. Não há lusíadas, ilíada, odisseia, eneída nem outra qualquer composição heróica que ilustre as peripécias com que se cruza o colectivo português nesta sua fase, que de histórica só tem a tristeza, a desilusão e a vergonha.

Refiro-me, claro, à vergonha a que estamos sujeitos, como joguetes nas mãos das entidades do Olimpo, dos céus ou dos infernos. Claro, que, inevitavelmente (esperamos nós), o circo tem de se repetir em torno da escolha do presidente da república, pelo menos de 5 em 5 anos.

Mas o que já não era tão necessário, era a forma crescentemente decadente com que se tratam estas eleições nacionais. A desvalorização permanente em torno da figura do Presidente da República, a ascensão mítica da necessidade de reforçar o papel do presidente e da criação de um regime presidencialista à boa maneira norte-americana, são dois dos argumentos bafientos que, gradualmente e entre outros, nos impingem.

Cinco candidatos. Caso curioso. Em que diferem? O que está em jogo?
Para variar, a imprensa, a rádio e a Televisão fazem tudo para circunscrever a batalha eleitoral a este ou aquele candidato que melhor serve os interesses que manipulam esses mesmos órgãos de comunicação social. Ora, se os donos dos jornais, das rádios e das televisões apoiam determinado candidato, seríamos todos ingénuos, senão otários, em crer que os seus tentáculos comunicativos pudessem ser, efectivamente e como se afirmam, isentos. Na forma como se encara a realidade, particularmente na forma como se a interpreta, não há lugar a isenções. Eu não posso, não consigo, nem quero, ser imparcial… mas assumo-o. Quem ler isto, está desde o cabeçalho da página, avisado de que está sujeito a levar com uma opinião parcial, sinistra.
No entanto, abundam os jornais nacionais, regionais e locais, pejados de imparcialidade falsa, como abundam noticiários por rádio e televisão que se afirmam responsáveis e isentos, sem que na verdade o sejam.

Podemos ser acusados de tudo, mas não nos acusem de falsidade. Está assumida a nossa parcialidade. Parcialidade essa que é, simultaneamente, um apelo à inteligência. Não vendemos nada. Não apoiamos Jerónimo de Sousa só porque é quem fala melhor, mas porque é aquele único candidato que está do mesmo lado que nós. Assumimo-lo, sem qualquer espécie de prurido. O mesmo não são capazes de fazer os senhores que apoiam Cavaco. Escondem-se por detrás da capa da isenção, da seriedade…

Ainda há dois ou três dias atrás, num debate transmitido pela TV, confrontaram ideias Jerónimo de Sousa, candidato que se compromete com os trabalhadores, e Cavaco, candidato comprometido com o dinheiro dos seus patrões. E, pasme-se, vi o debate de fio a pavio e achei que o Cavaco foi muito pobre… Já o sabia miserável, mas nunca ao ponto de chamar a sua própria Maria para o debate, para justificar o quanto gosta de mulheres – “Lá em casa a minha mulher ri-se muito” – só visto. Cavaco insistiu nas concepções vagas de desenvolvimento económico, competitividade, inovação… mas não disse uma palavra sobre o desmantelamento do aparelho produtivo. Justificou novamente os seus actos de prepotência quando investiu contra manifestantes recorrendo às forças de segurança nacionais. Fingiu uma preocupação social que nunca soube sequer o que significa. Falou a custo sobre racismo e imigração, engolindo as palavras que proferia como se fossem pedras insolúveis na saliva do seu pensamento. “Eu rejeito o racismo” dizia, com o ar de quem engole fel e sorri para não ser mal-educado. Hoje lia-se no Diário de Notícias, pela pena do mais ordinário dos ordinários que teria sido genial a tirada: “Olhe que não… olhe que não”… Genial!? O Cavaco vinha com a piada preparada de casa, provavelmente enfiada na sua parca cabecinha por um dos seus bem pagos assessores de campanha, ou managers, ou que raio são. Além disso, reconhecê-la como genial é, no mínimo, depreciativo do sujeito e da sua fasquia para o “genial”.

Jerónimo de Sousa, por seu lado, não foi excepcional, não foi genial, não é diferente de si próprio. Coloca-se, verdadeiramente, num discurso que ele moldou, mas que também o moldou a ele. Defende o que diz e diz o que defende, ao contrário de Cavaco Silva que, manifestamente, adapta o discurso à circunstância, não preenchendo nunca as lacunas. No discurso do Cavaco estão todas as palavras sonoras, mas não assume verbalmente, nem por uma vez, o carácter ideológico da sua candidatura. Salvo quando lhe foge o pobre raciocínio para a boca.

Naquele debate, independentemente da nossa parcialidade inevitável, Jerónimo foi mais sincero, mais frontal, menos esguio, menos falso. Naquele debate ou tempo de antena partilhado – porque de debate tem muito pouco este novo modelo americanóide, feito á imagem do que convém ao Cavaco – Naquele debate, Jerónimo mostrou que, independentemente do que não diga agora o candidato da direita, ele está incontornavelmente apostado na escalada reaccionária contra a essência da Constituição da República Portuguesa. Mostrou que, na sua simplicidade, é Homem para assumir a defesa dos trabalhadores, porque defendê-los é defender exactamente a constituição. É uma simplicidade determinada, de quem está inteiramente ao lado dos que trabalham e dos que são explorados. Um Jerónimo que se mostrou como o único, juntando outros elementos ao debate, capaz de promover uma ruptura democrática com a entrega do nosso país ao capital e ao capital transnacional.

Mas para o génio miserável do Diário de Notícias, triste traste da direita portuguesa, comprometido com a isenção. Ali escarrou um texto vergonhoso, provavelmente escrito à última da hora, só para fazer o frete para que foi pago.

Para ele, pouco importa que Cavaco tenha vendido Portugal ao desbarato, garantido um défice das contas públicas historicamente alto, para ele pouco importa que Cavaco tenha voltado a justificar todas as medidas que tomou no passado. Para ele pouco importa que Cavaco tenha sido um pobre exemplo da pose de Estado, desde o seu aspecto físico ao seu timbre bolorento de voz, passando essencialmente pela sua pobreza ideológica e argumentativa.

Acesa contenda (O império toma partido)

Após acesa contenda argumentativa, a Assembleia do Império Bárbaro decidiu, por unanimidade, o apoio a um candidato à Presidência da República.
Como blog que pugna, irremediavelmente, pela transformação do mundo e da ordem das coisas, esta era apenas mais uma fase que nos exigia tomar uma decisão. Ora, analisando as opções, a Assembleia, reunida numa viela de Lisboa onde cheirava a ginja e cidra, teceu a seguinte resolução.

1. Os candidatos à Presidência da República não surgiram agora, já existiam antes da marcação da data das eleições. Todos, sem excepção, também já existiam antes do anúncio das suas candidaturas a este órgão de soberania.

2. O Mário Soares é um traidor da classe operária, reciclada velharia do baú do desespero, contribuindo com a sua candidatura para a desacreditação do sistema democrático e da sua capacidade de auto-regeneração. Ao assumir-se como candidato, retira a confiança à própria população portuguesa, achando que é o único homem do país capaz de ser Presidente. O PS apoia este, porque se está borrifando para quem ganha as eleições, desde que seja o Cavaco, tolerando ainda o Soares e o Manuel. Aliás, para o actual governo do PS, o candidato que melhor garante a estabilidade dos trabalhos de desmantelamento nacional e atentados contra a pátria é o Cavaco. O Soares é um mito. Custa-me crer que ainda posso ter de vir a votar nele. Anima-me a ideia de que, caso isso tenha de acontecer, esta será provavelmente, a última vez.

3. O Manuel Alegre é um poeta fingidor no verdadeiro sentido da palavra. Ainda que fosse um poeta real e sincero, não faria dele automaticamente um humanista e um bom Presidente. No entanto, ele é mesmo falso. É resquício da aristocracia arrogante, do nariz empinado típico dos olhem-para-mim-que-sei-escrever-coisas-bonitas-mesmo-que-sejam-sobre-o-25-de-abril-revolução-que-em-vez-de-esperança-me-dá-comichão. É pois, este, um senhor que utilizou sempre a esquerda como o garante de poleiro. Um homem acima dos partidos mas a quem só faltou rastejar no esterco dos porcos do Montijo para implorar mais do que implorou ao PS o seu apoio partidário. Um caçador nato, não só de patos, mas de ingenuidades.

4. O Francisco Louçã é um candidato de ressabianço. O berloque não podia deixar passar esta oportunidade para relembrar todos que ainda existe. Principalmente depois da talhada que levaram nas autárquicas, impunha-se dizer ao povo que continuam cá. Com esta candidatura até garantem mais umas colocações acima do PCP nas sondagens. Mesmo que depois isso não se reflicta sequer num amendoim. O que importa são os jornais e os comentadores. Uma mentira repetida muitas vezes torna-se verdade… pelo menos na cabecinha mimada do senhor Francisco Louçã (passe a citação de Goebbels).

5. O Cavaco é o candidato dos interesses do capital. É o candidato que preferia matar a Constituição à facada que jurar ter de a cumprir e fazer cumprir. Mas… ele está disposto a fazer esse esforço: jurar defendê-la e depois assassiná-la com desdém. Cavaco tem um brilho horrível na testa que insiste em não limpar… nós achamos que é suor. Cavaco é de direita. Cavaco fingiu que já não gosta do PSD só porque ninguém gosta do PSD. Cavaco não quer o apoio público da mula da cooperativa, mas a mula é a sombra do Cavaco. O Cavaco diz que lá em casa, a sua mulher se farta de rir e que gosta muito dela. O Cavaco não sabe falar como deve de ser. O Cavaco gosta do Sócrates e o Sócrates gosta do Cavaco. Nós não gostamos do Sócrates. O Cavaco acha bem vender o país ao capital nacional e finge não saber que o capital nacional vende o país ao capital estrangeiro, que depois compra o Cavaco. O Cavaco é um ser do passado, um cogumelo das caves escuras da história do país, um ser que ainda cheira aos bolores do fascimo, do corporativismo e do chauvinismo. Cavaco é contra a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, defendendo que as mulheres portuguesas devem continuar a ser presas, julgadas e humilhadas por terem tomado a decisão mais difícil das suas vidas, confrontadas com a ausência de meios para sustentar o seu filho. Cavaco está-se nas tintas para a IVG porque as mulheres dos seus patrocinadores vão abortar ao estrangeiro. O Cavaco é o candidato anti-Portugal.

6. O Jerónimo é o único que assume a sua parcialidade. É o único que fala contra as últimas revisões constitucionais descaracterizadoras. É o único que fala de desenvolvimento, justificando simultaneamente, com a defesa e fortalecimento do aparelho de produção nacional. É o único que não fala por palavras fáceis, preferindo explicar o que diz, mesmo que isso não mereça capas de jornal, nem soe tão bem aos ouvidos dos mais distraídos. É o único que não molda o discurso conforme a plateia. É o único capaz de defender a Constituição e os seus princípios, não por palavras, mas por ideais. Além disso, o Jerónimo é sincero, afável e simpático. Não é doutor, não é poeta, mas é construtor. Construtor empenhado do mundo do futuro.

7. Não descansamos à sombra das barbaridades que nos dizem que o Cavaco é o imaculado salvador da pátria, o messias esperado. Relembramos o passado e o papel histórico de cada um dos candidatos, fazendo jus ao ponto 1. O Império bárbaro apoia a candidatura de Jerónimo de Sousa à Presidência da República Portuguesa.