Friday, February 10, 2006

liberdade de imprensa...

Deixo já claro que não sou particular estudioso das questões políticas e sociais do médio-oriente; não sou nem tenho qualquer qualificação que me permita ter o rigor necessário para estabelecer verdades sobre essa matéria; não pretendo no entanto, como outros, fazer crer que possuo tais credenciais. Prefiro que fique já o registo desta advertência. E digo isto porque recorrentemente a televisão e os jornais trazem aos seus programas ou colunas os mesmo do costume, com as opiniões do costume revestidos da esplêndida capa de especialistas disto e daquilo, sem, na verdade, mais não fazerem que veicular as posições oficiais do imperialismo e dos seus directores nevrálgicos.

As questões que se têm vindo a colocar de forma gradativamente mais preocupante em torno de países e povos do médio-oriente, particularmente no que toca ao dito choque ou confronto cultural e religioso com os países ocidentais não têm deixado de nos preocupar sobremaneira. Todos os dias, a cada minuto nos entra de rajada uma notícia, um artigo de opinião, uma foto sobre o que supostamente se passa nesses países árabes. Com a velocidade da modernidade, já nem paramos, muitas vezes, para questionar o lado de cá desta história.

1. Desde há décadas que se tem vindo a criar junto das sociedades ocidentais que o conceito de civilização é-lhes exclusivo, remetendo, implicitamente, todos os países que não reproduzam os seus métodos de organização ou religião para o estatuto de incivilizados ou, à velha moda romana, de bárbaros.
2. A cada notícia que passa consolida-se a linguagem ofensiva aos povos que, diferentemente dos da maioria da Europa e da América, não sustentam a sua visão do mundo nas dicotomias do cristianismo, e também àqueles que não partilham da sua mecânica económica capitalista.
3. O conceito de terrorismo começa a alargar-se e a estender-se a movimentos de defesa patriótica, a movimentos revolucionários e a lutas populares de libertação e conquista.
O terrorismo serviu sempre ao longo da História para justificar as incursões agressivas dos mais fortes, tipicamente transformados em mártires.
4. Conceitos como o de “fanatismo” e “terrorismo”, aludindo a uma inexplicável demência colectiva circunscrita ao islamismo, são cada vez mais irradiados e, sem darmos por isso, começamos a relacionar a tez escurecida, a barba e o turbante com bombas. É curioso, no entanto, que não o façamos quando imaginamos as estrelas e as riscas da bandeira dos EUA que, sozinhos já mataram, por via também do terrorismo organizado, muitos mais seres humanos que todos árabes juntos.
5. A última ofensiva ideológica que nos tem sido dirigida (a dos Cartoons) não tem outro objectivo senão o de criar o caldo cultural e de opinião que permita a caracterização ocidental do Islão como um cancro planetário que urge erradicar. De alguma forma faz-se parecer de todo incompreensível que povos muçulmanos não saibam brincar… Souberam os católicos reagir decentemente quando espetaram, num cartoon português, com um preservativo no nariz do papa? Souberam os católicos manter a dignidade democrática quando passou “a última tentação de Cristo” nas salas de cinema de Roma? E souberam esses ditos civilizados acolher a liberdade de expressão quando Saramago publica um livro que ficciona mordazmente em torno da vida do seu profeta?
6. A liberdade de expressão e de imprensa é um direito inalienável nos países ocidentais é-o porque se enquadra no modelo de sociedade que aqui se tem vindo a construir. Isso não significa que se exija igual aplicação ou compreensão do princípio em países, culturas e povos radicalmente diferentes. Essa liberdade tem vindo a ser o estandarte ocidental deste novo confronto. Aqui. Lá existirá outro.
7. O que importa neste momento ao imperialismo é criar as condições subjectivas que sirvam de pano de fundo a novas agressões, liquidando o direito á diferença, partindo contra os povos que não mostram total submissão. Daí, na Europa nos dizerem que estamos perante um ataque inadmissível à liberdade de imprensa. Daí também os líderes religiosos e políticos árabes utilizaram a raiva à nossa intolerância para justificar a sua.
8. Aqueles que participam nos ataques às embaixadas dinamarquesas e que acalentam a raiva, o ódio, a xenofobia e o confronto titânico dos deuses de uns contra os deuses de outros são tão criminosos quanto aqueles que provocaram os desequilíbrios. O capitalismo é global e a sua influência no ocidente não é diferente daquela que tem no médio-oriente, ainda que, obviamente, com expressões e interesses concretos diferentes.
No entanto, todos os que promovem este caldo de ódio são directa ou indirectamente lacaios do grande e poderoso polvo do capital e do imperialismo norte-americano que, com tudo isto, já se posiciona ávido de arrancar para a sua nova cruzada, babando qual predador perante a presa.

Com isto, lucram os senhores do petróleo de todo o mundo. Lucram os governos corruptos, islâmicos e ocidentais. Lucram as grandes corporações. Com isto, derrama-se o sangue dos povos, manipulados ou não. Perdem-se vidas necessárias para construir um futuro novo.

2 comments:

A. Cabral said...

O ponto 7. reflecte a minha posicao face a estes conflitos. Nos planos imperiais dos EUA, e dos seus socios europeus, o Medio Oriente e' um alvo para o imperialismo a moda antiga, guerra de pilhagem. Estamos a assistir ao regresso do discurso justificacionista do pre-primeira guerra. O JMF ontem no PUBLICO, referia a necessidade de preparar para a guerra.

Mas nesse contexto nao demito o extremismo islamico completamente. (E' a nossa disucssao sobre o Hamas em outra forma.) Como varios esquerdistas tem apontado, o nacionalismo religioso e' uma resposta contra a agressao imperialista. E' notavel que o extremismo religioso tem crescido com a intervencao ocidental no medio oriente no post II G.M.. Por muito pouco consequente que sejam algumas destas reaccoes, elas sao a unica via efectiva (actual) de responder a violencia e humilhacao de que estes povos tem sido objecto.

O que faz falta e' construir um movimento anti-imperialista mundial que negue este choque de civilizacoes, e mostre que a dualidade nao e' ocidente-oriente mas imperialismo-multitude(povos). Por isso e' que a questao Palestiniana e a guerra no Iraque sao causas tao importantes.

miguel said...

to contigo, mano!