Friday, January 23, 2009

milhões de ilusões

"por dois euros pode realizar todos os seus sonhos"; "seja um excêntrico" e coisas que tais são os slogans que uma modelo anuncia na televisão, apelando aos portugueses, não só para que joguem nos concursos de azar da santa casa da misericórdia, como assistam ao programa de televisão que, infalivelmente, transmite os sorteios com honras de emissão em directo.

Ele é o Euromilhões, o totoloto, o totobola, o joker, o loto2 e ainda há as lotarias. Mas o Euromilhões é o que mais febre provoca, o que mais gente ilude. Vejo nas pessoas próximas de mim. Uma esperança absolutamente irracional invade o coração das pessoas que jogam no euromilhões, e uma falsa sensação de descanso atinge-lhes o coração como uma injecção de letargia.

Depois de entregar uns poucos de euros (acho que é de 2 a 10) à concessionária do Jogo em Portugal - a Santa Casa da Misericórdia - o jogador entra num estado de transe esperançosa, uma ilusão que lhe preenche os dias com pensamentos para concretizar quando for rico. "quando me sair o euromilhões"; "se me sair o euromilhões", etc.. O jogador ocupa boa parte do seu processo criativo com a fabricação de desejos absurdos e absolutamente inconcretizáveis. Isto gera a ilusão de que é possível sair o prémio, de que o tal de jackpot está à distância de uns poucos de euros. Ilusão esmagadora, que gera, por si só, um quasi-contentamento, pelo simples factos de colocar o jogador numa posição de rico sonhador. Mas muito mais grave do que essa ilusão, os anúncios estimulam a "vontade de ser rico", espalham a doutrina do individualismo e colocam como objectivo de muitos - ainda que temporário - ser rico, aliás, ser estupidamente rico. É, portanto, uma fábrica de fazer dinheiro com um forte papel ideológico, de diversão de massas.

Com este mecanismo se concentram milhões de euros numa instituição do Estado, com fortes ligações com a Igreja, que explora milhares de portugueses, que extorque idosos e pensionistas e que encaminha para uns poucos todas as mordomias que os euros podem proporcionar. A mesma instituição que é gerida em regime de alta promiscuidade com a igreja, a mesma instituição que recebe rendas dos velhotes portugueses para habitarem casa em avançado estado de degradação, a mesma instituição que detém grande parte do parque habitacional do país e que permite o seu abandono e a sua degradação.

Adiante, antes que fiquemos mal dispostos.
Matematicamente falando, a hipótese de sair o primeiro prémio do euromilhões é 1 em 76 275 360, ou seja, a probabilidade de eu jogar no euromilhões e de ser o vencedor do primeiro prémio é igual a 1,3 x 10^8, o que significa 0,000000013. Claro que a probabilidade está lá, existe. Ínfima, mas existente, e é essa probabilidade que serve de engodo semanal aos milhões de pessoas que apostam no jogo. Tão bem calculada que assegura sem risco o carácter lucrativo do jogo, tal como nos casinos.

Na verdade, se um jogador quisesse ter a certeza de que o prémio lhe seria atribuído teria de gastar 152 550 720 euros. Ou seja, ainda assim, a organização do concurso lucraria 137 550 720 euros. Um negócio lucrativo e sem risco, como se vê. Noutras palavras, uma vergonhosa forma de enganar as pessoas e de as ter mergulhadas na ilusão da riqueza.

O mais grave é que, quase aposto, se os governos proibissem este jogo, seriam os próprios jogadores os primeiros a queixar-se e a revoltar-se. Porém, estatisticamente falando, os governos estariam impedindo que os cidadãos deitassem ao lixo dois a dez euros por semana. Pior, a dar para os bolsos de desconhecidos cerca de 152 milhões de euros por semana. Estatisticamente falando, a probabilidade de o euromilhões te sair a ti (leitor, se jogador) é ZERO.

10 comments:

Mário Pinto said...

Futebol
Igreja
Jogos de azar

Um ópio que produz esperanças infundadas.

A revolução é hoje!

Maria said...

Sei de quem promete ir a pé a fátima se o euro lhe sair... está tudo ligado...

Fernando Samuel said...

Ou seja: trata-se de uma espécie de roubo legal...


Um abraço.

Anonymous said...

É tudo um vício, assim como a pornografia na net, as telenovelas na SIC, TVI, etc... Ansiedades, desesperos, pequenos hábitos antigos transformados em novos... O faz de conta habitual para esquecer aquilo que estamos a passar, os sofrimentos do qual não queremos fazer parte, o não comprometimento com aquilo que é sério e faz pensar. É mais preferível para um medíocre jogar no totoloto do que perceber a destruição de Gaza pelo exército neonázi de Israel. Infelizmente, o conformismo com as pequenas coisas continua a ser uma aposta forte de muitos portugueses.

Anonymous said...

De facto são ilusões aos milhões. Bem mais graves e perniciosas as da igreja, convenhamos. Mas não são medíocres os que jogam e os que seguem a igreja. Também com muitos deles vamos contar, se queremos fazer a revolução. Saudações.

miguel said...

como é óbvio, caro anónimo. de mim não ouvirás a cantiga esquerdista do "povo ignorante". O ardil é cada vez mais intenso e as ilusões cada vez maiores, mas o iludido e o enganado é o o último dos culpados.

Anonymous said...

Certamente que sim. E tens razão no que acrescentas. Como decerto compreendeste, o comentário deixado antes era para o amigo Miguel Botelho.
Aproveito para corrigir - perdoa, mas ainda manuseio isto muito mal - a inadvertida e indesejada assinatura como anónimo. Renovo as saudações.

Sal said...

Nos tempos actuais as formas de alienação promovidas pelo grande capital passam também por aí: depois das pessoas serem deixadas na miséria e no desemprego, totalmente dependentes de bancos, esmolas e caridadezinhas, criam-lhes um "tubo de escape", para onde elas podem canalizar as suas esperanças numa vida melhor. Assim, pensam, estarão a evitar que estas tenham força para a luta. Mas estão muito enganados...
beijinhos

Paulo Mouta said...

É uma realidade. É uma espécie de dupla escravidão, a da ilusão da riqueza e a da dívida para se poder viverilusoriamente como remediado. Mas também a ilusão da propriedade porque temos de ser donos de algo. É nosso. Só que a vida é um contrato a termo incerto.

Sérgio Ribeiro said...

Ao passar (e ler) mais uma vez por este teu excelente texto, apeteceu-me mudar-lhe o nome... "milhões de ilusões"? ou "as ilusões de milhões"?, ou "milhões para iludir milhões"?. Sei lá... Está bem assim!
Um abraço