Corrupto é o que está, de alguma forma, poluído, quebrado na sua estrutura. Legalmente, do ponto de vista técnico, corrupção constitui um crime punível.
No entanto, quando se fala de corrupção, limita-se sempre o conceito a essa categorização e tipificação legística e administrativa, deixando ficar de fora a corrupção legal, não menos imoral.
Nos cargos públicos de eleição e de nomeação, o juramento é feito para com o povo e o interesse nacional, sob a vigência da Constituição da República Portuguesa que, acima de tudo, lhes cabe cumprir e respeitar. Se um titular de órgão público exerce o poder para benefício próprio, cometendo um acto ilegal ou legal, ou usa poderes que lhe assistem como moeda de troca para se beneficiar a si próprio, incorre num crime previsto na lei. Porém, se um titular desse mesmo órgão se apresentar a eleições com o propósito anunciado de defender o interesse público e, no uso do poder, defender a concentração do lucro, a acumulação de capital em grupos privados, a estratégia empresarial deste ou daquele, então isso já não cabe sob a definição estrita de corrupção, de acordo com a lei.
No entanto, para todos os efeitos, as consequências dessa tipologia de corrupção legal são, na maior parte das vezes, bem mais perniciosos e de impactos significativamente mais amplos que os da pequena e média corrupção ilegal. A imoralidade no uso do poder traduz-se de facto, na verdadeira dimensão da corrupção sistémica - o apodrecimento das estruturas, o desvirtuamento dos compromissos e o desvio do funcionamento do Estado do Povo.
Corrupto - de sinónimo, em latim, "apodrecido" - é o sistema capitalista e os que lhe dão corpo.
Infelizmente, em Portugal, é corrupção autorizar a edificação de um empreendimento turístico em área protegida a troco de um qualquer prémio. No entanto, já não se considera corrupto o legislador que altera o quadro legal para permitir a construção do mesmo empreendimento turístico, mesmo que esteja provado o seu impacto negativo e efeitos nefastos para a economia e para a população envolvente.
Da mesma forma, seria ilegal e censurável que alguém vendesse o domínio público a uma empresa privada para exclusividade de usos. Mas é absolutamente aceitável que um Governo altere a lei para permitir a alienação total do domínio público, material e imaterial, entregando assim esse domínio a um ou outro interesse privado, depauperando do Estado do Povo, mesmo à margem do espírito e da forma da Constituição da República.
É ilegal receber benefícios próprios a troco de actos administrativos, políticos ou executivos, legais ou ilegais. E bem. E no entanto, é perfeitamente aceitável no quadro da lei que os indivíduos que desempenham cargos públicos e, muitas vezes até como legisladores, sejam cooptados para o mundo das empresas privadas que foram beneficiadas pelos seus actos enquanto titulares dos cargos públicos. Não é corrupto que um dos mais altos representantes do Estado Português se apresente como promotor de marcas de automóveis, de peixe congelado e de computadores e software quando foi eleito pelo povo que é diariamente prejudicado precisamente por essas mesmas corporações?
Por isso quando ainda há poucos dias via na tv um programa sobre corrupção, me revoltava. Por um lado porque centram a corrupção nos pequenos actos, indo ao ridículo de acusar o funcionário público pela corrupção de Estado que grassa em Portugal. Por outro lado, porque sempre recusam colocar a discussão sobre os aspectos essenciais. E esses aspectos são a natureza corrupta do Estado no sistema capitalista, natureza suportada pelos partidos que disputam o poder burguês.
Curioso é também verificar que sempre se aligeira o papel do corruptor. Ou seja, se existe um corrupto, existe um corruptor. Porquê demonizar apenas o corrupto - que certamente desempenha o papel mais censurável - e esquecer o corruptor. É que se existe quem se venda, é porque existe quem compre e estimule a imoralidade. Essas mesmas empresas que são diariamente promovidas como o céu na terra e como a salvação para todos os males do país, são precisamente aquelas que acenam com dinheiro e regalias por baixo das mesas e secretárias do poder político apodrecido e corrupto. São as mesmas que trocam impressões sobre quem contratar nos gabinetes dos ministros, nos governos, ou nos aparelhos de influência dos partidos burgueses. Essas, afinal de contas, saem sempre ilesas dos processos. Tudo a bem da manutenção da natureza corrupta do sistema burguês a que, ultimamente, se vai chamando "democracia ocidental" ou "democracia consolidada".
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2 comments:
Excelente retrato desta democracia... pôdre.
Um abraço.
Belo texto, aliás como sempre. Retratas aqui um factor intrínseco na nossa sociedade, a corrupção legal, um factor inverossímil, no entanto praticado. As práticas legislativas de congeminação, são a principal causa de impunidade das oligarquias, do poder dominante que segregam os seres que os sustentam.
Esta é a típica democracia que instiga um imagem e uma prática amplamente antagónicas e fazem-no porque insistimos em os substimar.
É sabido e corrente, os inexoráveis retrocessos que os ultimos governos tem vindo a proporcionar, não obstante os 2 principais partidos causadores destes mesmos retrocessos, governam alternadamente com a imutibilidade que nos é caracteristica. Podemos culpar tudo e todos, mas no momento certo, somos nós que substimamos, tanto aos governantes como a nós próprios, estereotipados com caminhos marcados por um destino já vivido.
As 3 décadas de retrocessos, exigem uma análise de ruptura individual e de toda a emancipação revolucionária possivel, é um erro julgar o capitalismo como anacrónico, pois este evoluí, com nefastas consequências e só depende de nós trava-lo.
Abraço.
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