Wednesday, March 08, 2006

Paridade concertada

O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda entendem que a defesa dos direitos das mulheres tem expressão máxima naquilo a que chamam a paridade, por sua vez inserido no tema por si próprios fabricado igualdade de género.

A paridade em si não é um estado necessariamente negativo nem positivo. A participação da mulher e do homem em igualdade não significa directamente a igualdade numérica. A paridade, enquanto estado de participação em determinada etapa da vida política, social ou económica, deve ser atingida com naturalidade e não com obrigatoriedade. A própria concepção de atribuir à construção da paridade o carácter limitativo e obrigatório encerra a indisfarçável tendência patriarcal da sociedade em que vivemos, ou, num outro extremo pode transportar a visão individualista do feminismo frígido e tão abominável quanto o machismo.

A grande questão que se coloca quando falamos de participação da mulher na sociedade é exactamente a mesma que deve ser ponto de partida para tantas outras análises. O que define o papel de cada ser humano na sociedade? O seu sexo? A sua cor? O seu credo? A sua orientação sexual? Julgo que não. O que determina o papel de cada um de nós na sociedade é a nossa intervenção no processo produtivo, a detenção ou não dos meios de produção, a acumulação e apropriação ou não das mais-valias e a existência ou não de um compromisso de classe prático.

Não entendo como podem ser considerados garantidos quaisquer direitos das mulheres pela simples obrigatoriedade de participarem em igual número nas diversas esferas da vida. A grande questão consiste na garantia das condições que possibilitem um relação entre a sociedade e a mulher nas mesmas condições com que esta se relaciona com o homem, condições essas que devem ser, paralela e simultaneamente mais abrangentes e mais dignas.

A libertação da mulher é a libertação do homem e do Homem.
A obrigatoriedade de medidas que garantam a paridade, a imposição de quotas por género, acarretam falácias, enganos e retrocessos no entendimento colectivo necessário à verdadeira emancipação da mulher.

1. A imposição, por ser isso mesmo, implica que existirá uma ingerência na vida das organizações, obrigando cada partido, associação ou estrutura democrática a limitar-se na construção das suas próprias opções.

2. A existência de igualdade numérica entre homens e mulheres não garante de forma alguma a igualdade de tratamento político entre géneros, isto porque a definição da génese política de cada pessoa depende exclusivamente da sua origem de classe e do seu compromisso ou integração de classe.

3. Partir do princípio que a paridade numérica é sinónimo de garantia de igualdade política e social entre géneros é assumir que todas as mulheres defendem os direitos das mulheres, o que me escuso a rebater.

4. Aceitar a paridade numérica, bem como defendê-la é fazer divergir das questões centrais, ludibriando homens e mulheres a resolução de um problema que tem principal raiz nas discriminações de base que sofrem homens e mulheres, principalmente nos locais de trabalho, com principal expressão como sabemos para o sexo feminino.

5 comments:

FeminineMystique said...

A questão é que a discriminação de que todos somos alvo são mais sérias nas mulheres. porquê? porque há discriminação das mulheres com base no seu género.

É enganarmo-nos a nós próprios pensar que a coisa se resolve sem pegar a questão deste modo.

como já foi dito noutro sítio (http://obitoque.blogspot.com/2006/03/as-derrotas-das-quotas.html), não há "naturalidade" que resolva o problema.

miguel said...

a luta pela emancipação feminina é a luta mais ampla dos direitos dos trabalhadores. fingir que este problema pode ser resolvido nas super-estruturas burguesas, pela via da igualdade numérica é apenas desviar a atenção das questões centrais.

a luta das mulheres não é a de participar em igualdade numérica, é a de ter igualdade no acesso a tudo, perante a política, perante o trabalho, perante a maternidade e paternidade, perante a sociedade, a cultura, etc.

a igualdade numérica é apenas uma fachada, que, no essencial deixará as mulheres tão entregues à exploração como hoje.

Quotas de mulheres é o mesmo que exigir quotas de católicos, budistas, islamistas, pretos, brancos, amarelos. porque todos estes podem estar em cada uma das classes... e a questão... é uma questão de classe.

De que adianta ter um governo e uma Assembleia da República maioritariamente femininos se essas mulheres forem, como os actuais membros, submissos aos interesses do grande capital que dita a sociedade patriarcal? que interessa ter as mulheres em maior ou menor número no poder se elas defenderem as políticas do capital, explorando tudo e todos o máximo possível, deixando as mulheres tal qual como estão?

CLASSE - é a questão.

Uma famosa ministra das finanças... à parte o seu sexo feminino foi ainda assim das que mais contribuiu para a exploração feminina, impondo uma política de aperto do cinto aos trabalhadores portugueses, com especial impacto obviamente junto das mulheres. As mulheres não passarão a ter salários justos por existirem mulheres no poder, as mulheres não verão despenalizada a IVG por existirem mais mulheres no poder, não deixarão de ser utilizadas como objectos sexuais pelo capitalismo, por existirem mais mulheres no poder...
não deixarão de ser as principais responsáveis pela maternidade, pelo acompanhamento dos filhos, etc, pelo facto de existirem mulheres no governo.
Tudo isso são reflexos directos do capital, e enquanto ele não for suplantado... haja mulheres nas ruas, nas fábricas, nas escolas e no poder para fazer a luta!

miguel said...

e obviamente, quando me refiro a "naturalidade", significa que defendo uma representação igualitária de homens e mulheres porque assim se possa entender que é produtivo e não porque nos vêm impôr essa obrigatoriedade. "naturalidade" revolucionária, obviamente.

O capital não se melhora por reformas... as quotas nem chegam a ser isso.

FeminineMystique said...

tomas as quotas como o supra-sumo das medidas. não é, está longe de ser. é apenas uma entre muitas que pode fazer a situação das mulheres menos injusta.

concordo contigo que é uma questão de classe. mas mesmo dentro de uma classe não há igualdade de género.

como já vi apregoado em tempos idos, não há revolução sem as mulheres. faz parte disso possibilitar-lhes oportunidades. não é um fim em si, como é muitas erradamente entendido, mas é um passo.

inês said...

a questao e' a igualdade de oportunidade, nao a igualdade de resultado. nao e' justo exigir uma igualdade de representac,ao sem criar uma realidade de igual acesso.

e' evidente que a discriminacao exite a muitos niveis, incluindo os partidos e incluindo o meu, mas alterar artificialmente os resultados ( exigindo quotas) e' um disparate.

aqui na boca do lobo, as quotas para as universidades (para afro americanos) deram em merda, com a continuac,ao do racismo, a outros niveis: brancos a sentirem-se discriminados, e pessoas com pouca capacidade academica a ultrapassar gente que se esforc,ou muito.
entretanto o problema do acesso e da oportunidade continua por resolver,50 anos depois do caso brown v. board of education que acabou com o regime de segregacao (separate but equal).

... e e' claro que nao ha revolucao sem as mulheres...

(desculpem o meu teclado americano.)