A conservação das relações sociais capitalistas exige criatividade, adaptatividade, hegemonia, força. Em todas as combinações e com as proporções necessárias. A classe dominante, as suas elites, está em constante busca do aperfeiçoamento dos mecanismos de exploração, sem abandonar em momento algum o principal objectivo que é o de aumentar os lucros, suprimindo os custos de produção, entre os quais o dos recursos naturais, energia e trabalho. A aceleração da acumulação capitalista, a sua natureza crescente, a apropriação de cada vez mais riqueza por cada vez menos capitalistas, têm porém um inevitável impacto nas condições de vida dos que são espoliados e explorados para que tamanha riqueza seja produzida.
A grande burguesia, classe dominante, com apoio social numa aliança altamente instável com as camadas médias do proletariado e com a pequena burguesia, tem conseguido desenvolver o sistema capitalista e gerir os seus desequilíbrios e contradições de formas que se pensariam impossíveis há três décadas atrás. A capacidade de evolução e a criatividade da classe dominante mostrou-se superior, não apenas às forças conjunturais das classes exploradas, como à própria expectativa que os pensadores marxistas e partidos comunistas por todo o mundo tinham da resistência de um sistema que em momento algum resolveu os problemas da Humanidade. A Divisão Internacional do Trabalho, as implicações que têm na fixação das necessidades sociais, económicas e culturais de cada povo, as assimetrias que introduz no desenvolvimento económico e social de cada região do globo, veio mostrar-se um poderoso meio para assegurar durante mais tempo do que o esperado uma hegemonia capitalista nas relações de produção por todo o mundo. A Divisão Internacional do Trabalho e as suas regras impostas pela classe dominante introduziram complexidade em todo o sistema e isso também tem implicações na "hegemonia", na correlação de forças nos planos nacionais e internacionais. No entanto, apesar das inconstâncias, das flutuações, dos factores de contrariedade, as leis gerais do capitalismo permanecem válidas, tal como permanecem válidas - com cada vez maior evidência - as teses sobre a luta de classes como motor do desenvolvimento histórico da Humanidade. As contradições entre os interesses do proletariado e da burguesia não se expressam com a mesma dimensão em todos os países do mundo, mas tendem a expressar-se cada vez com mais intensidade em todos esses países.
Essa tendência, ao longo da História, já se materializou de formas diversas. Em momentos de agudização dessas contradições, agudiza-se igualmente a luta de classes. Em Portugal, 39 anos depois de Abril, as classes prejudicadas pela concentração monopolista são novamente chamadas a protagonizar a ruptura necessária, pela forma necessária. Ora, servem os dois primeiros parágrafos apenas para recolocar presente a importância do contexto nacional e internacional, bem como do momento histórico e da correlação de forças na caracterização política e na definição da táctica de classe. Tais questões não são estáticas e estão em constante desenvolvimento e mutação.
A intervenção dos comunistas na sociedade, em todos os planos, estabelece como primeira condição para a construção dos seus objectivos imediatos, o reforço da luta de massas, a ampliação da frente social de luta aos jovens, trabalhadores, pensionistas, micro, pequenos e médios empresários e pequenos agricultores. Essa condição está no entanto aliada à necessidade de assegurar em todos os momentos, "o papel hegemónico" da classe operária, mesmo em contexto de revoluções democrático-burguesas. Só a classe em ascensão, a classe mais próxima dos meios de produção, mas simultaneamente, a mais explorada e mais prejudicada pelo funcionamento do capitalismo, tem condições e razões suficientes para superar o actual estádio de desenvolvimento político. Tal não sucede porém num ambiente em que a luta de classes esteja neutralizada.
A burguesia, a grande e a pequena, com objectivos por vezes bastante divergentes, não deixam de intervir na luta de classes de todas as formas. Em momentos de intensificação da exploração, de instabilidade política e de potenciais alterações revolucionárias, as intrusões da burguesia, principalmente através da pequena-burguesia e das camadas médias - que não sendo propriamente burguesia, agem em conformidade com a matriz ideológica da burguesia - tendem a alastrar e a crescer num conjunto de movimentos. O movimento sindical de classe, o movimento associativo popular, os movimentos políticos e sociais, os partidos comunistas e operários, são "organizações" através das quais a classe operária realiza a sua luta, mas são simultaneamente palcos de disputas de classe. Claro que, de todos os movimentos, o partido comunista é, por força da sua organização e funcionamento, o que mais resistência tem e o que mais preparado está para assegurar a liderança proletária das duas acções, estratégias e programas.
Sem pretender caracterizar nenhum movimento, mas apenas contribuir para a compreensão das potencialidades do momento político actual, em Portugal, e partindo dos pressupostos colocados nos parágrafos acima, parece-me correcto afirmar:
1. A luta tende a intensificar-se perante a intensificação da ofensiva capitalista. É uma reacção natural das camadas exploradas, ainda que fortemente condicionada pelo contexto nacional e internacional, pelo desenvolvimento económico, social e cultural de cada estado. Nessa intensificação, camadas da classe operária podem acrescentar-se à luta, tal como podem as camadas médias e parte significativa da pequena-burguesia.
2. No reconhecimento da impossibilidade de contenção do descontentamento, a classe dominante contém os seus impactos. A disputa pela direcção da luta de massas faz-se em todos os movimentos, no seu interior, a partir do seu interior e do seu exterior. A pequena-burguesia tem um papel vacilante, entre a ilusão de ascensão à elite e a crescente proletarização dos seus pares. O seu papel é, não poucas vezes, instável e os seus interesses são aparentemente contraditórios com os da classe operária, enquanto que a realidade demonstra que são objectivamente contrários aos da grande burguesia.
3. A disputa pela direcção da luta de massas e pela fixação dos seus objectivos imediatos e programáticos é uma luta determinante para a superação das relações de exploração, mas também para a criação de uma política diferente já, no presente ou no futuro próximo. Ou seja, aos comunistas não importa que seja a classe operária a dirigir a luta por uma questão de amor de classe, de subjectividade, de sectarismo, de facciosismo ou qualquer espécie de luta por protagonismo inconsequente. Aos comunistas importa assegurar que seja a classe operária a deter o papel hegemónico na luta de massas enquanto expressão da luta de classes, na medida em que sem tal papel, não existirão quaisquer transformações sociais e económicas. Ou seja, não sendo a classe operária a desempenhar esse papel, mesmo num contexto de alianças sociais e objectivos comuns, não se realizarão quaisquer alterações de regime, mas apenas de gestão do mesmo que hoje vigora.
4. Tal não poderá significar que a classe operária ou a sua vanguarda pretendem isoladas ou sozinhas estabelecer os fins e os meios, os objectivos tácticos e estratégicos da luta em cada momento. Tal não poderá igualmente significar que existe uma relação de superioridade entre os que lutaram toda a vida e os que só agora lutam, por influências e condições várias. Mas essa consideração realiza-se necessariamente nos dois sentidos. As camadas que entram na luta política, na luta de massas, que são chamadas por força da degradação das suas condições materiais ou por mera consciência política e social, não podem assumir uma posição de superioridade ante os movimentos que em nenhum momento abdicaram da luta porque sempre foram confrontados com a espoliação de que só agora as camadas médias e a pequena-burguesia são alvos. Sem relação hierárquica, por motivo numérico e político, só a classe operária é reservatório de forças revolucionárias suficientes e necessárias para assegurar as transformações sociais que urgem.
5. A pequena-burguesia, através de agentes conscientes e da utilização de outros tantos que o fazem involuntariamente - mesmo de parte do proletariado - , disputa objectivamente o papel hegemónico na luta. Para tal, conta e contará com o apoio da grande burguesia, na manipulação, na exaltação da espontaneidade, na demonização das organizações de classe, na anatemização dos partidos comunistas e, quando necessário, na promoção de movimentos que, não sendo o pretendido silêncio, podem ser o que mais próximo disso está a classe dominante em condições de impor. Essa disputa é constante ao longo da história do capitalismo e assume apenas formas diferentes consoante o período histórico e a correlação de forças em causa. Momentos há em que essa disputa assume a forma de social-democratização das camadas intermédias, outros em que as radicaliza inconsequentemente. Ambas as formas concorrem para o objectivo da neutralização.
6. O alargamento da luta que se verifica em Portugal traduz-se na participação de mais camadas na população nas iniciativas do movimento sindical de classe, mais membros da classe operária e mais trabalhadores a tomar partido, mas também mais pequena-burguesia e camadas intermédias da população a abater na hierarquia social até à proletarização, mesmo que inconsciente. Em reacção, verifica-se um agravamento da ofensiva ideológica, uma maior ousadia na manipulação de massas, da educação à comunicação social e uma crescente deriva autoritária do estado ao serviço dos monopólios. Tal contexto obriga a um reforço do trabalho, a uma mais constante intervenção dos comunistas nos locais de trabalho, nas empresas, nas escolas, nas ruas, obriga especialmente a uma cada vez maior preponderância do seu papel nas frentes de luta, através da sua afirmação, não pela proclamação, mas pelo trabalho e pela real influência social e política. Esses objectivos, cumpridos que sejam, trazem à luta consequente, as camadas da população que até hoje não reconheciam na classe operária a verdadeira força motriz da História, sem que em momento algum, porém, o tenha deixado de ser.
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