Cerca de 200 anos de consolidação prática de um dos ideais mais predatórios da história da humanidade, fizeram também dele, um edifício social e orgânico permanentemente mutável e adaptável, deram-lhe capacidades de inteligência até hoje imbatíveis, mas não lhe retiraram o carácter autofágico e suicida que lhe é inerente e indissociável.
O capitalismo, tal como o conhecemos agora e mesmo nesta sua expressão imperialista, tem longa prática, longos anos de experiência, absorvendo na maioria das situações as maiores criações da humanidade para a satisfação das necessidades desse sistema, colocando a ciência e a economia ao serviço da sua sustentação e, sempre que possível, do seu próprio avanço político e estratégico.
A ofensiva ideológica é de tal forma brutal que a propaganda atinge graus de requinte nunca antes vistos. Num momento histórico em que, supostamente, a humanidade no geral devia estar mais capaz de analisar o meio, de interpretar a realidade e as formas de agir sobre ela, o capitalismo utiliza os mecanismos mais contraditórios de propaganda, assentes em raciocínios deveras elementares, mas ainda assim, muitas vezes praticamente indecifráveis. Os sinais são-nos dados diariamente, a cada segundo, em cada noticiário, em cada aula na escola, em cada dia de trabalho, em cada jornal. Mas tudo se torna bastante mais grave quando o capital detém inteiramente as forças governantes. Claro que isso acontece praticamente desde que existe capitalismo. Rapidamente o capital entendeu que, mesmo o parlamentarismo e as democracias representativas o podiam servir na perfeição, quem sabe, melhor até que uma assumida ditadura. A ilusão é a mais poderosa arma do capitalismo e do patronato. Numa altura em que a repressão não pode atingir os contornos que já atingiu – o que não quer dizer que não torne o capital a utilizá-la de forma massificada, caso entenda que é esse o recurso que mais o serve num futuro – o capital desenvolve novas formas de opressão.
A ofensiva ideológica que presenciamos actualmente é global e, obviamente, toma expressões diversas. Mas uma das suas formas mais preocupantes é a manipulação directa do raciocínio do indivíduo e dos colectivos, por via, quer de um controlo dos conteúdos educacionais, quer do recurso constante aos instrumentos de pressão social de que dispõe um estado. A utilização do Estado para servir o capital, no quadro da sua influência propagandística é um meio típico e habitual do capitalismo, complementado por uma forma de acção semelhante por parte dos partidos burgueses que disputam o poder executivo de um estado capitalista.
Indirectamente já nos remetemos a este assunto noutros posts. Hoje, quando subia um qualquer lance de escadas, revoltei-me com uma artimanha do capital admirável: fazer crer às massas trabalhadoras que o seu bem-estar depende do bem-estar e avanço do próprio capital. Curiosamente, esta relação é unívoca. O capital não assume, pelo contrário, combate a ideia de que o bem-estar das empresas depende do aumento do bem-estar dos trabalhadores.
Incontornavelmente, os interesses destes dois pólos (porque o capital não é propriamente uma classe, sendo representado por várias) são inconciliáveis. Existe um antagonismo insanável. Os trabalhadores anseiam a melhoria das suas condições de vida, dependente do valor dos seus salários e dos serviços públicos capazes de serem prestado pelo Estado. O capital aspira à maior arrecadação de lucro possível, extraído directamente do produto do trabalho dos outros. Ou seja, a razão lucro/salário deve ser sempre a maior possível para satisfazer o capital, verificando-se o inverso para os trabalhadores. À medida que essa taxa diminui o capital perde terreno. E é da diminuição dessa taxa que depende a qualidade de vida dos trabalhadores, bem como a capacidade de qualquer Estado de garantir os serviços básicos à sua população.
Não é raro, antes recorrente, ouvir o governo e os partidos burgueses, argumentarem constantemente com este postulado. A diminuição dos salários reais, por exemplo, ilustra perfeitamente esta concepção. Quanto menores forem os salários, mais vontade de investimento terá o capital privado, sabendo à partida que retirará mais lucros da sua actividade, ou seja, sabe de antemão que disporá de uma razão lucro/salário elevada. Ora, só por si, isto contraria a tese de que existe uma relação simbiótica entre trabalho e capital. Existe sim, uma relação parasitária entre estas duas forças.
Desiludam-se portanto aqueles que descansam ao ouvirem falar de grandes lucros, ou aqueles que suspiram de alívio quando ouvem dizer que tudo será privado porque os serviços públicos não prestam. Desiludam-se aqueles que esperam da florescência do mercado de capitais e do crescimento dos lucros advenientes da especulação uma melhoria concreta nas suas condições de vida. O capital, enquanto dominar, proporcionará aos trabalhadores exactamente o grau de qualidade de vida que julgar essencial para o cumprimento efectivo das tarefas que cabem aos trabalhadores. O capitalismo não anseia a sua própria ruptura e vem tratando a suas feridas provisoriamente e de forma remediada há muito, o que conduzirá a uma exposição cada vez maior das suas contradições internas, bem como das suas consequências junto dos povos.
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