Friday, January 27, 2006

um terrorista... foi você que pediu?

“Bush diz que os palestinianos têm que arcar com as consequências dos seus actos.” – Sic Notícias – Jornal de síntese

“We do not deal with Hamas. Hamas is a terrorist organization.” Scott Mclellan – Porta-voz da Casa Branca

Ambas as frases foram produzidas no dia 25 de Janeiro de 2006, ou seja, poucas horas após a divulgação do resultado oficial das eleições que tomaram lugar na Palestina, para a escolha do novo governo. Após mais de dez anos de governo sustentado numa maioria parlamentar pelo partido social-democrata e conciliador Fatah, os extremistas do Hamas acabam por vencer as eleições com uma folgada maioria absoluta. A questão que se coloca é: quem ganha com este resultado?

Os desenvolvimentos que advirão desta vitória começam a tornar-se óbvios.
A resposta à pergunta não pode passar sem dois considerandos essenciais:

A Fatah, pelo seu papel de contenção da luta popular, pelo seu carácter submisso às ordens imperialistas e pela governação tipicamente social-democrata por que enveredeou, lançou o povo palestiniano na desilusão perante qualquer tipo de negociação. Na verdade, o caminho da negociação submissa tem conduzido a situação para o acentuar do conflito, para a tomada de localizações estratégicas em terreno palestiniano, para o constante crescimento da tese sionista, enquanto não resolveu os essenciais problemas do povo palestiniano no plano nacional e vendendo, no plano internacional, a dignidade e a soberania da pátria palestiniana.
o papel das organizações que optam, em determinados momentos da história, pelo recurso à violência contra civis, arriscam sempre o desvirtuamento da causa pela qual dizem combater. Daí o facto de muitas destas organizações serem criadas e apoiadas pelos Estados imperialistas, como o flagrante caso da Al-Qaeda, nascida nas fileiras dos Mujaheedeen e dos Taliban, ambas criadas com o investimento dos Estados Unidos da América. O desvirtuamento da causa popular e a sua transformação em violência não é sua característica própria, é antes o primeiro sinal da manipulação da causa pelo seu próprio adversário.

Quem ganha com este resultado é o estado sionista de Israel e seu aliado americano, os EUA. A política de expansão e geodominância característica do imperialismo tem vindo a ser a verdadeira causa do agravamento da tensão e da violência no médio-oriente. Quer os EUA, quer Israel já anunciaram não estar dispostos a continuar a farsa das negociações com uma organização como o Hamas. O caminho está livre, portanto, para a utilização da violência e da destruição em massa da pátria palestiniana. As incursões tenderão a aumentar, com o Hamas fazendo o papel que lhe cabe: o da justificação da agressão.

Naturalmente, as populações do mundo, ainda que manipuladas seriamente pela comunicação social dominante, não toleram a agressão injustificada, nem a violência unilateral que se traduz em invasões ao estilo colonial e na apropriação dos recursos de um povo por um estado que lhe é alheio. No entanto, uma justificação de recurso para essas incursões agressivas, é exactamente o argumento de que o invasor se está simplesmente a defender.
Os EUA e seus cães de fila (Inglaterra, Espanha, Portugal) utilizaram esse pobre argumento após o 11 de Setembro. Utilizaram-no para justificar a invasão do Afeganistão e, de forma contínua para desculpar todos os erros cometidos na invasão do Iraque. De certa forma, o alcance dessa justificação é tal, que ainda hoje serve de pretexto para planificar invasões a Cuba, Venezuela, República Popular Democrática da Coreia, Síria e uns tantos outros incómodos países. Incómodos por terem reservas petrolíferas maiores do que as que deviam, ou, pura e simplesmente, por não acatarem cada ordem mesquinha dos senhores do dinheiro.

A vitória do Hamas é a vitória da política de agressão de Israel e dos EUA. É a vitória do sionismo e do ódio. Com o Hamas no poder, o agressor passa a vítima constante. Os coitadinhos dos judeus, eternos mártires da História, serão agora alvos de intenso terror, fruto do fanatismo inexplicável de uns tantos milhões de muçulmanos passados da cabeça. Está montado palco para a morte vir abraçar mais uns milhares de palestinianos. Está livre o caminho do estado fascista de Israel. O holocausto continua, em chamas fora de fornos, sem calcinações conhecidas. Mas o sacrifício está à vista.

Esperemos nós que deus se retire humildemente desta batalha e deixe expostas as verdadeiras razões daquele sangue.

6 comments:

A. Cabral said...

E quase apocaliptica esta analise, (quase?) profetizas a destruicao fisica da Palestina.

A mim parece-me que a situacao complicou-se mas que nao e' necessariamente pior. A Fatah estava corrompida e ja nao servia os interesses da causa palestiniana. Podemos lamentar o fim das negociacoes mas o facto e' que as negociacoes era uma ilusao. Israel impunha os termos e a Fatah subscrevia, era um vergonhoso clientelismo.

Por todos os seus pecados, nomeadamente o seu fundamentalismo reaccionario, o Hamas nao se vai curvar ao Estado de Israel. Ha aqui esperanca portanto para uma paz que satisfaca os dois lados e que nao seja podre como a que tinhamos. Temos que crer que as gentes do Hamas nao sao irracionais e que nao vao desperdicar a plataforma que tem para dar aos palestinianos um estado. Eles mais que ninguem podem unir aquele povo na sua luta. Isto e' certamente positivo.

Ademais, o Hamas tem uma base popular forte que ja tem mitigado muito do seu mais insano radicalismo religioso. Podemos esperar que mais desenvolvimentos nessa linha progressista possam ocorrer.

miguel said...

não tenho hábitos de profetizar... nem era essa a intenção. o que quero dizer é que, mais uma vez, a social-democracia reformista deu origem à corrupção e ao conformismo negocial. não tenho como principal objectivo deste post o ataque ao Hamas, mas sim àqueles que, apressados, já anunciaram recusar negociar com essa plataforma. isto, sem dúvida, servirá os interesses do imperialismo na região. O estado sionista não é compatível com o Estado Palestiniano, porque é a expressão do imperialismo na região. A vitória do Hamas, não por sua responsabilidade directa vem servir como pretexto para o aumento da tensão e da violência por parte de israel. Um pouco à semelhança do papel do terrorismo como legitimador da violência imperialista.
A responsabilidade primeira é do sistema baseado na dominância, a responsabilidade política é da Fatah, que decepcionou as esperanças de um povo.

A. Cabral said...

Estamos totalmente de acordo!

miguel said...

fossemos nós mais ainda (os de acordo) e havias de ver! :)

A. Cabral said...

refugio-me na conviccao que somos poucos mas bons.

miguel said...

não seremos assim tão poucos...
pena é não sermos os suficientes.
ah!... e decerto seremos bons!