Wednesday, September 29, 2010

Patriotismo de esquerda

Porquê "patriótico e de esquerda"? Por que surge tão intensamente essa afirmação e essa expressão na linguagem dos comunistas portugueses e por que são até o pano de fundo da candidatura de Francisco Lopes à Presidência da República?

Há por aí quem confunda patriotismo com nacionalismo burguês e há quem julgue que o patriotismo é um elemento central das políticas de direita e até uma bandeira exclusiva dessas alas reaccionárias da política. Para esse mito, contribui a própria direita, mas também algumas franjas da esquerda burguesa que contornam o conceito de nação e de pátria para vender a ilusão de um europeísmo progressista e de uma globalização humana. A suposta oposição entre "internacionalismo", "solidariedade internacionalista" e "patriotismo" é uma contradição que só poderá suster-se no quadro do pensamento dogmático da classe dominante, estático e retórico. No entanto, a mesma classe dominante que opõe o sentimento internacionalista do povo ao patriotismo, é a que estimula o nacionalismo burguês, de integração e assimilação da doutrina dominante pelas classes populares.

Todavia, para um comunista, esse antagonismo não tem sustentação lógica, nem ideológica. Isso porque a própria concepção de pátria difere de acordo com a perspectiva de classe, mas não só por isso. De certa forma, o operariado e o proletariado não têm outra opção senão ser patriotas. Para a burguesia, o nacionalismo, ainda que fingido ou encenado, é uma escolha. A burguesia não depende da venda da sua força de trabalho, mas sim da capacidade de deter ou não os meios de produção, controlar as relações laborais e de se apropriar das mais-valias produzidas pelo trabalhador. Da mesma forma, a mobilidade do capital, e consequentemente, das riquezas da burguesia, é infinitamente superior à mobilidade do Trabalho.

Ou seja, enquanto que o capitalista ou o burguês podem optar sobre a localização do capital, o trabalhador não pode optar pela localização do seu trabalho. A sobrevivência do trabalhador depende da sua capacidade de vender a sua força de trabalho e quando essa condição não se verifica, o trabalhador é forçado a outras formas de subsistência, nomeadamente a marginalidade, a mendicância, etc.. No entanto, na busca por trabalho, o trabalhador pode migrar, assim existam condições para o fazer e para o acolher no respectivo local de destino. Essas migrações massivas de milhões de trabalhadores, em fluxos claramente associados às dinâmicas económicas do sistema capitalista, constituem a forma como o proletariado mundial reage à procura de trabalho, ou seja, de sobrevivência e melhoria da qualidade de vida.

No entanto, embora o sistema capitalista motive e se aproveite das migrações, ele próprio apresenta limitações na forma como gere as migrações. E essas limitações são as que estão na origem das tendências fascizantes do proletariado que são conhecidas um pouco por toda a Europa, particularmente pela Alemanha, França, Holanda e, mais recentemente, Suécia. As migrações acarretam desequilíbrios profundos que se fazem sentir particularmente nas camadas laboriosas e assumem uma carga negativa no quadro da proliferação do desemprego. A tendência, obviamente estimulada pela classe dominante de cada estado, é a da hostilização inter-étnica, a do surgimento da xenofobia e do racismo, justificando a agudização da exploração e a deriva fascizante das burguesias nacionais.

Isto significa que a migração, a mobilidade do operariado é já de si reduzida, pelas condicionantes físicas e geográficas, mas também económicas e políticas. A mobilidade do capital, porém, é praticamente total e global. Aliás, o capital não só não conhece fronteiras como não conhece pátria, já que pode explorar e reproduzir-se em qualquer local, mesmo estando sediado em outro diferente. O capitalista, independentemente de onde habita, detém os meios de produção num determinado local ou locais, mas pode colocar o capital em parte diferente. Por exemplo, as fortunas dos grandes capitalistas portugueses estão, geralmente, colocadas em outros países, tal como as sedes das empresas que actuam em Portugal - entre as quais muitas das que se afirmam "nacionais" - estão posicionadas em off-shores ou em países com políticas fiscais mais vantajosas. Ao mesmo tempo, a burguesia pode deslocar-se facilmente, como a História demonstra à exaustão, mudando a sua localização sem qualquer tipo de impedimento, sabendo que será bem acolhido entre os seus semelhantes.

O mesmo nunca se poderia dizer de quem depende da venda da sua força de trabalho para sobreviver. O trabalhador é patriota porque essa é uma condição inerente à sua classe e à sua busca pela sobrevivência. A qualidade de vida do trabalhador está directamente relacionada com o grau de desenvolvimento social, económico e cultural do seu país. Por oposição, os interesses da burguesia são, em muitos casos, alimentados precisamente pela degradação da economia local, da produção e, principalmente, dos direitos sociais e laborais.

O patriotismo não é uma palavra vã na boca dos comunistas. Nem poderia ser. Tampouco, ser patriótico é uma opção mediática ou estratégica de um Partido Comunista. Um Partido só pode ser comunista se for patriótico.

Patriótico porque do Estado do país e da nação, dependem as vidas dos trabalhadores!
Patriótico porque a pátria não é a cultura da classe dominante, mas a luta das classes trabalhadoras!

3 comments:

Dalaiama said...

Bravo!! :D

Sérgio Ribeiro said...

ora aí está!

um abraço

Bruno said...

Grande post.
Vou guardar nos favoritos.