Thursday, May 09, 2013

Sobre o oportunismo da proposta de legalização do consumo de drogas


Quando falamos do consumo de substâncias entorpecedoras, psicotrópicas, que podem afectar de uma forma ou de outra, a saúde psíquica e física do indivíduo e a sua vivência social, a abordagem que me parece mais correcta é a da avaliação de qual será a tendência mais desejável pelo colectivo: incrementar o consumo ou diminui-lo.

A própria política da Holanda, em site de cujo governo se lê:

The Netherlands’ drug problem has changed substantially in recent years. There are now more hazardous substances on the market, and it is clear that drug use is leading to problems among young people, in particular. The government wants to tackle the nuisance and crime associated with drugs and make young people aware of the consequences of drug use.

“O problema da droga na Holanda mudou substancialmente nos últimos anos. Há agora mais substâncias perigosas no mercado, e é claro que o uso de drogas está a gerar problemas entre os jovens, em particular. O governo quer atacar os problemas e o crime associados às drogas e fazer com que os jovens tenham consciência das consequências do uso de drogas.”

Julgo que o mais acertado será definir como objectivo que todas as medidas políticas e legislativas tomadas convirjam para a segunda opção: diminuir o consumo. Ou seja, mesmo uma eventual política de legalização deve apenas ser utilizada, não como um prémio ao consumo ou como o reconhecimento de um direito, mas como um instrumento de combate ao consumo e ao tráfico. O direito individual ao consumo não deve sobrepor-se ao direito colectivo à saúde e ao bem-estar.

Parece-me legítimo considerar mais evoluída uma sociedade que não enferme de toxicodependências, composta por indivíduos que encontrem no desporto, na cultura, na arte, na participação, no trabalho, no convívio, os elementos suficientes para o seu bem-estar, sem necessidade de recurso ao consumo e ao alheamento. Embora aceite que existe – porque conheço – uso responsável de drogas ou substâncias nocivas, também aceito que isso se resume a grupo social de elite, para quem nunca falta o acesso à cultura, à educação, à saúde e à informação e julgo que é, do que conheço, justo afirmar que a generalidade do consumo de drogas, sejam chamadas “leves” ou “duras” é caracterizado por constituir um profundo mecanismo de alienação de massas e de entorpecimento individual e social.

 A consideração do direito individual dos grupos esclarecidos acima do direito das camadas mais empobrecidas a serem protegidas pelo Estado dos consumos que lhes são prejudiciais constitui uma perversão da hierarquia dos direitos. Os mesmos que hoje dizem que existe informação suficiente para um consumo responsável e limitado de estupefacientes, são os que não aceitavam esse argumento contra o aborto (e bem!). Ou seja, quando os quadrantes mais conservadores diziam que só aborta quem quer e que só engravida quem quer, os oportunistas de esquerda como o BE não aceitavam esse argumento.

Curiosamente, usam-no agora para defender a legalização da cannabis para uso individual. A aplicação do mesmo princípio: da inexistência de meios de protecção e de informação suficientes e da assimetria no acesso aos recursos pelas diferentes camadas da população força a seguinte conclusão coerente: despenalizar. Curiosamente, a informação disponível sobre métodos contraceptivos e sobre a gravidez é bem superior à informação que existe sobre o consumo de substâncias estupefacientes. O oportunismo é isto mesmo: abdicar de princípios em função de um objectivo.

O consumo de droga em Portugal não é criminalizado, por proposta do PCP, e não devia ser penalizado. Todavia, legalizar um comércio de substâncias cujas implicações na saúde do indivíduo e na saúde pública são nefastas independentemente da quantidade consumida, concorre para estimular o comércio, o tráfico (legal e ilegal) e o consumo.

O que os jovens a quem é negada a cultura, o desporto, a educação, o convívio, o descanso e o lazer precisam do Estado, não é que os autorize a consumir droga ou mesmo álcool, mas sim que lhes assegure o direito a todas essas expressões da vida e que os proteja da doença, como o é a toxicodependência.

O PCP defende o fim das multas, o fim da penalização, tal como defendeu o fim da criminalização. Ou seja, uma doença não pode ser criminalizada tal como não pode ser penalizada. A chamada “legalização” consiste no surgimento de um mercado legal e no alastramento do ilegal. A proposta de “produção caseira” sem fins lucrativos que foi apresentada na assembleia cria um regime de consumo de drogas de permissividade bem além daquele que é aplicado ao álcool. Apesar de ser um projecto de lei bem construído e bem pensado, o projecto de lei do BE não abandona a perspectiva da supremacia dos direitos individuais sobre os direitos colectivos e não concebe a desigualdade brutal que existe no território português. Particularmente numa altura de crise económica e social, em que milhares de jovens são empurrados para o desemprego, para a falta de ocupação de tempos livres, para o desespero, exige-se que a política de drogas seja tudo menos aventureira, tudo menos arriscada.

Tomar um passo, como o da legalização das drogas, mesmo que através dos chamados “clubes sociais” exigirá, a ser realizado, uma sociedade livre, integralmente democrática e integralmente realizada, sem clivagens sociais e culturais e bastante desenvolvida. Estou convencido de que, quando esse dia chegar, ninguém quererá consumir drogas, mas só aí julgo que o Estado poderia abrir essa porta e, mesmo nesse contexto, com constante presença na salvaguarda da saúde individual e colectiva dos que consomem e dos que os rodeiam. Consumir é uma forma de fugir e eu luto por uma sociedade em que ninguém precise fugir. A dependência não é uma opção como alguns cultivam, mas sim uma doença gerada pelos problemas do dia-a-dia, mentais, físicos, culturais, económicos ou sociais. Escusado será dizer que Portugal, tal como outros países, estão longe de tal grau de desenvolvimento e estão mesmo em pleno processo de retrocesso civilizacional.

Para desfazer equívocos:
“Marijuana and hashish are less harmful to health than hard drugs like ecstasy and cocaine, but they are just as illegal. This means that trafficking, selling, producing and possessing any drugs in the Netherlands is a criminal offence.
The Netherlands pursues a policy of toleration. This means that, though possessing and selling soft drugs are misdemeanours, prosecutions are usually not brought.”
“A marijuana e o haxixe são menos lesivos para a saúde do que as drogas duras como o ecstasy e a cocaína, mas são igualmente ilegais. Isto significa que traficar, vender, produzir ou possui drogas na Holanda é crime.
A Holanda prossegue uma política de tolerância. Isto significa que, apesar de possuir ou vender drogas leves serem ilícitos, não são habitualmente alvo de acusações.”
Ora, aquilo que existe em Portugal é um regime igualmente tolerante para o consumo - descriminalizante - e devia ser mesmo despenalizado, como o PCP propõe. A solução da legalização era dar um salto maior do que o da Holanda que ainda vai na despenalização do consumo e da venda, com sérias reservas quanto aos resultados.

4 comments:

Miguel Caetano said...

O que é questionável neste contexto é esta frase: "O direito individual ao consumo não deve sobrepor-se ao direito colectivo à saúde e ao bem-estar."

Para além da posição do PCP não referir os inúmeros benefícios da cannabis para a saúde (a nível de doentes de Parkinson e com cancro), - Ver http://www.naturalnews.com/033967_THC_brain_tumors.html

http://boingboing.net/2012/07/17/too-high-to-fail-cannabis-and.html

http://news.bbc.co.uk/2/hi/health/6338173.stm

http://www.dailymail.co.uk/news/article-1361989/Cannabis-farmers-market-Pot-plants-hash-cakes-jars-marijuana-Seattle.html

http://wiki.answers.com/Q/Does_marijuana_help_with_Parkinsons_Disease

-
...ainda se dá ao paternalismo de achar que sabe melhor que os cidadãos aquilo que é melhor para eles. Isso tresanda a paternalismo rançoso :-/

Miguel Caetano said...

Para além da posição do PCP não referir os inúmeros benefícios da cannabis para a saúde (a nível de doentes de Parkinson e com cancro),

-

Ver:

http://www.naturalnews.com/033967_THC_brain_tumors.html

http://boingboing.net/2012/07/17/too-high-to-fail-cannabis-and.html

http://news.bbc.co.uk/2/hi/health/6338173.stm

http://www.dailymail.co.uk/news/article-1361989/Cannabis-farmers-market-Pot-plants-hash-cakes-jars-marijuana-Seattle.html

http://wiki.answers.com/Q/Does_marijuana_help_with_Parkinsons_Disease

-
...ainda se dá ao paternalismo de achar que sabe melhor que os cidadãos aquilo que é melhor para eles próprios. Isso infelizmente tresanda a paternalismo rançoso :-/

Eu por mim falo, que nunca na minha vida consumi qualquer tipo de substâncias ilegais e nem sequer fumo. Hoje em dia apenas bebo vinho uma ou duas vezes por semana

JOSÉ LUIZ FERREIRA said...

Oponho-me por princípio à ideia de proteger as pessoas contra si próprias. E oponho-me racionalmente à ideia de determinar aleatoriamente que umas drogas devem ser proibidas e outras permitidas sem que se tenha avaliado e comparado previamente os malefícios dumas e doutras para o indivíduo e para a sociedade.

Há ainda muito que estudar, mas uma coisa parece ser, para já, pacífica: é que a cannabis traz muito menos malefícios, sejam eles individuais ou sociais, do que muitas outras drogas - com especial destaque para o álcool.

Não proponho a proibição da produção, comercialização ou consumo de bebidas alcoólicas por uma razão que hoje é pacífica: da proibição resultam males maiores do que da liberalização.

A guerra contra as drogas está perdida. Nunca houve sociedade nenhuma em que as pessoas não usassem drogas para fugir ao "princípio da realidade" que a vida em comum inevitavelmente impõe. A ideia duma sociedade futura em que as pessoas não queiram usar drogas é simplesmente utópica: teria que ser uma sociedade em que tivesse sido abolido o sofrimento psicológico.

Acresce que as pessoas aprenderam a criar rapidamente novas drogas sintéticas - mal estudadas e potencialmente mais perigosas do que as anteriores - à medida que as existentes vão sendo proibidas. Veja o que aconteceu ainda agora em Portugal com as "smart shops": a autoridade pública proibiu umas centenas de drogas mas as lojas logo puseram outras à disposição.

As leis não podem ir contra a natureza humana. Se a liberalização da cannabis contribuir para a diminuição do consumo de outras drogas - do álcool às "designer drugs", passando pelos ansiolíticos e pelos anti-depressivos - o saldo final será positivo. E pode contribuir, porque o que as pessoas procuram nas drogas, e hão-de sempre procurar, é um escape a condições de vida que não toleram.

Francisco said...

Você, com todo o respeito, precisa de fumar um canhão para abrir a mente :)