Uma das coisas de que cedo me apercebi é que na política e na economia, nada acontece por acaso. Embora os acasos possam determinar conjunturas que influenciam, a política, eles não a determinam. Por isso mesmo, alguns slogans dos governos, algumas orientações aparecem como nascidas de preocupações, mas acabam por não representar nada mais além das orientações do grande capital na sua senda imparável pelo lucro.
A julgar pela propaganda, muitas vezes somos levados a crer que existe mesmo uma vontade política de aplicar medidas de contenção do desperdício, quando, todos sabemos, isso é intrinsecamente contrário à natureza do capitalismo.
Por exemplo, quando nós os ouvimos dizer que é preciso assegurar um uso eficiente da água e encarecer-lhe os preços para motivar a poupança desse bem escasso. A campanha em torno da água é clara: obter controlo sobre o recurso, garantir a sua distribuição de acordo com a geopolítica do capital e do lucro. Embora a ofensiva queira relacionar o consumo da água com o seu custo ao utente (que passa a cliente), a verdade é que a privatização da água motiva automaticamente a sua venda irracional, presidindo ao consumo e à oferta o objectivo do lucro e não da gestão equilibrada. O aumento dos preços da água pune exclusivamente aqueles que não a podem pagar, reservando a utilização desse recurso para os que podem. As piscinas continuarão cheias, como os depósitos dos lexus e dos ferraris. As casas dos pobres ficarão sem água como já hoje não têm comida.
A propaganda em torno da água é semelhante a uma outra que se vai desenvolvendo em torno do ambiente, dos combustíveis e do consumo de energia eléctrica. Se ouvirmos a campanha do governo, não raras vezes se fala de eficiência energética. O governo aliás, tem mesmo um plano de aumento da eficiência energética e essa questão - como bem se viu nos impostos sobre as lâmpadas incandescentes - é por vezes apresentada como nuclear no âmbito da política enrgética. Podemos pensar que existe um contrasenso: se o governo é submisso à classe dominante e a classe dominante quer vender mais energia para encaixar mais lucros, como é possível que apele à diminuição dos consumos energéticos?
Na verdade, nunca existiu um apelo à diminuição dos consumos. Há um apelo ao seu aumento. Através do conceito de eficiência energética, o governo e o capital apresentam novamente as suas preocupações ambientais e aparentemente apelam à diminuição dos consumos. Com efeito, o paradoxo de Jevons explica bem esta estratégia do capital.
A eficiência energética por si só não é um elemento favorável às sustentabilidade da relação homem-natureza. Pelo contrário, no âmbito de uma sociedade capitalista, o aumento da eficiência energética conduz directamente ao aumento dos consumos. Confuso? claro que sim. Por isso é que esta teoria económica se chama "paradoxo". O aumento da eficiência energética provoca a diminuição dos custos de produção, logo, pelo mesmo custo, produz-se mais. Ao produzir-se mais, amplia-se a utilização de um determinado processo produtivo, de uma determinada tecnologia e, por sua vez, o consumo do seu sustento - no caso actual combustíveis.
Assim, o aumento da eficiência energética sem a alteração do paradigma de sistema produtivo e sem a preocupação política real para a alteração dos métodos de produção energética e minimização dos impactos da produção e consumo na Natureza, representa apenas o aumento dos próprios consumos e, por sua vez, o aumento dos lucros das petrolíferas e das companhias eléctricas.
Voltemos ao exemplo das lâmpadas: a eficiência energética das lâmpadas modernas é bastante superior às lâmpadas incandescentes - é um facto. No entanto, a generalização da utilização desta nova tecnologia, por si só, não representa a diminuição dos consumos, sendo que mais lâmpadas se instalarão e mais tempo ficarão ligadas. Isto significa que as nossas facturas de electricidade, como todos terão já reparado, não diminuiram nem tampouco estabilizaram - antes pelo contrário, continuam a subir consideravelmente. Da mesma forma, sob o pretexto da eficiência energética, o governo e as organização ditas ambientalistas estimularam a troca de lâmpadas incandescentes por lâmpadas de alta eficiência energética.
Ora, num pequeno período de tempo, milhões de pessoas deitaram fora lâmpadas ainda úteis, apenas por serem incandescentes, e trocaram-nas por lâmpadas mais recentes, mais caras. Isto significa que um conjunto muito vasto de lâmpadas foi para o lixo sem necessidade nenhuma, ou seja, esse conjunto de lâmpadas, vidros, metal, filamentos, gases, foram engrossar o volume do desperdício. Ao mesmo tempo, as empresas fabricantes de lâmpadas, venderam milhões de novas unidades, encaixando milhões, vendendo as novas lâmpadas a um preço empolado pelo aumento da procura estimulada por motivos supostamente ambientais. É a irracionalidade total, mas é também o lucro total.
Paga o consumidor, paga o ambiente, recebem as empresas fabricantes em lucro e em publicidade.
Outro exemplo: o aumento da eficiência energética apresentado como forma de diminuir o consumo de combustíveis fósseis. Aqui o paradoxo de Jevons afirma-se com toda a clareza: o impacto do aumento da eficiência energética desde a invenção do motor nos consumos tem sido o do crescimento desmesurado dos consumos de combustíveis. Claro que, independentemente da forma de organização social e económica, a generalização de uso de uma tecnologia provocará sempre o aumento do consumo dos combustíveis que lhe são associados.
Mais utilizadores, mais consumo. Mas isso não pode significar que se utilize a "eficiência energética" como instrumento de propaganda para a defesa da naturza, porque isso é coisa que dela não pode resultar no quadro da economia capitalista. A eficiência energética deve ser promovida, claro, essencialmente como forma de promover e incrementar a qualidade de vida, mas numa perspectiva equilibrada e bem distribuída pelo globo. Utilizar esse conceito como o capitaol vai fazendo nos ditos países desenvolvidos é mera propaganda e diversão, é aumentar o manto de ilusão que nos vão pondo à frente no que toca à "defesa do ambiente". Ora neste caso, no dos combustíveis fósseis, o aumento da eficiência energética não representa necessariamente a diminuição do consumo. Um carro que atinja 80km/h como velocidade máxima e consuma 8lt/100km (a 80km/h) é um carro de baixa eficiência energética.
No entanto, um carro que atinja 180km/h e consuma 6,5lt/100km (em ciclo misto) é um carro de maior eficiência energética. O segundo carro, a 180km/h consome, todavia, cerca de 10-11lt/100km e como faz maiores distâncias em menos tempo, consome mais combustível em menores intervalos de tempo. Além disso, o segundo carro, embora energeticamente mais eficiente, pelas características que tem passa a ser mais distribuído, mais vendido e mais utilizado. No quadro geral, ainda que possa apresentar melhorias para a necessidade de deslocação do indivíduo que o utiliza, representa um exponencial aumento dos consumos de energia (por queima de combustíveis) no plano global. Ou seja, a eficiência energética implica, ao contrário do que parece, um aumento dos consumos.
A eficiência energética não é, por si, um objectivo prejudicial ou negativo. De facto, ela catapulta o desenvolvimento tecnológico para novos patamares e o bem-estar individual daqueles que têm acesso à tecnologia para novos níveis. O que não pode é dizer-se que a eficiência energética é um conceito directamente relacionado com a conservação dos valores e recursos naturais, porque não é de todo. Isto significa que quando o conceito de eficiência energética é utilizado pela campanha capitalista para nos enganar, algo que não querem que vejamos se está a passar.
3 comments:
É uma pena que sejam poucos os portugueses a lerem este artigo,e dos poucos, alguns ainda ficarm indecisos, as técnicas de markting, estão para o povo como o computador para o analfabeto.
eu tenho a mesma visão, só que não sei descrevêla tão bem como tu.
Abraço
Manangão
Excelente artigo. Como quase todos os que aqui publicas. E como quase todos os que aqui publicas, acho que o vou divulgar em massa, tanto quanto puder. Abraço.
Se (por absurdo) existissem blogs de jovens comunistas, que toda a gente sabe que não há... teriam certamente posts como este.
Bom texto!
Abraço
Post a Comment