Wednesday, November 14, 2012

A greve em desapaixonada linguagem de "mercado"

A única "mercadoria" de que o trabalhador dispõe é a sua força de trabalho. Ele vende-a como forma de assegurar a sua subsistência. É a única coisa que detém, na realidade, já que os meios de produção são de outrém, de um grupo accionista, de um patrão, de um qualquer grupo privado ou do Estado - que integrando o trabalhador, nem sempre obedece aos interesses de quem o integra.

Ora, se os propagandistas do regime acham que é perfeitamente natural que os patrões definam o preço de tudo o que vendem, por que não podem achar igualmente natural que o trabalhador decida o preço por que está disponível para vender a sua única "mercadoria" - a força de trabalho?

Se um supermercado coloca à venda um produto por 5 euros, é legítimo que mo não venda por 2,5€, e todos compreendemos isso. Ou seja, está em greve de venda. O patrão decide não vender a sua mercadoria por um preço que considera não vantajoso.

Se um trabalhador coloca a sua força de trabalho à venda por 5€ à hora e de repente o Estado e o patrão alteram esse valor para metade, não é então natural que o trabalhador decida não estar disponível para vender a sua força de trabalho? O patrão pode decidir não vender, mas o trabalhador é obrigado a vender?

Do ponto de vista prático, evidentemente que a resistência do patrão é infinitamente superior. Ou seja, se o patrão decidir não vender a mercadoria por 2,5€ o efeito não é para si catastrófico e até valoriza a sua mercadoria porque diminui a oferta ante uma procura que tende a aumentar por limitação da disponibilidade da mercadoria. Ao mesmo tempo, a resistência do trabalhador é aparentemente mais frágil na medida em que este não come se não conseguir vender a sua única mercadoria, enquanto que o patrõe dispõe de muitas outras para compensar a "greve" na venda de uma delas.

Porém, se a greve é massiva, então a resistência multiplica-se em dimensão como dificilmente se multiplica em tempo. Um greve de um milhão de trabalhadores por um dia tem o mesmo efeito que a greve de 1000 trabalhadores durante 1000 dias e isso significa que os trabalhadores, colectivamente considerados, conseguem, unidos, impor o preço do trabalho.

Os trabalhadores que não aderem a uma greve estão, na prática e em teoria, a dizer: "eu estou disponível para trabalhar pelo que me pagam em dinheiro e em contrapartidas sociais", mas o mais grave é que estão a impôr a desvalorização da mercadoria no seu todo, ou seja, a impor a todos os que não estão disponíveis para trabalhar de "borla" que o façam. Não fazer greve, é permitir e consentir activamente a diminuição do valor do trabalho, é afirmar que se está disponível para trabalhar por menos e assim obrigando os restantes a aceitar condições cada vez mais desfavoráveis.

Thursday, November 08, 2012

Os valores de Abril no Futuro de Portugal

A caracterização do momento histórico que atravessamos e da realidade concreta em que nos movemos é certamente uma exigência inocotornável para a definição da táctica dos comunistas, ao serviço de uma estratégia por demais iniludível que tem por objectivo supremo a construção de uma sociedade socialista, rumo ao comunismo. A utilização do materialismo histórico e das leis da dialéctica serão instrumentos de que não podemos abdicar nessa reflexão, quer quando a façamos individual ou colectivamente.

Quando questionamos e interpretamos a realidade que nos rodeia, sobre a qual intervimos como força mas não como única força, e que, consequentemente, sobre nós age igualmente, todas as abordagens são legítimas e devem, por isso mesmo, ser tidas em conta. Todavia, os pontos de partida podem assentar em bases de entendimento fundamentais, filosóficas e ideológicas. É, na minha opinião, legítima a dúvida sobre o momento histórico - sendo que se enquadra na passagem do capitalismo para o socialismo -, sobre o regime em que actuamos e sobre nós actua, e sobre a táctica para a superação do estado actual, construindo e catalizando essa transformação social.

Se por um lado, surgiram tendências social-democratizantes e amenizadoras da luta de classes entre o movimento comunista, que resultaram no apagamento dos objectivos superiores, nomeadamente abandonando a meta da construção de uma sociedade sem classes, surgiram tendências de radicalismo esquerdista que encaminharam muitos para o mesmo beco sem saída da social-democracia. Não é isso porém que nos deve fazer deixar de questionar todos os movimentos possíveis no tabuleiro da táctica, desde que subordinada à estratégia.

A construção de uma sociedade sem classes é, tal como a construção daquilo que vem destruir, um processo. A constituição do regime capitalista, a sua consolidação, a sua intensificação ou o seu afrouxamento, são igualmente processos, na medida em que não a anulam a luta de classes enquanto essas persistirem. O desenvolvimento desses processos conduz a desfechos que são de certa forma descritos e antevistos pelas leis marxistas. Se é verdade que a burguesia não elimina o proletariado (como classe) porque da sua existência depende a exploração, tal necessidade não se verifica com a ascensão do proletariado ao poder porque esse, efectivamente, não tem qualquer necessidade de alimentar uma classe parasita ou de vir a explorá-la, invertendo apenas os papéis, persistindo o capitalismo.

A ditadura da burguesia é hoje uma realidade, mesmo no contexto formal democrático em que vivemos. No essencial, a burguesia determina formalmente as regras e a linha tendencial que essas regras vão tomando. Não pode significar isso que o domínio da burguesia é total, nem na hegemonia cultural, nem nas relações sociais, pois que a sua força não deixa de se confrontar com a legalidade resultante da revolução de Abril e com a força das massas e das suas organizações que resistem, numa batalha constante mas que sofre fluxos e refluxos.

Se por um lado, não é possível utilizar o Estado burguês (tal como o fascista) ao serviço do povo e do país, por outro, não será errado considerar que também a burguesia não pode utilizar o Estado integralmente em seu favor, pois que ele é ainda enformado por normas, leis, convenções, que resultaram de uma correlação de forças que não lhe era favorável. O Estado, as suas normas, vão no entanto sofrendo desfigurações ou alterações, reflectindo no direito o momento actual no que à correlação de forças de classe diz respeito. Dado o recrudescimento da agressividade capitalista face à crise mundial de sobreacumulação, essa mutação do Estado sofre neste momento, uma aceleração, uma intensificação no ritmo, mas não na natureza. A natureza da contra-revolução é a mesma desde que se realizou a Revolução e tem também os seus objectivos supremos, não deixando em momento algum de entender a recuperação dos seus privilégios como um processo, também ele com avanços e recuos. Estaremos então numa fase em que a correlação de forças de classe se materializa num Estado que é, legalmente, colocado ao serviço do povo e dos seus interesses, mas na prática, ao serviço da burguesia? Talvez o mais correcto seja mesmo assumir que tanto na legalidade e formalidade, como na prática e na política, o Estado esteja - consoante o momento - em situação híbrida, entre um Estado que desempenha funções sociais viatis e um Estado que as abandona para se colocar inteiramente ao serviço dos monopólios. Mas parece-me igualmente correcto afirmar que a tendência actual, com variações momentâneas aqui e ali, é o da transfiguração no sentido do desmantelamento da componente progressista. Essa tendência será inevitavelmente invertida porque a classe em ascensão é o proletariado e não a burguesia e é a classe em ascensão que acaba por determinar o curso da história.

A superação do capitalismo, atingidos os seus limites históricos e assumido o papel tranformador do proletariado organizado como classe dominante é, de forma muito simplista, aquilo a que chamamos "revolução". Mas essa revolução não é um acontecimento apenas, é antes um processo. Aliás, pode dizer-se que o processo resulta de um momento, de um acontecimento, mas que o acontecimento, o "espasmo" histórico, sem o processo que o precede e sucede, é um elemento de importância reduzida no percurso histórico da Humanidade. O que determina a dimensão do seu impacto, é a ampliação do fenómeno pela intervenção das massas, pela acção concreta e criadora das populações e daqueles que, nesse processo, elevam a sua condição, defendem o seu interesse. No plano hipotético, a proclamação sem a acção é uma "frase revolucionária", enquanto que a acção, mesmo sem proclamação, pode ser efectivamente progressista.

Não há, no entanto, e na minha opinião, nenhuma contradição entre a afirmação do socialismo e do comunismo como objectivos e da definição de objectivos imediatos para a acção dos comunistas. Assumir que existe aí uma contradição insanável pode resultar numa abordagem anti-dialética dos processos, entendendo-os estanques e episódicos, em vez de contínuos e interdependentes. Os anarquistas, por exemplo, julgavam que a extinção do Estado era o objectivo imediato dos explorados e, no entanto, tal concepção foi sempre favorável apenas à classe dominante e à hegemonia burguesa. Da mesma forma, um comunista, pese a concepção que tem do Estado e a sua intenção histórica de o tornar obsoleto por inutilidade, não deixa de entender que a construção das condições para a sua extinção é igualmente um processo. A brandura social-democrata não me parece ser a resposta a esta aparente contradição, mas a tenacidade da organização revolucionária, isso sim.

O momento da ruptura com o capitalismo, seja ele um levantamento popular ou um resultado eleitoral, não é o que define a natureza revolucionária da superação do capitalismo. O que define essa natureza é o compromisso de subversão dos mecanismos capitalistas de exploração e a concretização, por todos os meios, de medidas que o materializem, seja pela lei, seja pela prática que se virá a traduzir em lei.

Esse momento será necessariamente, se efectivamente revolucionário, violento e representará uma alteração revolucionária do compromisso de classe que o Estado assume, colocando a prática e a forma ao serviço do fim da exploração do Homem pelo Homem, necessariamente ao serviço dos explorados para reprimir pelos meios necessários, os exploradores. Será violento física, social ou políticamente ou em combinações desses tipos de violência, mas não por opção dos revolucionários. Serão os conservadores a decidir com quanta força resistirão ao futuro e ao progresso.

A democracia avançada que os comunistas portugueses descrevem e estabelecem como objectivo imediato no seu Programa é a materialização concreta desse compromisso revolucionário, ainda em Programa, um dia próximo, na prática.