A educação em Portugal está a ser substituída pela formação profissional.
As necessidades do capital são evolutivas, tal como o próprio sistema capitalita e as suas formas, na medida do desenvolvimento dos meios de produção. A actual fase demonstra-nos cada vez mais claramente como as necessidades do capitalismo são diametralmente opostas às das populações. É certamente pacífico afirmar que o grau e a velocidade de desenvolvimento das sociedades, é tanto maior quanto maior for a massificação do conhecimento.
Por todos os motivos humanistas, mas também pelo simples facto de que: quanto mais seres humanos detiverem as ferramentas mentais e filosóficas de análise da realidade, mais problemas a humanidade no seu conjunto será capaz de resolver e, consequentemente, mais rápido e amplo será o seu desenvolvimento comum.
Ora, no entanto, para o capitalismo e para a classe que sob esse sistema domina as restantes, o desenvolvimento colectivo deve ser orientado em cada instante, não de acordo com o seu potencial absoluto, mas de acordo com o seu potencial relativo, sendo esse potencial relativo determinado pela possibilidade de gerar lucro e reforçar a hegemonia capitalista.
Ou seja, o potencial absoluto da Humanidade é, não só muito mais vasto e profundo que o seu potencial sob o capitalismo, como é, em essência, diferente. O sistema capitalista limita, portanto, o desenvolvimento dos meios de produção, tal como o associado desenvolvimento social e cultural, à capacidade de deles extrair mais lucro e mais poder económico e político. A disseminação científica, a democratização da tecnologia e a elevação do grau cultural dos colectivos é, portanto, controlada muito próxima e cuidadamente pela classe dominante, permitindo o seu alastramento e concretização apenas no quadro das necessidades da maximização do lucro.
O impacto da resistência popular organizada, ou os impactos da luta revolucionária são representados pontualmente por pequenos avanços da classe dominada no acesso ao conhecimento e à educação, rapidamente esmagados pela reacção burguesa assim que tem essa oportunidade (a massificação e democratização do ensino em Portugal através da construção de uma Escola Pública, Democrática, Gratuita e de Qualidade, após o 25 de Abril, foram passos importantíssimos para o progresso social e económico que não tardaram a ser atacados pelos governos de direita, por exemplo).
A actual fase em que se encontram os mercados capitalistas é caracterizada no plano internacional também por uma forte concorrência e competitividade, que sacrifica todos os direitos e impõe como regras sociais as regras do mercado. O desenvolvimento rápido e acelerado dos meios de produção exige adaptações nos métodos de epxloração da mão-de-obra, independentemente do aumento ou da regressão da taxa de exploração, e essas adaptações têm fortes implicações no grau de conhecimentos e competências dos trabalhadores. A “estratégia de lisboa” e o próprio “processo de bolonha” assumem como pilares fundamentais do desenvolvimento económico e da competitividade do espaço europeu a qualificação das massas. Em que medida o fazem?
Com o mercado a necessitar cada vez de uma mão-de-obra mais preparada, com os grandes grupos económicos a necessitarem de se libertar dos gastos associados à formação profissional dos seus trabalhadores e com o desejo de acolherem entre as suas fileiras de trabalho, os trabalhadores em idade cada vez mais jovem (por motivos de produtividade, de flexibilidade, de instabilidade e de maior facilidade de exploração), exige-se aos Estados que substituam o capital nesse esforço de formação profissional.
A educação de massas ganha assim uma componente cada vez mais volumosa e mais abrangente de formação profissional, baseada não na transmissão e captação de conhecimento, mas essencialmente na aquisição de competências. O que importa, claro está, é que o jovem esteja capaz de integrar as fileiras da exploração ou o exército industrial de reserva com o máximo de competências adquiridas e o mínimo de cultura científica e de saber. A formação da cultura integral do indivíduo é uma vez mais a pedra de toque da educação para a emancipação ou da formação para a exploração.
Em Portugal vamos assistindo a uma conversão à escala nacional do sistema educativo num sistema de acreditação e atribuição de competências profissionais, de banda estreita e assente numa alfabetização elementar das massas. A Escola de Abril, democrática e orientada para a diluição e eliminação das assimetrias de classe, é transformada numa escola de massas que visa apenas reproduzir ou agravar as injustiças e assimetrias geradas na origem do sistema de exploração capitalista.
Os filhos das camadas trabalhadoras da população ingressam no sistema escolar, tendo um acesso directo a uma educação elementar baseada na tabuada e capacidade formal de juntar letras, indo depois para a linha de formação profissional onde aprendem, não um ofício criativo, mas um conjunto de comportamentos seriados e padronizados à medida das empresas que financiam e patrocinam as escolas e os próprios currículos e cursos (com gastos incomapravelmente inferiores aos que despendem na sua formação própria).
O jovem adquire as competências de que o mercado necessita, ainda que por pouco tempo, e não as competências e conhecimentos de que ele próprio e o colectivo necessitariam. Tendo em conta que as necessidades do chamado “mercado de trabalho” são fortemente oscilantes e efémeras, as características formativas do operariado ideal são também variáveis. Além disso, o mercado quer absorver essencialmente os trabalhadores jovens, com recurso a contratação precária, facilmente descartada e substituída. Isso significa que a concepção de que a formação profissional é, em si mesma, a chave para o sucesso e para a “empregabilidade” no mercado de trabalho capitalista é uma ilusão e um logro.
As escolas portuguesas estão a ser convertidas em ante-câmaras do Trabalho assalariado, com a agravante que disponibilizam jovens estudantes para o mundo do trabalho sem qualquer remuneração. Ou seja, as empresas, as grandes empresas, usufruem de dupla vantagem parasitando o sistema público de ensino. Por um lado, poupam significativas somas ao não investir isoladamente na formação profissional; por outro, utilizam sem pagamento e qualquer responsabilidade social, os estudantes como trabalhadores em formação. E os estudantes são forçados a agradecer e levados a crer que este é o melhor dos mundos, porque ingressaram no mundo do trabalho.
O estágio profissional de âmbito curricular no ensino secundário (ensino profissional) é assim, não só uma forma de formação profissional, como uma forma de exploração total do trabalho alheio. Depois deste percurso básico, o estudante converte-se directamente em assalariado ou desempregado, sendo que, com esforço pode ingressar no ensino superior para cumprir o primeiro ciclo de bolonha e assim subir um degrau na escala salarial, permanecendo no entanto, à mercê dos desígnios e caprichos do “mercado de trabalho”.
Os filhos das camadas mais ricas da população, particularmente dos yuppies e da burguesia, têm, esses sim, acesso a uma Escola cada vez mais insular. Uma Escola que, sendo pública ou privada, é reservada para as elites nacionais, escolhendo os seus alunos com base numa triagem social e académica, encaminhando-os para o prosseguimento de estudos no sentido do ensino universitário.
A educação não é só formação. É urgente desmascarar a propaganda política do Governo quando afirma que está a abrir as portas da educação a todos, que está a trazer os jovens para as escolas, que está a combater o abandono e o insucesso escolares. É preciso denunciar que as estatísticas de escolaridade, de abandono e de insucesso, não terão o mesmo significado agora que tinham antes.
Uma forte percentagem da população acreditada para o trabalho, detentora das mais variadas habilitações (jogador de futebol, ajudante de pedreiro, ajudante de cozinheiro, técnico especializado em linhas de montagem, técnico de informática, cabeleireiro, e por aí fora) não quererá dizer mais do que isto: negámos a esses o direito a aprender, mas demos-lhes a obrigação de permanecer explorados.
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4 comments:
Mais uma reflexão fora de série. Fizeste uma análise fantástica da realidade. Cabe-nos a nós desmascarar, apontar o dedo, e sempre, claro, lutar contra este estado de coisas. Mas isto vai, camarada. Porque a falência do sistema capitalista, com esta configuração de "crise", pode ter um impacto profundo nas massas. Ninguém aguenta ser espezinhado por muito tempo...
bjs
Excelente reflexão rev elando que tudo o que é sabido por alguns e vivido por (quase) todos nunca está suficientemente explicado. Até a nós próprios, os que fazemos um esforço contínuo de explicar (-se e aos outros).
Obrigado pelo contributo, a que sou especialmente permeável pois, como sabes, andei por essas áreas do emprego e da formação profissional, e muito me dediquei às questões dos "recursos humanos", contributo particularmente importante neste tempo em que a vertente ideológica da luta de classes é decisiva.
Grande abraço
Gostei deste texto revolucionário. É melhor do que ler as más ou medíocres análises que saiem diariamente no Orgão Central da Sonae ou da Lusomundo. São artigos como estes que nos fazem pensar e evoluir. É pena que o pensamento da maioria seja formado por esses jornais medíocres e que essa mesma maioria aceite as más políticas para a educação; que aceite o aumento exagerado das propinas na Universidade de Coimbra, por exemplo. Acredito que as boas reflexões despertam bons sentimentos e creio que este texto é um bom motivo para estarmos atentos e não deixarmos de avisar todos aqueles que precisam urgentemente de ser acordados. (miguelbotelho77@gmail.com)
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