hoje meti-me em "modo delicado" e enviei a uma Srª jornalista do Diário Económico o seguinte:
"Srª R.
Escrevo-lhe este correio electrónico poucos minutos após ter lido com espanto o artigo que assina no Diário Económico de Sexta-Feira, dia 26 de Setembro, na página 4.
De facto, quando li a referida página, reparei em primeiro lugar no título e, logo depois, nas duas figuras que se encontram logo abaixo do corpo do artigo. Relembro que, da leitura dessas figuras resulta sem dificuldade a interpretação da sondagem citada no artigo e cuja ficha técnica se encontra na coluna à esquerda. Ora, sem grande esforço se perceberá que essa figura coloca o PS em primeiro lugar das intenções de voto, com 36,1%; o PSD em segundo, com 29,3% e a CDU em terceiro, com 12,6% e, em quarto lugar, o Bloco de Esquerda, com 10,9%.
No meu entendimento, isto significa claramente que o PS consegue uma maioria parlamentar relativa, sendo que perde a sua maioria absoluta (facto bem relevado no título escolhido), que o PSD não consegue superar os 30% e que, portanto, isso significa uma estrondosa derrota e um resultado muito aquém das suas habituais votações. Da mesma forma, surge novamente a CDU como terceira força política em termos de representação parlamentar, o que já sucedeu nas últimas eleições legislativas.
Assim, julgo que compreenderá os motivos que me levam a fazer este contacto, pois deve imaginar a minha apreensão quando, depois de observar as figuras gráficas referidas, leio as primeiras linhas do artigo assinado por si. As que transcrevo aqui: "José Sócrates ganha sem maioria absoluta, o PSD de Manuela Ferreira Leite não consegue melhor que em 2005, o Bloco substitui o CDS como terceira força política no Parlamento e confirma, nas urnas, a tendência crescente da esquerda nos últimos meses (com o PCP a manter o resultado das últimas legislativas)."
Estou certo de que, por esta altura, compreenderá perfeitamente a minha apreensão. Na verdade, nem o CDS é a terceira força política em termos eleitorais presentes, nem o Bloco de Esquerda passa a terceira força política no Parlamento, a julgar pelos resultados que a sondagem divulga e que, julgo servirem de base ao texto que assina. Também a tese de que é o crescimento do Bloco de Esquerda que confirma o crescimento da esquerda nos últimos meses se mostra um pouco fantasiosa, sendo que parte de um princípio falso: o de que o PCP mantém os resultados das últimas legislativas. Princípio esse que me força a perguntar-lhe se conhece, ou tentou conhecer, os resultados da CDU nas últimas eleições legislativas (7,56%). Assumo que poderá ter sido um lapso, mas espanta-me que todos os seus lapsos no referido artigo sejam orientados por um subliminar sentido de menorização da CDU e do PCP, principal força política que integra essa coligação.
Portanto, ainda sobre as primeiras linhas, esclareçamos: o CDS não é a terceira força no plano eleitoral, e apenas o é na representação parlamentar porque o PCP assumiu a substituição de uma deputada durante o mandato, substituição que a própria não aceitou, assim originando a sua ulterior expulsão do PCP e a sua saída do Grupo Parlamentar. A CDU é a terceira força política no plano eleitoral para as legislativas e para as autárquicas, em resultados e em mandatos obtidos. Assim se prova facilmente que o Bloco de Esquerda não substitui o CDS em terceiro lugar na AR, pelo simples facto de não ser o CDS a terceira força, acrescido do facto, porventura incómodo para muitos, de a CDU ter significativa vantagem nas intenções de voto quando comparada com o BE.
Uma formulação alternativa que pudesse, sem manipulação da realidade, satisfazer um leitor atento, segue adiante: "O Partido Socialista perde a maioria absoluta, o PSD não consegue melhor que em 2005, a CDU reforça a terceira posição e o Bloco de Esquerda sobe a quarta força política, substituindo o CDS. Assim se confirma, nas sondagens de intenção de voto, a tendência crescente da esquerda nos últimos meses." Julgo que é imparcial, sem distorcer a realidade e sem favorecimentos.
O que é mais curioso é que é a própria jornalista que mais à frente no seu artigo clarifica os valores percentuais da sondagem sob análise. E eis que nos anuncia que a CDU aumenta em 10% as suas intenções de voto, ganhando 1,3 pp em relação a Agosto e que o Bloco de Esquerda perde 11% nas intenções de voto em relação a Agosto, descendo 1,3pp. Ora, também aqui verifico uma linguagem que me provoca dúvidas: se a CDU sobe 1,3pp e é caracterizada como "ligeira subida de 11,3% para 12,6%", porque é que o Bloco, perdendo 1,3pp que representam uma perda relativa mais acentuada que a subida da CDU, sofre "um recuo mínimo de 11,2% para 10,9%." A escolha dos adjectivos é, no mínimo, curiosa e estou certo de que não caracterizam a escrita objectiva que deve servir de matriz para um artigo desta natureza.
Também julgo curiosa a forma elogiosa como refere que "... neste Verão, foi o BE que mais marcou a agenda política, com iniciativas cirurgicamente marcadas para zonas balneares.", ignorando a realização da maior iniciativa política de Verão que decorre no primeiro fim de semana, no Seixal, e a que se chama Festa do Avante!, bem como a Festa da Alegria que se realiza em Braga, ambas organizadas pelo Partido Comunista Português e ambas iniciativas de massas, sendo que centenas de milhar de pessoas nelas participam. Também ignora que, durante o Verão, o PCP realizou dezenas de comícios e de iniciativas, que a JCP esteve presente em praticamente todos os festivais de Verão e em muitas praias do país, e que, em cada uma dessas iniciativas do PCP se contaram várias centenas de militantes comunistas.
Ora, dizer que foi o BE, com as suas iniciativas peri-patéticas dirigidas exclusivamente à Comunicação Social e inseridas na tal “marcha contra a precariedade” que ninguém viu, que contaram, na maior parte das vezes com escassas dezenas de participantes, é, no mínimo pouco objectivo e muito fantasioso.
Subscrevo-me atenciosamente e conto que os reparos que faço sejam entendidos como contributos genuínos para a detecção dos seus erros, bem como os do Jornal em causa.
Melhores cumprimentos,
M."
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10 comments:
Caro M., esta tua "carta em bons modos" é exemplar. Deixaria a R. completamente desnuda e corada dos pés à cabeça... se tivesse pinga de vergonha.
Ler carta desta conforta e deixa-me em estado de graça. Obrigado.
Grande abraço
Os lapsos da senhora são lapsos cirurgicamente direccionados: todos, todos, sempre, sempre, no mesmo sentido...
Um abraço.
Grande iniciativa, esta tua de esclarecer os "equivocos" da senhora. Contudo acho que estes e outros se vão repetir até ás eleições. Mas são sempre sem querer...
Pessoas que fazem dos seus desejos realidades, e que não têm vergonha de as transportar para o papel...
Um abraço
Cruzes, não conheço a senhora, mas é caso para dizer: cada tiro cada melro.
Felizmente que a senhora existe para ilustrar o jornalismo que temos, e é num jornal de economia, que faria se fosse num jornal generalista!
Na galeria das magníficas cartas com bons modos, esta fica lum lugar alto e cheio de luz!
Que não te doam as mãos camarada!
abraço!
Bela carta escrita com muita paciência, para além do acerto... Precisamos mesmo de muita paciência para conviver com estas analistas de pacotilha, assalariadas de interesses vários, que nem sequer saberão muito bem quais serão os seus próprios (delas)! Recitam... não discorrem...
Muito bem!
A senhora jornalista merece cada crítica que teces à sua análise tendenciosa.
Nada que seja novidade para nós, comunistas.
Mas, efectivamente, há dias em que não suportamos nem mais uma mentirinha. E nesses dias, vale a pena perder um pouco de tempo, e escrever cartas "em bons modos" a gente como essa senhora.
Beijinhos
Mas que valente rabecada!
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