Tuesday, May 07, 2013

"frentes de luta"


“A primeira grande frente da luta popular contra a ditadura foi o movimento operário.”
“A segunda grande frente de luta popular contra a ditadura foi o movimento democrático.”
“A terceira frente de luta popular contra a ditadura foi o movimento juvenil.”
“A quarta grande frente de luta popular contra a ditadura foi a das classes e camadas médias.”

In A Revolução Portuguesa – o Passado e o Futuro”, Álvaro Cunhal, 1976

A reflexão de Álvaro Cunhal vertida em 1976 no Relatório apresentado ao VIII Congresso do Partido Comunista Português traduz um valioso património teórico, aliado a uma prática e interpretação concretas, que tem nos dias que correm grande importância em dois planos:
No plano do estudo das condições políticas, sociais, culturais e económicas, bem como da compreensão da realidade portuguesa antes da Revolução de Abril e das forças que se movimentaram no sentido de possibilitar a sua realização. Igualmente nesse plano de estudo e compreensão, esta sistematização de Álvaro Cunhal, também reflecte a orientação táctica e estratégica do PCP na luta para o derrubamento do Fascismo. Ou seja, esta sistematização afirma simultaneamente uma anatomia e arquitectura da luta popular e uma concepção partidária sobre a mesma.

No plano da actualidade, reconstituídas que estão a ser muitas das características económicas, sociais e culturais, do Estado Fascista, “sugerindo novos desenvolvimentos do conceito de capitalismo monopolista de Estado”[1], esta sistematização encerra valiosos contributos para os movimentos que visam a superação da actual configuração do Estado. Na verdade, a reconstituição monopolista, latifundista e imperialista, não implicou ainda a reconstituição do Estado repressivo típico do Fascismo, mas a concentração da riqueza e a desvalorização do Trabalho e dos direitos das populações, começam a atingir proporções semelhantes e em alguns casos, mais graves, dado que estão hoje mais desenvolvidos os mecanismos financeiros que servem também para incrementar a exploração do Trabalho pelo Capital.

As “grandes frentes de luta popular” contra a ditadura foram simultaneamente a condição primeira para o sucesso do derrubamento do fascismo e para a concretização das conquistas então alcançadas. Sem um movimento operário, democrático, juvenil e das camadas intermédias da população bem estruturados e vigorosos, as transformações sociais, económicas, culturais e políticas que então o povo português protagonizou, não teriam tido lugar.

Não existindo repressão fascista, mas uma delicada e cuidada censura privada nos meios de comunicação social; não existindo tortura nem assassinato político, mas uma perseguição terrorista nos locais de trabalho; não sendo proibida a organização em partidos e associações, mas cuidadosamente legislada a forma como são obrigados todos os partidos a seguir a cartilha dominante; as condições de luta não são efectivamente as mesmas que então. Porém, não será errado retirar da história recente contributos para a compreensão da actual fase de desenvolvimento da luta de classes em Portugal. 

A contra-revolução, iniciada no dia 25 de Abril de 1974 e assumindo posição dominante nas instituições desde 1976, vem assumindo gradualmente uma posição dominante na cultura de massas (hegemonia). Não lhes foi possível – às forças da contra-revolução – assumir desde o primeiro dia as suas reais intenções e, bem pelo contrário, em muitos casos foram obrigadas a afirmar firmeza e determinação no prosseguimento de Abril, o Socialismo estava no discurso de cada uma dessas forças como forma de angariar apoio popular para o que viria a ser, como o PCP denunciara sempre, o processo de reconstituição dos privilégios dos monopólios e latifundiários que hoje amplamente se verifica, apesar de incompleto.

A situação actual, não sendo replicação do fascismo, como momento algum replica outro que o antecedeu, é um desenvolvimento de uma correlação de forças que assenta ainda, principalmente, nas instituições. A correlação de forças no plano das massas, no plano da cultura dominante, embora profundamente infectada pela doutrina burguesa, é ainda – embora instavelmente – favorável à recuperação dos valores de Abril, à política de esquerda e à recuperação da soberania nacional. Prova disso é que a classe dominante precisa ainda de pretextos diversos para impor os planos de saque organizado que tem vindo a impor aos trabalhadores, à juventude e às camadas intermédias da população. Não será possível transpor para os dias de hoje o que seria a segunda grande frente de luta popular (a do movimento democrático), na medida em que as condições e a realidade estão alteradas, mas podemos pelo menos inferir ou mesmo apenas supor que podem reagruprar-se de outra forma e com outras características, as mesmas forças que compunham esse movimento, agora na actual situação política.

As grandes movimentações de massas vão, contudo, independentemente de ser ou não possível para já uma sistematização concreta, continuar a crescer na proporção directa da ofensiva contra os direitos dos que as compõem, até à situação crítica em que a repressão capitalista seja mais forte que a capacidade de organização de cada um dos movimentos – o que pode jamais suceder. Havendo ou não uma espécie de surgimento de uma grande frente de luta contra o sequestro da democracia e da soberania nacionais, que não é especialmente definida em função de classe (como o movimento democrático), o que é importante – na minha opinião – compreender é a necessidade de afirmar a preponderância do movimento operário na luta contra a exploração do Trabalho e dos recursos nacionais. Ou seja, a migração da vanguarda da luta popular contra o Pacto de Agressão, contra a troika e a política de direita, do movimento operário para qualquer outra componente da luta popular, como muitos pretendem, gerará, não o fortalecimento da luta, mas a sua fragilização.
Se é verdade que não apenas a luta de classes influencia os nossos dias, não é menos verdade que é essa luta que está na base de todas as condições que nos influenciam. Só os principais prejudicados pelo sistema capitalista estão em condições de protagonizar a sua superação, em condições de revolucionar. Qualquer outra camada, mesmo que aliada dos trabalhadores, terá sempre interesses que se fixam aquém do objectivo supremo da liquidação do poder da burguesia e da construção do socialismo e do comunismo, com o fim da exploração do Homem pelo Homem. 

Ao fixarem-se aquém desse objectivo, ao se ficarem pelo caminho, são forças confluentes, convergentes em parte substantiva do percurso histórico que devemos percorrer – sem queimar etapas sob pena de atrasar o desenvolvimento dos meios de produção e da evolução social – mas que não poderão resolver as contradições fundamentais do sistema. Ou seja, só com a força de vanguarda dos trabalhadores será possível elevar a luta de todas as frentes ao patamar revolucionário. A substituição da vanguarda da luta, como pretendem as forças políticas do sistema (e incluo, para já, o BE), dos trabalhadores por uma espécie de “neo-burguesia liberal” representaria um retrocesso de décadas na construção das condições para a superação do momento de forma revolucionária. Mas pelo contrário, a confluência real dessas frentes de luta numa ampla frente social, dirigida e encabeçada pelos trabalhadores, poderá construir o golpe fatal ao governo de direita e até mesmo à alternância política sem alternativa que se vem verificando em Portugal. Alimentar a esperança de que é possível, sem os trabalhadores, sem a classe operária, alterar a política, é alimentar a ilusão de que o capitalismo contém em si as soluções dos seus problemas, quando na verdade, apenas contém em si a semente da sua e da nossa destruição. 


[1] Resolução Política do XIX Congresso do Partido Comunista Português

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