Friday, February 15, 2008

Saudação e acusação


Centenas de estudantes, professores, pais e amigos dos Conservatórios, do Gregoriano de Lisboa e do Ensino Público Especializado da Música deram hoje um exemplo que o Governo não esperava. À medida que o Ministério da Educação, cumprindo o seu papel de atrofiamento e desmantelamento do Sistema Público de Ensino, ia planificando a morte dos conservatórios e anunciando que pais, alunos e professores apoiavam a sua política, eis que a música sai à rua numa manifestação que foi um concerto de luta

De rostos, cordas, sopros e vozes bem firmes e levantados, todos e de todo o país deixaram claro que o Governo não terá ao caminho livre para a destruição do Ensino Artístico. Não terá caminho livre para a privatização da formação artística dos cidadãos.

Ary dos Santos e Fernando Lopes-Graça cumpriram uma vez mais o seu papel de comunistas e revolucionários – estar ao lado daqueles que lutam - poesia de combate e música resistente abraçaram fraternal e solidariamente o canto dos homens, mulheres e jovens que ali anunciavam: “Não passam mais!”

E toda a minha prosa findaria aqui, não fosse esta luta ter uma vez mais evidenciado a injustiça gritante que diariamente se vai cimentando pela calada, com a cumplidade de uns, o aproveitamento de outros e a conveniência de um sistema capitalista que não assume que os seus dias estão prestes a passar. Porque é exactamente o capitalismo enqunato sistema de organização que determina que aos estados não cabe formar integralmente os homens e as mulheres. Que, aliás, esse papel não cabe a ninguém porque para esse sistema o próprio conhecimento é valiosa mercadoria, apta a transaccionar, vender e comprar.

Que injustiça é essa, então? Que por conveniência sistémica do capital, por cumplicidade dos partidos da burguesia e da comunicação social acaba aproveitando a alguém?

Uma pequena estória e tudo, julgo, se tornará claro: há cerca de dois anos atrás, a Assembleia da República organizou um concerto e jantar com o Instituto Gregoriano de Lisboa. Os deputados da ilustre casa ficaram de se juntar aos alunos que empenharam algumas das suas horas preparando o bonito concerto e as conversas diplomáticas para o jantar. Dois deputados do Partido Comunista Português assistem ao concerto e juntam-se ao jantar para acolher com o merecido respeito aqueles professores e alunos que nos haviam presenteado belos momentos de canto gregoriano e órgão.

Espantam-se um pouco os deputados comunistas ao verificar que nenhum outro grupo parlamentar se tenha dado sequer ao trabalho de saudar os jovens cantores e companheiro organista. Ainda assim, cumpririam o seu papel de revolucionários e juntar-se-iam em representação do seu Partido aos artistas em formação, importantes alavancas do desenvolvimento cultural do país. E além de agradável companhia ao jantar no restaurante do Edifício Novo da Assembleia da República, tiveram a oportunidade de explicar as suas posições em relação a muitas coisas perguntadas com sincero interesse e algum debate à mistura. Tiveram assim a oportunidade de conhecer melhor o Instituto Gregoriano de Lisboa, o seu carácter público, o seu papel no estudo, investigação e formação em Gregoriano, bem como a oportunidade de ouvir em primeira mão as preocupações dos estudantes e professores com uma tal anunciada “refundação do Ensino Artístico” que poria, segundo os próprios, fim à sua escola e à sua formação enquanto músicos, parte integrante da sua formação enquanto seres humanos, porque quando vivemos com a arte, não podemos mais separarmo-nos dela.

Nos dias imediatamente seguintes, o Grupo Parlamentar do PCP entrega na Assembleia da República um requerimento ao governo em que faz chegar todas essas preocupações. Insistentemente durante dois anos colocou em todas as possibilidades de confronto com a Ministra da Educação as questões relativas ao Ensino Artístico, obtendo sempre o silêncio ou a mentira como respostas.

Em Abril de 2006, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta à Assembleia da República um Projecto de Resolução (nº17/2006) que viria a ser aprovado por unanimidade e que estabelecia a passagem aos quadros dos professores contratados de técnicas especiais, para fazer frente à precariedade que os professores do ensino especializado das artes vinham a ser alvo desde há mais de dez anos. Essa resolução, convém dizer, está ainda hoje por cumprir por parte deste governo que tão rapidamente satisfaz outros interesses desde que avultados lucros para os privados se avizinhem.

Durante o mês de Outubro de 2007, o Grupo Parlamentar do PCP deslocou-se em visita oficial, através dos mesmos dois deputados comunistas, ao Instituto Gregoriano de Lisboa e à Escola de Música do Conservatório Nacional, poucos dias depois de ter recebido com gosto na Assembleia da República a Direcção dessa escola.

No decorrer da discussão do Orçamento do Estado para o ano de 2008, o Grupo Parlamentar do PCP propôs a consideração de uma verba de um milhão de euros para uma intervenção urgente no edifício da Rua dos Caetanos onde funciona o Conservatório em Lisboa, que foi liminarmente rejeitada pelo PS, PSD e CDS-PP.
Duas semanas antes deste problema ser nota dominante na Comunicação Social, o PCP apresenta na Comissão de Educação e Ciência a proposta da introdução de uma visita ao Gregoriano de Lisboa e ao Conservatório de Lisboa no calendário da comissão para que todos pudessem observar como se ensina música em Portugal e como o estado se tem demitido de ajudar as escolas, deixando os seus edifícios a cair.

Na última semana, o PCP propõe a vinda do coordenador do Grupo de Trabalho para a Reestruturação do Ensino Artístico à Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República, ao mesmo tempo que o Bloco de Esquerda propõe a vinda da Ministra da Educação. Relembro que durante esta semana tem havido insistentes contestações públicas dos conservatórios e dos agentes educativos e que têm merecido significativa cobertura mediática. Curioso como dois anos depois de o problema surgir, de a Ministra meter inexplicavelmente na gaveta a Revisão Curricular do Ensino Artístico, de ter anunciado pela calada o fim do supletivo, o Bloco aparece como paladino do ensino artístico, certamente para não defraudar parte significativa do seu público alvo. Ainda assim, podia ao menos ter feito o trabalho, ao invés de aparecer à última da hora para fazer figura e colher os louros que a comunicação social rapidamente se aprontou a entregar-lhe.

No dia 14 de Fevereiro, já em plena ebulição mediática, ambos os partidos – PCP e BE – utilizam o período de declarações políticas na Assembleia da República para trazer esse assunto àquele órgão de soberania – que mais é órgão do nosso encavanço que outra coisa, digo eu em desabafo.
Importante será também dizer que logo no arranque desta sessão legislativa o PCP utilizou um agendamento potestativo na Comissão de Educação e Ciência para trazer a Ministra ao debate também sobre Ensino Artístico e o Bloco nem se dignou a estar presente. O Bloco de Esquerda anuncia agora, só agora, um potestativo para a vinda da Ministra e aí está em directo em todos os canais, alto e bom som nas rádios da nossa praça e nos jornais da nossa desgraça.
Todos os jornais, televisões e rádios mostraram o bloco de esquerda liderando o processo parlamentar. A maior parte, aliás, não só diminuiu como obliterou por completo a intervenção do PCP.

A pequena estória termina aí mesmo.

A propósito deste assunto, aproveito para meter outro de semelhanças notáveis. É comum verificar-se que existe um esforço notório da comunicação social e do próprio bloco de esquerda para associar a imagem desse partido à juventude. No entanto, facilmente verificaremos que o BE tem uma visão meramente instrumental da Juventude. Em campanha, os jovens são importante pilar do seu discurso. Louçã chega mesmo a tentar misturar-se entre essa espécie de gente miúda para colher uns sorrisos e uns votos pelo caminho. É caso para estarmos atentos ao papel desse partido na sua vida fora do período eleitoral. Ficam duas notas: o PCP apresentou há mais de dois anos um Projecto de Lei sobre Incentivo ao Arrendamento por Jovens, denunciando também a campanha contra esse incentivo que o governo promovia já na altura. Mesmo em 2005, o PCP propõe o aumento da verba no Orçamento do Estado para esse apoio aos jovens e em 2006 denuncia a diminuição em 50% do dinheiro disponível. O tal de BE manteve-se sempre calado. Quando o Porta 65 Jovem rebentou nos jornais e nos bolsos dos jovens, lá estava o BE cavalgando risonho a onda do descontentamento, montado nas cavalitas da comunicação social, principalmente da SIC. Fica também a nota de que, durante a lesgislatura presente, o BE nunca sequer teve o cuidado de ir à Comissão de Educação e Ciência ouvir a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, nem tampouco alguma vez se deslocou a essas reuniões para falar ou ouvir falar de Juventude. Pena é que essa sistemática e displicente ausência não tenha um milionésimo da cobertura mediática da sua esporádica e oportunista presença.

2 comments:

Fernando Samuel said...

É também por tudo isso que dizemos, dizendo a verdade, que o PCP é um partido diferente dos que são todos iguais.

Um abraço.

Anonymous said...

E é também isso que nos dá força, mesmo quando nos revolta desta maneira. A força de sabermos que é por dizermos a verdade, por conhecermos a fundo os problemas e propormos intransigentemente soluções viáveis, baseadas nesse conhecimento e numa reflexão bem alicerçada na teoria, que o capital tem necessidade de promover estas coisitas que para aí andam a fingir irreverência. A nós compete-nos continuar a dizer a verdade e usar de todos os meios que ainda temos disponíveis para a fazer chegar longe. Um abraço e muita força!