Wednesday, May 22, 2013

a luta pela natureza é a luta pelo socialismo (2007)

Não passa um dia que não vejamos umas poucas centenas de jovens ecologistas preocupados. Ultimamente até mesmo as empresas, as grandes companhias, corporações e grupos económicos dinamizam campanhas supostamente ecologistas.

De facto, regista-se uma destruição da Natureza a um ritmo alucinante, provavelmente com impactos diferentes dos que nos querem fazer crer, mas bastante mais visível do que outrora. Mais visível, porque o capital descobriu na publicidade da devastação ambiental um novo filão comercial e porque hoje a informação circula a uma velocidade e permeabilidade significativamente superiores quando comparadas com outras alturas da história do capitalismo.

Já não pode passar despercebido o esforço que o capital faz para controlar os rios de descontentamento que correm por esse mundo fora. Hoje em dia é ver os grandes grupos económicos a carimbar a sua imagem de marca sobre acções supostamente humanitárias ou ecologistas. Na verdade, o capital tem perfeita consciência de que os problemas da humanidade e da sua relação com a Natureza se agravam e de que as populações manifestam uma preocupação crescente para com os desequilíbrios que se agigantam. No entanto, nunca poderia o capital permitir que a humanidade procurasse as respostas para o problema. Não. Em vez disso, o capital apressa-se a criar as suas próprias respostas. Nunca procurando uma solução efectiva, porque essa seria a sua própria destruição, o capital move as suas influências promovendo colossais campanhas publicitárias em torno de questões que hoje preocupam genericamente as populações, nomeadamente as populações dos países desenvolvidos, tendo em conta também a sua maior acessibilidade à informação.

Assim, como forma de desfocar o descontentamento popular e de promover a ideia de que o capitalismo pode tratar as suas próprias feridas, desenvolvem-se campanhas astronómicas de publicidade / propaganda em torno das questões ambientais. Muitas vezes, talvez na quase totalidade, as campanhas promovidas pelas diversas marcas ultrapassam o simples pendor publicitário e enquadram-se perfeita e conscientemente numa campanha de propaganda ideológica sub-reptícia. 

Se, por um lado, o simples aparecimento de uma etiqueta que ostenta “ecológico”, “combate as alterações climáticas” ou “amigo do ambiente” na nossa embalagem de leite ou de arroz, ou mesmo no bilhete da carreira urbana, gera uma nova forma de incremento dos preços ao consumidor, aumentando portanto os lucros das empresas que optam por usar estas terminologias mesmo que não mudem nada no seu funcionamento interno; por outro lado, este conjunto de sinais que o capitalismo nos vai dando gera a ideia de que existe uma supra-consciência que tomará as necessárias medidas para que a Terra e a Natureza não colapsem sobre nós. Algo ao género da mão invisível a que o Capital nos habituou.


As contradições, porém, não cessam por aqui.

Ao mesmo tempo que o Capital nos faz crer de que está consciente dos seus excessos, e que deles trata, coloca sobre as populações o ónus do pagamento e a responsabilidade sobre os crimes que o próprio sistema capitalista tem vindo a cometer perante a Natureza.

Assim, a classe que domina os recursos naturais do planeta e que exerce o poder determinante perante as relações laborais é exactamente a mesma que tem acumulado crescente e aceleradamente os lucros da exploração intensiva da Natureza. A burguesia.

A burguesia tem, portanto, acumulado e arrecadado os lucros provenientes da exploração da Natureza, concentrando num punhado cada vez mais reduzido de grupos económicos destacados para o efeito o produto da exploração do trabalho e do trabalho sobre a Natureza. Subjacente a estas manobras de propaganda e ofensiva ideológica está claro o objectivo de maior geração de mais-valias pela exigência que se traduz em aumento de preços sob a capa de “custos ambientais”; mas mais grave, está também o objectivo de desresponsabilizar a corja que beneficiou ao longo destes anos de desenvolvimento capitalista.

Colocando a responsabilidade pela degradação ambiental no povo que usufrui dos produtos gerados no sistema capitalista de produção, a própria burguesia ganha em duas frentes, a frente material pela criação de um novo mercado de oportunidade capitalista e a frente subjectiva pelo branqueamento do seu papel histórico de extinção dos recursos naturais ao seu serviço e para seu uso praticamente exclusivo.

Os meios de produção – o seu desenvolvimento e a relação com a Natureza

A história mostra-nos bem, particularmente desde o despontar da revolução industrial, que o desenvolvimento dos meios de produção nos modelos em que a Humanidade o levou e leva a cabo, implica uma relação com a Natureza de grandes proporções. O desenvolvimento dos meios de produção, ao longo da história das sociedades humanas tem dois vectores de interacção com a Natureza, geralmente acarretando custos junto da sua capacidade e ritmo de regeneração. O primeiro vector é o da exploração de recursos para promover o desenvolvimento dos meios de produção - a ferramenta, a máquina, o combustível, ou outros meios de produção são desenvolvidos à custa de matérias-primas naturais, extraídas da Natureza. O segundo vector é o da influência do meio de produção junto da Natureza propriamente dita – a poluição, o desperdício ou o incremento do ritmo de extracção.

Assim, quando observamos o fenómeno de desenvolvimento dos meios de produção, estamos perante um ciclo de influências recíprocas que advém da capacidade criadora do Homem, pela via do Trabalho. Desde os primórdios da sociedade humana, o homem interage com a Natureza na perspectiva do Trabalho, o que provocou desde cedo uma iniciativa extractiva e transformadora dos recursos naturais. Primeiro a pequena escala, hoje numa escala vastíssima e praticamente global. A utilização das primeiras ferramentas pelo Homo habilis era feita recorrendo a produtos da Natureza submetidos a processos de transformação mínimos e essencialmente mecânicos. Hoje o Homem utiliza ferramentas bastante mais desenvolvidas, produzidas por via da transformação dos recursos naturais, muitas vezes recorrendo a processos mecânicos mas generalizando também os processos químicos.

O domínio cada vez mais forte das leis da Natureza tem permitido às sociedades um desenvolvimento brutal dos meios de produção. Ainda assim, podemos verificar que, no geral, esse desenvolvimento tem sido orientado pelas necessidades do capitalismo e da burguesia dominante ao invés de ser dirigido pelas verdadeiras necessidades das populações, independentemente do seu local de origem ou da sua relação com o capital e com o sistema produtivo. É um facto incontornável que os meios de produção e os mecanismos especulativos gerados em seu torno têm sido concebidos e desenvolvidos exclusivamente ao serviço da classe dominante. Potenciando e maximizando a capacidade produtiva do sistema, não para beneficiar o Trabalho, mas para garantir os privilégios crescentes do Capital.

A teoria da distribuição dos “custos ambientais” pelo consumidor – ou seja, pelos trabalhadores – parte do pressuposto que todos gozaram igualmente dos frutos imateriais e materiais do processo produtivo ao longo da história, o que não é de todo verdade. Desde sempre, o capitalismo tem garantido a concentração do capital, a acumulação de mais-valias do Trabalho tal como sempre tem garantido a acumulação dos lucros gerados pela exploração dos recursos naturais no mesmo punhado de ciclos restritos – obtidos também eles pela exploração do Trabalho.

Olhando aos últimos 200 anos da História do sistema capitalista que a dominou, facilmente verificamos que os frutos e lucros da exploração de recursos naturais não tiveram uma justa distribuição pela população mundial. Mesmo não contabilizando o período propriamente colonial dos impérios europeus, verificamos facilmente que a exploração dos recursos do globo não gerou lucros para as populações, mas sim sempre para a classe dominante. As classes trabalhadoras de África nunca viram distribuídos por si os lucros da exploração intensiva e irracional dos seus recursos naturais, mesmo aquelas que habitam os Estados que dispõem de colossal riqueza natural. O mesmo se passa por todo o Globo. Com efeito, os lucros obtidos através da transformação ou venda directa dessas mercadorias, sempre foram concentrados na classe dominante.

Mesmo nos países onde se verificam estados mais avançados de produção e onde os trabalhadores atingem níveis de vida significativamente melhores que alguns países africanos, o lucro é acumulado nas classes dominantes. A luta dos povos da Europa, indissociável das conquistas da Revolução de Outubro e da proximidade da União Soviética, garantiu-lhes até hoje, uma qualidade de vida bastante melhor que aos seus camaradas trabalhadores de outros países, mas isso não impede de forma alguma que se verifique uma forte concentração do lucro na classe dominante, ainda que com menor alarvidade que nas regiões em que o capital não foi confrontado com as lutas do povo de forma tão sistemática como na Europa.
O que se pode concluir pela simples observação deste período histórico é que a riqueza adveniente da produção com base nos recursos naturais tem sido sempre concentrada cumulativamente na posse das franjas capitalistas da classe dominante. Isso significa que os “custos ambientais” não podem ser hoje lançados sobre as classes trabalhadoras, já que não foram estas quem usufruiu em maior escala dos benefícios da utilização da Natureza.

Nós sabemos que a evolução do Homem é, desde o desenvolvimento da Ferramenta para o Trabalho, feita numa estrita relação com o desenvolvimento dos meios de produção – ou seja, a nossa evolução social, económica e mesmo biológica está intimamente relacionada com o Trabalho e a forma como o diversificámos e hoje o executamos com recurso à Ferramenta. O Homem transforma a Ferramenta em vez de transformar a sua fisionomia significativamente. Isto significa que a interacção entre o Homem e a Natureza, a sua forma e o seu grau, também são determinados pelo grau de desenvolvimento da sociedade do Homem, que está, por sua vez, relacionado com o estado de desenvolvimento dos meios de produção.

Embora o Homem seja a parte da Natureza que tem consciência sobre si própria e sobre a restante que a rodeia, isso não significa que essa consciência seja imutável. Pelo contrário, o desenvolvimento do Homem ao longo da História, a evolução, mostram-nos bem a capacidade de transformação e aprofundamento da consciência do ser humano. A consciência do Ser Humano sobre si e sobre a Natureza que o inclui e rodeia está em constante modificação, fruto da relação entre a sociedade do Homem e a Natureza e, claro, fruto das diversas correlações de forças entre classes sociais do Homem que, conforme a dominante, orientam a criação e formação das consciências individuais e colectiva segundo os seus interesses.

O desenvolvimento económico e social da sociedade humana seguiu um modelo que parece incontornável: o da evolução tecnológica como forma da melhoria da qualidade de vida e da obtenção de mais-valias materiais através da Natureza. A tecnologia foi, no entanto, campo vasto de experiências e de investigação e desenvolvimento, sendo que passa por diversas fases.

Independentemente de outras possibilidades que pudessem existir, a história mostra que o desenvolvimento do Homem foi levado a cabo com base nesse desenvolvimento tecnológico em relação com a exploração da Natureza. Esse foi o natural desenrolar da história enquanto processo. A consciência do Homem sobre os impactos dessa acção teve fluxos e refluxos, e só o avançar da ciência permitiram o aprofundamento dessa consciência, motivando assim, em alguns casos a procura de novas soluções tecnológicas com menores impactos sobre o meio.

Ora, independentemente de quem usufrui dos benefícios da exploração dos recursos naturais, nada indica que o processo de desenvolvimento dos meios de produção pudesse ter sido feito de outra forma. Ou seja, a evolução da sociedade e da sua capacidade produtiva é feita com base na exploração da Natureza.

Se hoje podemos claramente constatar o sistema capitalista como uma incontornável fase da História da Humanidade, também podemos estabelecer como dado objectivo que o desenvolvimento dos meios de produção é feito à custa do meio e dos recursos naturais de que dispomos. Resta analisar agora que diferenças se podem verificar de ora em diante, sendo que a consciência humana pode progredir no sentido de uma gestão racional e equilibrada dos recursos à sua disposição, na razão directa da força das classes oprimidas e da sua capacidade de se tornarem dominantes.

O desenvolvimento tecnológico e o seu impacto na capacidade produtiva vai gerando modificações no Trabalho e nas sociedades sem que, no entanto, tenha até hoje provocado uma alteração nas relações de classe. Isto significa que o aperfeiçoamento dos mecanismos de produção e o aumento dessa produção têm beneficiado ao longo da História, a classe dominante. Excluindo o conjunto de países socialistas, cujas economias e sua gestão democrática possibilitou uma mais justa distribuição dos frutos do Trabalho pelos povos, a generalidade dos estados tem visto as suas riquezas naturais transformadas em riqueza imaterial que se concentra sempre no grande capital transnacional. Mesmo os ex-países socialistas de Leste viram as suas riquezas serem entregues ao desbarato aos senhores do capital, assim que a democracia ruiu e o sistema político cedeu à força brutal do Ocidente e da corrupção instigada. Isto significa que, do processo produtivo ao longo de praticamente todo o planeta e de toda a História dos dois últimos séculos, todos os frutos têm sido concentrados sob a forma de mais-valias de que o patronato se foi apropriando.

A concentração do capital atinge níveis nunca conhecidos, com o crescente processo de globalização capitalista, e os processos produtivos, pela força do desenvolvimento dos meios de produção e dos mecanismos de exploração, são hoje efectuados com uma eficiência que nunca se vira na História. Isto também implica que a acumulação de lucros provenientes do actual modelo económico é crescente.

Assim, o aparente paradoxo que gira em torno do conceito da distribuição do “custo ambiental” começa a ruir para dar lugar a um mecanismo de ampliação do lucro e do poder da classe dominante.

Se os frutos do processo produtivo foram sistematicamente arrecadados pela burguesia e pelo grande capital e se a delapidação dos recursos naturais gerou lucro, significa que a mais-valia dessa exploração foi apropriada. Logo, os “custos ambientais” mais não representam do que exactamente essa componente de lucro que sempre foi acumulada e que continua a gerar desigualdades e a agravá-las. A burguesia não está disponível para assumir que foi ela quem arrecadou esses lucros, materiais e imateriais.

As populações, os trabalhadores sempre ficaram apenas com o indispensável à continuidade da sua capacidade produtiva, sem nenhuma margem de lucro proveniente da exploração das riquezas naturais.

O facto de o funcionamento do método de produção capitalista ter sido erguido sobre a exploração desenfreada dos recursos não significa que os novos patamares tecnológicos que a Humanidade pode atingir não tragam possibilidades de gestão de recursos de forma verdadeiramente integrada, atentando às capacidades regenerativas da Natureza, como forma de garantir a subsistência do Homem enquanto espécie e a sua sobrevivência digna para todos os povos da sociedade humana.

A gestão capitalista dos recursos naturais e o stress e esgotamento da Natureza

A natureza do sistema capitalista, tal como Marx já a descreve, consiste na permanente acumulação e crescimento. Segundo Marx, o Capital ou se reproduz e cresce, ou definha e morre. Esta tese marxista, mais provas necessitasse, está totalmente comprovada pela própria história e pelo comportamento do capital ao longo do tempo.

É essa natureza do capital que faz com que o capitalismo seja incompatível com a gestão dos recursos naturais ao serviço das necessidades do Homem, sendo que a economia, a ciência e a produção é colocada exclusivamente ao serviço da geração imediata de lucro. A mecânica do capitalismo é tão distante da gestão racional que chega a dar origem a paradoxos tão complexos como a cessação de produção de um bem necessário, pelo simples facto de não ser lucrativo em termos imateriais para os detentores de capital. Se uma determinada população, por exemplo, carecer de uma vacina em massa, a produção pode não satisfazer as necessidades só porque não é uma produção rentável. O método de produção do capitalismo não é orientado para responder às necessidades das populações, como está bem visto e verificado, mas sim para a transformação da matéria em lucro que se acumula. Ao mesmo tempo, o capitalismo desenvolve gigantescas produções que, apesar de não satisfazerem quaisquer necessidades, se mostram particularmente lucrativas, como é o caso das drogas e estupefacientes sem fins medicinais ou mesmo, bem mais próxima de todos, a miríade de superfluidades e extravagâncias de luxo, por exemplo.

Estas incongruências do actual sistema de produção demonstram bem que as classes dominantes exercem sobre a Natureza uma pressão e uma exploração que visa a obtenção de lucros imediatos, mesmo que isso signifique o stress bio e geológico acentuado ou a destruição dos recursos.

Mais do que as necessidades da população mundial, o que neste momento orienta a relação do Homem com a Natureza, são as necessidades de crescimento e acumulação capitalista.
A sustentabilidade do Homem depende da integração com a Natureza, sendo que a sua sobrevivência depende irrevogavelmente da abundância de recursos.

O actual modelo produtivo tem provocado uma degradação rápida e acentuada dos valores naturais, quer no plano da sua exploração, quer no plano da sua inutilização por contaminação poluente. Na verdade, não são as necessidades de consumo e produção das populações que têm gerado a aproximação ao esgotamento dos recursos naturais, mas sim a ânsia desmedida de lucro e o parasitismo das classes dominantes. No entanto, é bem patente, no âmbito da actual e gigantesca ofensiva ideológica que é promovida pelo capital, a tentativa de responsabilização do conjunto das populações pela delapidação criminosa levada a cabo até hoje.

Mesmo no plano material, os benefícios da exploração da Natureza, têm sido concentrados nas classes dominantes, sendo que são estas quem utiliza irresponsavelmente e indiscriminadamente os recursos para a satisfação de luxos profundamente irracionais. No plano dos combustíveis fósseis e dos hidrocarbonetos, por exemplo – questão que hoje supostamente tanto preocupa as sociedades capitalistas – a campanha de desresponsabilização capitalista vai ao ponto de colocar a responsabilidade nas opções dos últimos anos das populações ocidentais, ou seja, dos trabalhadores dos países europeus e americanos, principalmente.

Mas vejamos: as deslocações de milhões de trabalhadores entre casa e trabalho são feitas em transporte individual por sua opção própria? Serão os próprios trabalhadores os autores dessa opção? E seria alguma vez, essa opção, consciente?

Se olharmos à forma como o poder dos Estados, submisso que sempre está aos interesses do capital, gere o território e planifica a utilização dos seus recursos, rapidamente verificamos que as verdadeiras opções residiram, não nas populações, mas sim no capital e nos Estados que controla. É a vontade do lucro que dinamiza avassaladoramente um mercado automóvel claramente acima das necessidades, e mesmo possibilidades, fomentando a utilização do transporte individual acompanhada de uma destruição de redes integradas de transportes públicos e de uma política de especulação imobiliária que desertifica os corações geográficos e económicos dos centros urbanos. Olhando assim, torna-se claro que afinal a opção não é senão uma imposição colocada aos trabalhadores pelas condicionantes de um sistema político e económico vassalo do capital e da burguesia.


É, portanto, óbvia a responsabilidade do capital na delapidação dos recursos naturais e na concentração no usufruto dos seus benefícios. E é curioso verificar que, ao mesmo tempo que vai destruindo a Natureza, o capital vai reservando os nichos naturais de qualidade para si próprio e para as classes que orbitam em seu torno, arredando da Natureza intacta as populações e reservando para si próprio o acesso e a utilização dessas porções intactas ou semi-intactas do meio natural.

É assente, além de lógico, que a sustentabilidade das sociedades humanas está condicionada pela disponibilidade de recursos. Mais, a gradual ascensão da qualidade de vida, está condicionada pela gestão racional dos recursos, permitindo a sua regeneração. O que se verifica hoje é um esgotamento dos recursos a um nível que coloca em risco a existência da espécie humana. Mas porquê? porque as necessidades da Humanidade assim exigem? Não. Apenas a acumulação de lucros o exige. A gestão dos recursos, fosse levada a cabo no sentido de criar resposta às necessidades das populações, não exigiria de forma alguma a destruição galopante da Natureza e das suas riquezas. Prova disso é que actualmente se produz cerca do dobro do que seria necessário para alimentar toda a população do planeta e ainda assim, a produção não chega a metade da população, o que significa que 50% da Humanidade arrecada praticamente 100% da produção e/ou que 50% da produção é supérflua.

É importante, nesta fase, reforçar a diferença que existe entre “sustentabilidade do Homem e das suas necessidades” e “sustentabilidade do Sistema capitalista”. Este último conceito é o que verdadeiramente é representado com a actual utilização dos termos “desenvolvimento sustentável”. Na verdade, o capital promove uma abordagem igual à que sempre tem promovido e praticado, dando-lhe, no entanto novas formas que lhe permitam obter lucro também desta preocupação ambiental que se vai gerando. O termo “desenvolvimento sustentável” no âmbito da utilização que lhe é dada actualmente não representa desenvolvimento, nem é sustentável. Na verdade o que a burguesia pretende é não opor “capitalismo” e “Natureza”, o que é em si mesmo, uma impossibilidade prática e abstracta.
Podemos então representar esta prática, que resulta desta observação da realidade, no plano abstracto:

I.Se a matriz e natureza do capitalismo assentam na procura do lucro e na sua maximização;

II.Se a procura do lucro nunca obedeceu nem se coibiu, ao longo da história, às e perante as necessidades da população mundial;

III.Se a sobrevivência das espécies, nomeadamente do Ser Humano, não são condicionantes à acção do Capital;

IV.Se o Capital tem a necessidade de constante crescimento, sob pena de definhamento; 

V.Se os recursos naturais são, na generalidade finitos e a sua exploração pode ser rentável do ponto de vista da criação de riqueza material e imaterial;

VI.Então, o capital acumulado e gerado cresce na proporção da destruição dos recursos naturais;

VII.Logo, existe uma contradição insanável entre Capitalismo e preservação da Natureza.


Mas novas realidades entretanto surgem. A reutilização e reciclagem dos produtos e dos recursos, originando matérias-primas de segunda geração que podem contribuir para o desacelerar do consumo dos recursos naturais. Podemos considerar sem hesitações que as tecnologias que permitem a reutilização são uma mais-valia para a Humanidade e para a Natureza no seu conjunto. No entanto, no quadro do sistema capitalista, nenhum dos pressupostos deixa de se aplicar, apenas se verifica o prolongamento no tempo dos seus efeitos. Ou seja, estas novas indústrias e a utilização das novas matérias-primas acabam por funcionar como um balão de oxigénio para o sistema, mas não garantem de forma alguma a inversão do curso de destruição que o capitalismo imprime ao Homem.

É notável como os grupos económicos e os grandes interesses capitalistas em torno do “ambiente” conseguem criar uma nova forma de obter lucro através da preocupação ambiental das populações, sem que, na verdade lhes dêem qualquer resposta. A fileira da reciclagem e da revalorização, por exemplo, representa hoje a origem de um mercado de dimensões significativas. 

A preocupação ambiental acaba por sustentar não a Natureza, mas uma nova produção que se desenvolve com tanta preocupação ambiental como as produções de primeira geração. Ou seja, o Capital, dominando a produção e os seus meios, delapida e destrói a Natureza visando o lucro, tanto na extracção como nas actividades de reciclagem que desenvolve. Façamos um pequeno raciocínio para entender a duplicação de lucros por via desta preocupação ambiental: “eu compro a embalagem supérflua que envolve as minhas 4 garrafas de água (em si também inúteis, quando poderia comprar apenas uma garrafa de 4 litros). - Partimos do princípio que o custo da embalagem está incluído no preço das 4 garrafas de água – de seguida, a embalagem plástica que as envolvia vai directamente para o lixo, seguindo posteriormente para reciclagem, caso eu a encaminhe. Finalmente é-me cobrada uma taxa em função da embalagem que comprei involuntariamente. O produto de segunda geração – as fibras de PET recicladas por exemplo – estarão ao meu alcance sob novo pagamento de um preço inflacionado, ou seja, ao qual acresceram novas componentes de preço e de mais-valias.

A posse dos recursos

O capitalismo não convive com a democracia. A democracia formal que dá forma a alguns estados capitalistas não ultrapassa as limitações que o capitalismo lhe impõe. E na utilização dos recursos naturais, esta é uma questão primária. A democracia na posse, gestão e utilização dos recursos naturais, é inconciliável com a acumulação de lucros a partir destes. Daí o carácter determinante que se coloca na questão da posse e direito de gestão.

A posse dos recursos naturais só pode ser comum. Por um lado, porque a Natureza é essencial à produção e é em si mesma, produtiva segundo a rentabilização que o Homem pode fazer dela. Por outro lado, porque existem recursos naturais – como o ar e a água, por exemplo – que são estrita e absolutamente necessários para a vida do Ser Humano, tanto quanto para a totalidade dos Seres vivos que conhecemos.

O que o capitalismo empreende actualmente é a apropriação de todos os recursos naturais, desde a água aos recursos geológicos, ganhando uma nova dimensão de controlo sobre os destinos da sociedade, além de uma incrível nova fonte de receita.

Se a burguesia detém a posse dos recursos, isso significa que os utilizará defendendo essa posse e domínio, colocando-os fora do alcance das populações se necessário através da força. A tecnologia é colocada ao serviço da protecção dessa posse ao invés de ser utilizada para criar as condições de acesso de todos a esses recursos. Portanto, a posse dos recursos e o uso que deles se faz, determina em grande medida o curso da evolução tecnológica e da utilização que se lhe atribui (à tecnologia).

A única forma de garantir a justa e racional gestão dos recursos, satisfazendo reciprocamente as necessidades da humanidade e da capacidade de regeneração da Natureza, é a democratização do uso da Natureza, democratizando a própria gestão, sem concessões aos interesses do lucro que vêem nos recursos apenas uma fonte de lucro, uma mercadoria.

A posse do capital sobre os recursos naturais, em parte ou na totalidade, representa directamente a submissão da sua gestão às regras do mercado capitalista, onde a especulação conta tanto quanto a produção, por vezes mesmo mais. É bem conhecida a técnica desenvolvida pelo capital de fazer retenção de produto para incrementar e inflacionar preços de mercado. Ou seja, determinada porção do capital exerce posse sobre um produto na quantidade x, mas retém indisponível uma quantidade y, o que significa que apenas liberta no mercado x-y, que é uma quantidade necessariamente inferior a x, enquanto que y≤x. A dimensão da parte retida é determinada exclusivamente por quem detém a posse do produto em função do mercado e da possibilidade de lucro. A retenção de produto produz um efeito de inflação brutal no preço do produto que circula no mercado, sendo que reduz a oferta aparente, incrementando a proporção procura/oferta que, por sua vez, determina o preço de venda. Esta técnica do capital para maximização do lucro, funcionando a oferta como um conta-gotas, acaba por produzir a elitização acentuada do acesso ao produto, por via do aumento do preço.

Ora esta é apenas uma das regras do mercado capitalista que se mostra radicalmente incompatível com a gestão de recursos essenciais à vida. Mas claro que não é a única. Na verdade, a aplicação da lógica de mercado capitalista a qualquer produto redunda na sua elitização e na destruição objectiva da democracia ou no afastamento da sua concretização.

Só a posse comum dos recursos naturais, com a democratização da sua gestão, à luz das respostas que os próprios povos encontrarem e melhor ajustarem às suas condições, pode garantir um uso sustentável do meio e uma integração verdadeira do Homem e da Natureza.

Claro que o Capitalismo opõe na prática, o desenvolvimento da sua sociedade à Natureza, isolando o Homem enquanto elemento distinto naquilo a que gosta de chamar “ambiente”. A resposta necessária é a integração – que só pode ser obtida pela via do comunismo material e político, material na posse dos recursos; político na gestão da posse comum. Porque o Homem não é Ambiente, mas o Homem é Natureza.

A Luta pela Natureza

"Socialismo ou barbárie": A preservação da Natureza é portanto a preservação do Homem. A utilização da Natureza como fonte de mercadorias leva ao seu esgotamento e, com ela, o do Homem. Isto coloca-nos perante uma situação que se adivinha desde cedo que é a da opção entre “sistema e modelo de produção actual” ou “sobrevivência saudável da espécie”. 

A luta pela Natureza é a disputa que os trabalhadores e os povos devem encetar num quadro muito mais vasto. Importa clarificar junto de todos que não é possível preservar a Natureza sem construir um novo modelo de sociedade. É intrinsecamente contraditória a manutenção do modelo de produção actual e a preservação e democratização dos recursos. Porque a concentração da posse dos recursos conduzirá inevitavelmente à sua elitização no consumo e, paulatinamente, à sua destruição ou inutilização.

É urgente convocar os povos para a defesa da Natureza, dos recursos de que dispomos.
Da mesma forma que o desenvolvimento dos meios de produção influi sobre a Natureza, a utilização da Natureza influi sobre o curso do desenvolvimento das tecnologias de produção. 

Assim, o desenvolvimento científico em que residem muitas das respostas para o bom e racional uso dos recursos naturais depende em grande medida da posse dos recursos.

O desenvolvimento da ciência dará sempre resposta às necessidades e anseios da classe dominante ou, no mínimo, responderá à correlação de forças que se verifica a cada momento. 

O domínio capitalista do mercado não é condição suficiente para garantir o controlo sobre tudo aquilo que não é mercadoria. Ou seja, a posse dos meios de produção pela burguesia num determinado momento da história não significa o total controlo dessa classe sobre áreas em que não exerce posse. Claro que terá o caminho facilitado para o exercício desse domínio, mas a luta dos povos e a manutenção ou conquista da posse comum dos recursos naturais é determinante no rumo que se imprime à gestão desses recursos e, como consequência, à forma como a ciência vai buscando e apresentando soluções para os problemas da sua racional utilização e consumo.

A batalha pela preservação da Natureza trava-se diariamente, garantindo não apenas a denúncia deste ou daquele incumprimento ou desta ou daquela prática formalmente lesiva do “ambiente”, como fazem actualmente muitas associações e organizações ditas de defesa do ambiente. Mas faz-se essencialmente pela luta constante pelos direitos dos povos, nomeadamente no que toca à posse e direito à gestão da Natureza e das suas riquezas.

A posse comum, o carácter público dos recursos naturais, dá-lhes uma dimensão democrática que condiciona todo o desenvolvimento científico que se gera em torno da sua gestão. Perder ou não conquistar essa posse é permitir que o Capital determine como gere o recurso em si e, simultaneamente, como serão desenvolvidas as tecnologias de utilização do recurso.

É esta relação entre luta de classes e desenvolvimento científico com base na Natureza que não permite que ignoremos a realidade a cada instante, na esfera da táctica e na esfera da estratégia, mas também na da satisfação das necessidades do Homem hoje e não só amanhã. Os comunistas só podem ser programáticos se também forem pragmáticos e actuantes sobre a realidade. Tal como nas outras esferas da nossa intervenção, não podemos aguardar uma disputa episódica pela posse e gestão dos recursos. É no dia-a-dia que se trava uma batalha incansável que determina a cada momento o posicionamento das classes no tabuleiro da luta. Só acrescentando peso ao nosso lado da balança, somando forças atrás de forças e juntando as peças da história que é um contínuo, poderemos vencer na batalha pela construção de uma sociedade que entenda o Homem como parte da Natureza e não coloque todos os recursos naturais no plano da mercadoria.

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