"gastou acima das suas possibilidades" - expressão muito em voga em Portugal e, sempre que necessário, nos países afectados pela crise do sistema capitalista, como forma de colocar a responsabilidade da situação sobre os povos, os estados e sobre os trabalhadores.
Na economia política, como em muitas outras coisas, há um certo grau de relatividade em muitos aspectos. Neste caso, será mais correcto dizer que o Capital "pagou abaixo das suas possibilidades", ou que os salários "foram pagos abaixo das necessidades dos trabalhadores", do que dizer que os trabalhadores "gastaram acima das suas possibilidades".
Atentos estejamos e verificaremos rapidamente que ambas as formulações resultam numa crise, mas cada uma das formulações aborda o problema de forma diferente, responsabilizando entidades diferentes. O sujeito da versão capitalista é o cidadão que "gastou demais" e não o "patrão que pagou a menos".
Ora, a ser verdade, aceitaríamos que fosse sempre o patronato a ditar univocamente o que são as minhas e as nossas "possibilidades". Ou seja, ao colocar a questão nas "possibilidades", colocamos na mão de quem detém o poder económico a determinação do que é "gastar a mais" ou "gastar a menos". Se, por outro lado, colocarmos a questão sob o ponto de vista da "necessidade" e da "retribuição do trabalho", tudo muda. A verdade tende a demonstrar que é mais correcto dizer-se que nos "andaram a pagar abaixo das nossas necessidades" já que é evidente que os que pagaram abaixo das suas possibilidades e das nossas necessidades são exactamente os que hoje não são afectados pela crise e que através dela, não só não sofrem, como amassam cada vez mais milhões.
Então, esses é que ganharam acima das nossas possibilidades, porque nos pagaram sempre abaixo das nossas necessidades. E com isso, empurraram milhões de portugueses para o crédito como forma de satisfazer necessidades que podiam ser asseguradas por rendimentos do trabalho.
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