Há uma coisa que já começa a tornar-se crónica e, também por isso, crítica.
A alternância recorrente entre o PSD e o PS no governo tem vindo a provocar danos profundos no desenvolvimento do país.
A desilusão que reina sempre poucos meses após eleições legislativas mostra de alguma forma o quão pouco convictos são os votos nestes Partidos. Dois partidos diferenciados por uma letra e nada mais, dois partidos amorfos, sem rectidão, partidos que partilham a mesma ideologia.
Dizer que não há ideologia no seio do PS e do PSD é, de certa forma, falso. É, pior que isso, fazer uma vontade a ambos os partidos. Na verdade, não existem convicções enraizadas nesses partidos, mas existem ideologias. Ideologias claras, mas escondidas por um enorme nevoeiro de falta de esclarecimento e frontalidade.
O neo-liberalismo é uma ideologia clara, descendente do capitalismo. É, aliás o seu aliado na construção de monopolismo e do imperialismo. Ora, o papel do Estado enquanto instrumento político e social de dominância é um aspecto caracterizador e diferenciador de ideologias. No caso do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, é totalmente partilhada a visão sobre o papel do Estado. Essa é a questão essencial.
A suposta ausência de ideologia descompromete os Partidos com uma linha política, descompromete o eleitor que não quer, não pode, ou não sabe definir-se ideologicamente.
O papel do Estado para ambos, PS e PSD, é o de regular o mercado, é o de desaparecer e tornar-se exclusivamente um mecanismo de opressão ideológica de uma classe sobre outra. Os serviços sociais do Estado tendem, sob esta visão capitalista, a desaparecer para dar lugar a um mercado concorrencial que se aproxima com o tempo do monopólio empresarial.
As privatizações e as sucessivas descredibilizações e desmantelamentos da produção nacional e do património do Estado, bem como dos seus serviços mais não representam senão exactamente isso: a desresponsabilização por sectores fundamentais e insubstituíveis que terão assim de ser garantidos por interesses privados.
Hoje, na Assembleia da República será aprovado pela maioria absoluta do Partido Socialista um conjunto de medidas legislativas que vão exactamente ao encontro do enfraquecimento do Estado. Retirar direitos aos trabalhadores é o rumo assumido como primordial sempre que PS e PSD estão no Governo. O acordo é obvio nesta matéria. Hoje, no final da sessão da manhã na Assembleia da República, centenas de trabalhadores da Administração Pública manifestaram a sua ira, descontentamento e desilusão para com este tipo de políticas.
O desdém estava na cara de cada senhor deputado do Partido Socialista. Uma altivez injustificável, um desprezo desumano por aqueles que os elegeram. Um total desrespeito que chegou ao ponto de, pelas palavras do Ministro dos Assuntos Parlamentares, ser declarado que o Governo se reveste de toda a legitimidade porque foi democraticamente eleito.
Liguem-se agora os faróis, descortine-se o nevoeiro que esconde as ideologias!
Legitimidade: o governo dispõe, sem dúvida, de legitimidade institucional e legal para levar a cabo o que entender no plano executivo da política. Mas... e legitimidade política, ética e social? Será que um Partido que apresenta um programa eleitoral pode chegar a governo e virar do avesso tudo quanto prometeu em campanha. Pode... a lei permite. Mas mantém a sua legitimidade democrática? Um governo que, nos primeiros meses de governação já suscitou mais contestação social que o anterior em três anos...? Não porque o anterior fosse melhor, mas era, ainda assim, mais dissimulado e teve medo de avançar tanto. Claro que o PSD agora aplaude em surdina todas as medidas do PS. Quem lhes dera terem sido eles os pais de tais políticas. Mas não tinham estabilidade governamental nem credibilidade suficiente para o fazer sem criar gigantescas ondas de luta de massas capazes de derrubar as paredes e alicerces de qualquer governo. Foi o medo e a estratégia política que os impediu de concretizar estas medidas.
O medo das massas, dos trabalhadores e do povo.
A ideologia está lá. Não lhe põem um nome, mas não desaparece por isso. No entanto, tem nome, chama-se neo-liberalismo.
O nevoeiro levantado todas as manhãs pela Comunicação Social, pelo Governo, pelos colunistas e comentadores(?), pelos analistas(?) e outros senhores já não pode esconder algo que se torna agora mais vísivel porque o tempo foi pouco. Foi pouco o tempo que passou entre a desacreditação da direita e a verificação das políticas de direita do Governo PS.
Se, em situações normais, a memória tende a tornar difusas as semelhanças entre um governo e o seu seguinte, porque passa tempo até começarem a fazer borrada. Desta feita, está à vista.
O desdém estampado nos sorrisos dos ministros, secretários de estado e deputados do PS, não foi possível esconder com nenhum nevoeiro, porque o povo começou a ligar os faróis. Começou a ligar aqueles que só alguns podem ter, porque encarecem o preço do carro, os faróis de nevoeiro.
E aquele desdém, desprezo e desrespeito teve a sua resposta nas bancadas: FASCISTAS!!! MENTIROSOS!!! A LUTA CONTINUA!!!
e também aqui, nestes cânticos de guerra, está uma ideologia: a ideologia popular e trabalhadora da construção de um mundo liderado por quem o constrói: o marxismo. A ideologia daquelas vozes e punhos também está coberta pelo nevoeiro... Mas à vista está algo que muitos dizem já não existir: a luta de classes, o antagonismo profundo entre quem explora e quem é explorado. Entre quem governa e quem é governado, uns com os votos de outros...
E o PS de cima do seu poleiro institucional, mesmo ao lado do grande capital, puxa os galões da legitimidade. Acusa o PCP de mobilizar para as galerias da Assembleia sem perceber que ali estão todos, comunistas e não comunistas, e muitos daqueles que, enganados, votaram PS. Esse desdém, de considerar pequenos grupos, aquilo que são as vozes das massas, será o que conduz inevitavelmente o PS à derrota, que, em última instância, levará o capitalismo à sua ruína que já se adivinha.
E, nos entretantos, a democracia esconde-se numa qualquer viela, com os braços caídos de tanta labuta. Porque a democracia foi substituída por um seu parente distante. Um a que chamam também "democracia" mas que só por alguma afinidade familiar distante se compreende. A democracia foi substituída pela representatividade sem controlo democrático. Os mecanismos de controlo democrático são a condição essencial para o desenvolvimento da democracia... Se não existe direito de manifestação, de greve, de livre organização sindical, então onde está o controlo popular?
Por isso, quando acendemos os faróis, os de nevoeiro e aqueles que nos guiam em promontórios escondidos, lembramo-nos de uma palavra que não temos em Português. Laocratia. Lao(do grego: gentes, pessoas) Kratia (do grego: força, poder). Poderemos talvez dizer "laocracia". Para os utilizadores desta palavra, ela distingue-se de "democracia". Distingue-se porque "democracia" é o sistema político que nasce da vontade popular e "laocracia" é a participação popular. Não é um regime político, é um acto.
O poder das gentes.
A força das gentes.
Bonito conceito. Pena ainda faltar acender tanto farol...
Bom saber que tantos se esforçam por, quer de noite, quer nas auroras escuras, acender um em cada promontório, em cada barra. Um em cada mente.
Faróis de nevoeiro, faróis de guia... Mentes abertas, punhos cerrados!
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