A consagração de um conjunto de direitos para a juventude não é de forma alguma dissociável do carácter e da natureza revolucionária e de classe do 25 de Abril de 1974. Independentemente de existir uma concepção alargada de política de juventude, da qual os comunistas portugueses foram percursores quando, em 1995 lançam o termo "política transversal de juventude" através de um conjunto de campanhas nacionais inseridas na preparação das eleições legislativas de então, a questão de existir um conjunto de direitos constitucionalmente consagrados aos jovens portugueses não é alheia à natureza da própria revolução.
Ou seja, a contemplação da juventude no quadro constitucional, tal como é feita, resulta directamente do posicionamento político de classe do próprio texto constitucional que, afinal, plasma de certa forma os resultados da correlação de forças que lhe dá origem.
Por que motivo um texto constitucional consagra normas específicas para a juventude num conjunto de matérias tão importantes quanto a "educação, o desporto, a cultura, a habitação"? E a questão deve ir mais longe: de que resulta objectivamente a consagração constitucional, da forma como é feita, desses direitos? Ela resulta do facto de a constituição da república portuguesa não ser neutra e de assimilar legislativamente a realidade que consiste no facto de não existir nenhuma igualdade entre patrão e trabalhador, entre capital e trabalho. A insistência que alguns têm feito em acusações à Constituição visam precisamente criar o caldo de cultura da igualdade que não tem correspondência com a realidade e com a forma como se desenvolvem as relações de produção no mundo actual.
A ilusão de que existe uma igualdade entre o patrão, ou melhor "o empregador", e o trabalhador, ou melhor "o colaborador", é a falácia em que assenta toda a aceitação do capitalismo moderno e dos Estados neo-liberais. O conjunto dos cidadãos, dos trabalhadores, passa a estar perante a lei numa situação de igualdade nivelada com o patronato, situação que não corresponde à realidade. Ou seja, para que seja possível ao Estado privilegiar o conjunto da população, este deve assumidamente priorizar direitos e políticas. Direitos mais sólidos, particularmente para os que são a parte frágil das relações sociais e laborais, sendo que são precisamente estes os afectados pelo desequilíbrio real entre as forças. Esta constatação resulta da mais ingénua das observações da realidade. Impor que a lei trate de outra forma as relações entre trabalho e capital, em pé de igualdade, por exemplo, resulta directamente no acentuamento da fragilidade da posição do trabalho, com os custos sociais e humanos que isso acarreta.
Por que motivos não pode Abril dissociar-se dos direitos dos jovens portugueses?
Em primeiro lugar porque resulta directamente da revolução, pelos motivos óbvios que resultam do facto de pré-existir uma ditadura fascista durante a qual os direitos da juventude, como das restantes camadas populares, foram pura e simplesmente subjugados, eliminados e considerados inexistentes. Mas em segundo e mais importante lugar, porque a natureza da revolução e o seu pendor político eram efectivamente classistas. Só isso explica que, no quadro legislativo constituinte, tenha surgido a necessidade de tomar o partido dos trabalhadores, numa perspectiva de desenvolvimento social e político que se orientava para o socialismo. A protecção da juventude não nasce de uma casualidade, de um espírito bondoso da assembleia constituinte, tampouco da popularidade dos discursos que usam a juventude como mote. Esse é infelizmente o lugar que se quer reservar aos jovens dos dias de hoje, sendo que são exactamente esses quem sustenta, como uma bolsa, a exploração crecente do trabalho que o capital vem levando a cabo, apadrinhado pelos PS's, PSD's, CDS's e, em certa medida, pelos grupos esquerdistas que minam a unidade entre o proletariado e as camadas exploradas da população e contribuem para o revisionismo histórico, elemento fundamental do aprofundamento das ofensivas de classe dirigidas contra os trabalhadores.
A defesa especial da juventude resulta do facto político e social de que so jovens são uma camada popular mais exposta à exploração capitalista, tendo em conta as suas características transitórias, resultantes das relações materiais que estabelecem com o meio durante essa fase da sua vida. Particularmente as relações materiais que são inexistentes, dada a inexistência de meios de subsistência ou propriedade. Ou seja, pelas condições peculiares do trajecto do jovem no mundo capitalista, a fase juvenil é despojada de propriedade ou de meios de subsistência, o que significa que esta é a camada mais "proletarizável" de todas.
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1 comment:
Muito bem observado - e muito oportuno.
Um abraço.
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