“A primeira grande frente da luta popular contra a ditadura
foi o movimento operário.”
“A segunda grande frente de luta popular contra a ditadura
foi o movimento democrático.”
“A terceira frente de luta popular contra a ditadura foi o
movimento juvenil.”
“A quarta grande frente de luta popular contra a ditadura
foi a das classes e camadas médias.”
In “A Revolução
Portuguesa – o Passado e o Futuro”, Álvaro Cunhal, 1976
A reflexão de Álvaro Cunhal vertida em 1976 no Relatório
apresentado ao VIII Congresso do Partido Comunista Português traduz um valioso
património teórico, aliado a uma prática e interpretação concretas, que tem nos
dias que correm grande importância em dois planos:
No plano do estudo das condições políticas, sociais,
culturais e económicas, bem como da compreensão da realidade portuguesa antes
da Revolução de Abril e das forças que se movimentaram no sentido de
possibilitar a sua realização. Igualmente nesse plano de estudo e compreensão,
esta sistematização de Álvaro Cunhal, também reflecte a orientação táctica e
estratégica do PCP na luta para o derrubamento do Fascismo. Ou seja, esta
sistematização afirma simultaneamente uma anatomia e arquitectura da luta
popular e uma concepção partidária sobre a mesma.
No plano da actualidade, reconstituídas que estão a ser
muitas das características económicas, sociais e culturais, do Estado Fascista,
“sugerindo novos desenvolvimentos do conceito de capitalismo monopolista de
Estado”[1],
esta sistematização encerra valiosos contributos para os movimentos que visam a
superação da actual configuração do Estado. Na verdade, a reconstituição
monopolista, latifundista e imperialista, não implicou ainda a reconstituição
do Estado repressivo típico do Fascismo, mas a concentração da riqueza e a desvalorização
do Trabalho e dos direitos das populações, começam a atingir proporções
semelhantes e em alguns casos, mais graves, dado que estão hoje mais
desenvolvidos os mecanismos financeiros que servem também para incrementar a exploração
do Trabalho pelo Capital.
As “grandes frentes de luta popular” contra a ditadura foram
simultaneamente a condição primeira para o sucesso do derrubamento do fascismo e
para a concretização das conquistas então alcançadas. Sem um movimento
operário, democrático, juvenil e das camadas intermédias da população bem
estruturados e vigorosos, as transformações sociais, económicas, culturais e
políticas que então o povo português protagonizou, não teriam tido lugar.
Não existindo repressão fascista, mas uma delicada e cuidada
censura privada nos meios de comunicação social; não existindo tortura nem
assassinato político, mas uma perseguição terrorista nos locais de trabalho;
não sendo proibida a organização em partidos e associações, mas cuidadosamente
legislada a forma como são obrigados todos os partidos a seguir a cartilha
dominante; as condições de luta não são efectivamente as mesmas que então.
Porém, não será errado retirar da história recente contributos para a compreensão
da actual fase de desenvolvimento da luta de classes em Portugal.
A
contra-revolução, iniciada no dia 25 de Abril de 1974 e assumindo posição
dominante nas instituições desde 1976, vem assumindo gradualmente uma posição
dominante na cultura de massas (hegemonia). Não lhes foi possível – às forças
da contra-revolução – assumir desde o primeiro dia as suas reais intenções e,
bem pelo contrário, em muitos casos foram obrigadas a afirmar firmeza e
determinação no prosseguimento de Abril, o Socialismo estava no discurso de
cada uma dessas forças como forma de angariar apoio popular para o que viria a
ser, como o PCP denunciara sempre, o processo de reconstituição dos privilégios
dos monopólios e latifundiários que hoje amplamente se verifica, apesar de
incompleto.
A situação actual, não sendo replicação do fascismo, como
momento algum replica outro que o antecedeu, é um desenvolvimento de uma
correlação de forças que assenta ainda, principalmente, nas instituições. A
correlação de forças no plano das massas, no plano da cultura dominante, embora
profundamente infectada pela doutrina burguesa, é ainda – embora instavelmente –
favorável à recuperação dos valores de Abril, à política de esquerda e à
recuperação da soberania nacional. Prova disso é que a classe dominante precisa
ainda de pretextos diversos para impor os planos de saque organizado que tem
vindo a impor aos trabalhadores, à juventude e às camadas intermédias da
população. Não será possível transpor para os dias de hoje o que seria a
segunda grande frente de luta popular (a do movimento democrático), na medida
em que as condições e a realidade estão alteradas, mas podemos pelo menos inferir ou mesmo apenas supor que podem reagruprar-se de outra forma e com outras características, as mesmas forças que compunham esse movimento, agora na actual situação política.
As grandes movimentações de massas vão, contudo,
independentemente de ser ou não possível para já uma sistematização concreta,
continuar a crescer na proporção directa da ofensiva contra os direitos dos que
as compõem, até à situação crítica em que a repressão capitalista seja mais
forte que a capacidade de organização de cada um dos movimentos – o que pode
jamais suceder. Havendo ou não uma espécie de surgimento de uma grande frente
de luta contra o sequestro da democracia e da soberania nacionais, que não é
especialmente definida em função de classe (como o movimento democrático), o
que é importante – na minha opinião – compreender é a necessidade de afirmar a
preponderância do movimento operário na luta contra a exploração do Trabalho e
dos recursos nacionais. Ou seja, a migração da vanguarda da luta popular contra
o Pacto de Agressão, contra a troika e a política de direita, do movimento
operário para qualquer outra componente da luta popular, como muitos pretendem,
gerará, não o fortalecimento da luta, mas a sua fragilização.
Se é verdade que não apenas a luta de classes influencia os
nossos dias, não é menos verdade que é essa luta que está na base de todas as
condições que nos influenciam. Só os principais prejudicados pelo sistema
capitalista estão em condições de protagonizar a sua superação, em condições de
revolucionar. Qualquer outra camada, mesmo que aliada dos trabalhadores, terá
sempre interesses que se fixam aquém do objectivo supremo da liquidação do
poder da burguesia e da construção do socialismo e do comunismo, com o fim da
exploração do Homem pelo Homem.
Ao fixarem-se aquém desse objectivo, ao se
ficarem pelo caminho, são forças confluentes, convergentes em parte substantiva
do percurso histórico que devemos percorrer – sem queimar etapas sob pena de
atrasar o desenvolvimento dos meios de produção e da evolução social – mas que
não poderão resolver as contradições fundamentais do sistema. Ou seja, só com a
força de vanguarda dos trabalhadores será possível elevar a luta de todas as
frentes ao patamar revolucionário. A substituição da vanguarda da luta, como
pretendem as forças políticas do sistema (e incluo, para já, o BE), dos
trabalhadores por uma espécie de “neo-burguesia liberal” representaria um retrocesso
de décadas na construção das condições para a superação do momento de forma
revolucionária. Mas pelo contrário, a confluência real dessas frentes de luta numa ampla frente social, dirigida e encabeçada pelos trabalhadores, poderá construir o golpe fatal ao governo de direita e até mesmo à alternância política sem alternativa que se vem verificando em Portugal. Alimentar a esperança de que é possível, sem os trabalhadores,
sem a classe operária, alterar a política, é alimentar a ilusão de que o
capitalismo contém em si as soluções dos seus problemas, quando na verdade,
apenas contém em si a semente da sua e da nossa destruição.
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